Elisabetta Recine, membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), fala da importância de a sociedade se mobilizar pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 047/2003, a PEC Alimentação. Ela explica que, com a inserção do direito à alimentação na Constituição Federal, as políticas públicas deixam de ser ?políticas de governo? e passam a ser ?políticas de Estado?, deixando de ficar à mercê de interesses partidários e/ou transitórios.
Mobilizadores COEP – Que aspectos estão envolvidos na garantia ao direito humano a uma alimentação saudável e adequada?
R.: A garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) envolve a realização de todos os demais direitos fundamentais da pessoa humana: educação, saúde, trabalho, moradia etc. Em termos conceituais, um direito humano só se realiza plenamente quando todos os demais também se realizam. É o conceito de indivisibilidade. Se considerarmos que o DHAA tem duas dimensões ? estar livre da fome e ter uma alimentação adequada?, a realização do DHAA envolve tanto os aspectos que garantem a oferta de alimentos em quantidade adequada para os indivíduos, como também a qualidade. Desta maneira, o DHAA diz respeito a todas as pessoas e não apenas àquelas que passam ou estão em risco de passar fome.
Mobilizadores COEP – Na sua avaliação, por que motivo o direito a alimentação não consta entre os direitos fundamentais na Constituição Brasileira?
R.: Por questões conjunturais ? agendas que vinham sendo construídas como o próprio movimento de redemocratização, como o sistemaúnico de saúde, garantia ao trabalho e renda, e seguridade social ? de quando a reforma constitucional estava em processo, conseguiu-se garantir o direito à alimentação escolar, mas não a todas as pessoas.Já naquela época, o programa de alimentação escolar era visto como uma garantia de permanência da criança na escola e algo que contribuía para sua alimentação.
Mobilizadores COEP – O Consea lança, no dia 26 de maio, campanha nacional para que a Proposta de Emenda Constitucional ? PEC 047/2003 seja aprovada até o Dia Mundial da Alimentação, comemorado anualmente em 16 de outubro. O que se pretende com a iniciativa?
R.: O Consea pretende deflagrar uma grande mobilização nacional e um processo de retomada das discussões sobre a situação alimentar e nutricional da população brasileira. Neste sentido, a campanha pretende contribuir para a aprovação imediata da PEC, mas também ter um saldo de mobilização e comprometimento da sociedade brasileira com o tema.
Quanto mais conseguirmos que a campanha se traduza em movimentos e comprometimento local, mais os Conseas locais e todo o movimento de SAN serão fortalecidos. A mobilização poderá servir para fortalecer a participação da sociedade civil nos Conseas locais, a discussão de como os programas públicos de SAN estão sendo implementados, como poderiam ser aprimorados etc.
Mobilizadores COEP – Que tipos de ações a campanha prevê para mobilizar a sociedade? Quem pode participar? De que forma? O que é possível fazer para apoiar a iniciativa?
R.: Toda a campanha está baseada no conceito de rede e expressões locais. Isto quer dizer que uma programação básica será desenvolvida, mas há o incentivo para que as organizações, entidades, movimentos, Conseas locais utilizem as oportunidades locais para expressarem seu apoio à campanha.
Em nível nacional, pessoas e entidades podem assinar o abaixo assinado disponível na página do Consea (www.planalto.gov.br/consea). É também fundamental que os deputados federais dos diferentes estados sejam incentivados a contribuírem para que o processo na Câmara Federal ocorra rapidamente e que os dois turnos de votação expressem um comprometimento forte de todos com a questão alimentar e nutricional de nossa população.
Mobilizadores COEP – De que forma a aprovação da PEC 047/2003 pode auxiliar o Brasil a avançar na garantia à alimentação adequada a todos?
R.: Somada à importância política explicitada anteriormente, há a importância jurídica da inserção da alimentação como direito social previsto na Constituição Federal:
Com a inserção, a aplicabilidade é imediata (pelo menos em tese) e isto dá um poder de organização e institucionalização das políticas públicas ? isto é, contribui para que as ações deixem de ser ?políticas de governo? e passem a ser ?políticas de Estado? ? ganhando uma certa proteção de interesses partidários e/ou transitórios. Outro aspecto é que todos os três poderes devem contribuir para respeitar o direito previsto. Além da responsabilidade dos três poderes há também a responsabilização de todas as esferas de governo (estados e municípios). Isto deverá contribuir para a agilização do processo de definição do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e da Política Nacional de SAN. Há ainda um reforço formal no processo de exigência na realização do direito.