Renata Mendes, coordenadora de projetos e uma das diretoras da Associação Mundaréu, explica como é possível comercializar e viabilizar a produção artesanal, as principais dificuldades dos artesãos no país, e o que é necessário para o produtor fazer do seu negócio um empreendimento sustentável. Ela fala também sobre o trabalho desenvolvido pela Mundaréu na capacitação de grupos voltados para a produção artesanal em todo o Brasil segundo os princípios do comércio justo.Mobilizadores COEP – Quais as principais dificuldades para que os artesãos no Brasil consigam sobreviver de seu ofício? Quais as soluções possíveis?R.: Acredito que a comercialização seja o maior entrave para a produção artesanal, principalmente porque os resultados não são imediatos quando se trata deste mercado. O retorno comercial no início do negócio de produção artesanal é muito pequeno e isso exige persistência do grupo em encontrar o mercado certo, o público que ele deseja atender, ter regularidade. Neste caso, o grande diferencial para um grupo seguir em frente são as lideranças empreendedoras, que estimulam o grupo a continuar persistindo.Mobilizadores COEP – Quais são as melhores opções de comercialização para o pequeno produtor? Como a Mundaréu auxilia os artesãos nesta questão?R.: Acredito que a melhor saída para os pequenos produtores é a diversificação de clientes e ter a consciência do seu potencial produtivo [quantas peças pode produzir e em quanto tempo]. A partir do momento em que ele identifica seu potencial, pode explorar seu público-alvo, divulgar seus produtos para o mercado certo e atendê-lo com qualidade e regularidade. A identificação do público certo não é uma tarefa simples e requer tempo para encontrar um resultado mais efetivo e que traga retorno comercial. O produtor artesanal deve ficar atento às exigências e anseios de seus consumidores para definir qual pode ser seu foco de produção.Mobilizadores COEP – O que é necessário para que o pequeno produtor torne seu negócio sustentável? R.: Num empreendimento coletivo, a ideia de planejamento deve ser uma constante. Ter controle do seu processo produtivo, dar boa utilização aos materiais envolvidos na produção, fazer uso de resíduos [recicláveis], ter uma preocupação com o meio ambiente e com o descarte dos materiais, ter um produto final de qualidade e que atenda aos anseios do consumidor.Pensar no sistema de produção como um todo é planejar o negócio e fazer com que ele seja sustentável a longo prazo.Mobilizadores COEP – O que é o comércio justo?R.: O comércio justo é uma maneira de distribuir produtos diferente da usual, na qual há preocupação em gerar benefícios aos produtores, por meio de uma remuneração adequada, e há a exigência de que a produção seja responsável, com respeito ao meio-ambiente e ao trabalhador e sem exploração da mão-de-obra infantil.A prática do comércio justo pressupõe apoio para aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, ausência de trabalho escravo e infantil, ambiente de trabalho cooperativo, igualdade entre homens e mulheres, estímulo a práticas ambientais sustentáveis e remuneração justa ao produtor, com preço justo para o consumidor. Essa forma de troca comercial entre pequenos produtores do hemisfério Sul e países do Norte teve início nos anos 60, a partir da iniciativa de grupos solidários, preocupados com as relações comerciais desiguais existentes entre esses produtores. Hoje, o comércio justo está muito difundido em países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão.Mobilizadores COEP – O que caracteriza a distribuição de produtos segundo os critérios de comércio justo? Quais os principais ganhos para o produtor e para o consumidor? R.: O conceito se baseia na importância de o consumidor adquirir produtos comercializados de maneira responsável, que possibilite remuneração justa e condições de trabalho favoráveis, incluindo o uso sustentável dos recursos naturais. Entre as vantagens da prática do comércio justo, tanto para produtores como para consumidores, estão a humanização da cadeia comercial, diminuindo a distância entre produtores e consumidores; o respeitoà cultura,à identidade e às condições de vida dos produtores; o apoio a produtores e trabalhadores marginalizados para que alcancem a estabilidade econômica; o despertar da responsabilidade do consumidor no apoio à produção sustentável e à inclusão social de produtores marginalizados; a busca pelo equilíbrio de relações entre produtores do hemisfério Sul e importadores, lojas, organizações certificadoras e consumidores do Norte. Mobilizadores COEP – O que uma rede como o COEP que atua em todo o Brasil com comunidades de baixa renda pode fazer para estimular a consolidação de produções artesanais segundo os critérios do comércio justo?R.: Para se manter, os grupos precisam vender seus produtos e/ou conseguir apoios. O COEP pode ajudar divulgando projetos, grupos e seus produtos e, possivelmente, fazer a conexão entre apoiadores e grupos, entre compradores interessados e grupos.Mobilizadores COEP – O que é a Associação Mundaréu? Quando ela foi criada e qual seu objetivo? R.: A Mundaréu foi criada em 2001 com a missão de promover o desenvolvimento e a inclusão social de grupos de produtores artesanais de todo o Brasil. Sua missão é criar oportunidades de geração de trabalho e renda para pessoas excluídas do mercado de trabalho. Nossos valores se norteiam pela transparência em nossas relações com os produtores e também na atuação como comércio justo. No início, tínhamos a intenção apenas de comercializar a produção artesanal, ou seja, de viabilizar a comercialização sem atravessadores. Mas, em pouco tempo de atuação, fomos identificando mais demandas e constatamos que os produtores também necessitavam de capacitação para melhorar os produtos e também de orientação na gestão dos próprios grupos.Mobilizadores COEP – Quantos produtores, comunidades, técnicos fazem parte da rede da Associação Mundaréu e em quantos estados brasileiros está presente?R.: Temos uma equipe formada por colaboradores, consultores e profissionais ligados à diferentes áreas – como sociólogos, pedagogos, psicólogos, designers, comunicadores – que atuam na capacitação dos grupos produtores. A rede da Associação conecta mais de 1900 produtores artesanais, localizados em 16 estados brasileiros, 160 empresas, 40 técnicos e consultores, além dos consumidores.Mobilizadores COEP – Como acontece a capacitação para a produção e o desenvolvimento das habilidades dos grupos ou das comunidades que procuram a Mundaréu? Qual sua finalidade?R.: Ao entrar em contato com um grupo de produção, a Mundaréu propõe-se a analisar as características de trabalho daquela comunidade, suas habilidades, sua identidade cultural, estudando também as reais possibilidades de inserção no mercado. Somente depois desta fase é que definimos o programa de capacitação que será oferecido, onde levamos em conta as demandas relacionadas à formação do grupo produtivo, criação do produto, garantia de qualidade, cálculo de custo e do preço final, enfim, a capacitação necessária para o funcionamento de um negócio mesmo.O estímulo à criatividade dos produtores e o desenvolvimento de suas habilidades, tanto manuais quanto de gerência, contribuem para o aprimoramento do sistema de confecção e para a qualidade dos produtos. Esse é um passo importante para o enfrentamento da competitividade do mercado, que exige, cada vez mais, mercadorias bem acabadas, originais e produzidas com respeito ao meio ambiente. A constituição de um grupo coeso é condição necessária à organização e sobrevivência do próprio grupo. Mobilizadores COEP – Como a Mundaréu realiza as capacitações? Poderia citar um exemplo prático?R.: O processo de qualificação e capacitação dos grupos oferecido pela Mundaréu é parte importante na estruturação de um negócio sustentável. O projeto completo, que tem uma duração média de um ano, envolve diversos profissionais na coordenação e avaliação do grupo, sempre no local onde a comunidade se encontra. Dessa forma, a equipe da Mundaréu é que se desloca para os locais de capacitação. O conteúdo abrange quatro principais áreas, que são: Criação e desenvolvimento de produtos; Estruturação do grupo; Gestão administrativa e financeira; e Ampliação do universo cultural.Os grupos podem chegam até nós de duas maneiras, seja por iniciativa própria de alguma comunidade ou pela contratação da Mundaréu por alguma empresa interessada em desenvolver um projeto social ligado ao artesanato na comunidade onde ela atua. Na primeira hipótese, aliamos os grupos interessados a projetos de financiamentos disponibilizados pela iniciativa privada ou estatais; e na segunda, as empresas nos contratam para realizar sua contrapartida social em determinada comunidade.Agora, por exemplo, estamos capacitando cinco diferentes comunidades no Guarujá, em São Paulo, por meio de um projeto da Secretaria Estadual de Cultura. Primeiro, realizamos a chamada feira de habilidades, onde detectamos as habilidades locais e realizamos uma pesquisa mesmo, para identificar as potencialidades dos grupos. Num segundo passo, escolhemos um gestor e dois multiplicadores por comunidade para que eles mesmos comecem a desenvolver a capacitação, seja no gerenciamento do grupo ou no ensino de técnicas artesanais. Esta preparação dura cerca de três meses. A idéia é criarmos uma rede de produção artesanal voltada para atender a demanda turística na cidade. Também temos um outro projeto interessante, com costureiras da cidade de São Bernardo do Campo (SP), onde a Volkswagen nos contratou para realizar a capacitação deste grupo e utilizar os tecidos descartados na produção dos uniformes dos funcionários da empresa. O projeto utiliza estes retalhos para produção de bolsas, cases [pastas para computador] e outros objetos.Mobilizadores COEP – Depois que determinado grupo recebeu a capacitação, existe algum tipo de acompanhamento por parte da Mundaréu? Em caso positivo, como ele é feito?R.: A Mundaréu continua acompanhando os grupos que receberam a capacitação e procura viabilizar a sua produção, encaminhando os produtos para venda no mercado corporativo, através de catálogos, e também orientando para a participação em feiras de brindes corporativos. Só em São Paulo, acontecem duas grandes feiras anuais neste setor. Mobilizadores COEP – A Mundaréu inaugurou, em 2001, a primeira loja de Comércio Justo do Brasil, em São Paulo. Essa loja continua funcionando? Existem filiais? Como os artesãos são remunerados?R.: A loja da Mundaréu funciona na Vila Madalena, desde que a associação foi criada. Os artesãos são remunerados à medida que seus produtos são comercializados. O preço final é estipulado somando o preço final aplicado pelo produtor mais a porcentagem dos impostos devidos pela Mundaréu. Como somos uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), aplicamos atualmente a taxa de imposto de 3%, que é o nosso custo interno.Mobilizadores COEP – Como produtores ou comunidades podem fazer parte desta rede e solicitar o apoio da Associação Mundaréu?R.: Os grupos de produtores interessados podem nos contatar através do site da Mundaréu e preencher o cadastro de seleção disponível na página, ou enviar um e-mail para mundaréu@mundareu.org.br. Nós analisamos as propostas e entramos em contato com o grupo sempre que houver oportunidade de colocar os produtos em nossa loja.
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Entrevista para o Grupo de Fortalecimento ComunitárioConcedida à: Flávia MachadoEditada por: Eliane Araújo.
Muito interessante as atividades desenvolvidas pela Mundareu. Mais um exemplo a ser seguido, parabéns!!