O coordenador de Projetos do Instituto Centro de Vida (ICV) e do Programa de Alternativas ao Desmatamento e às Queimadas (PADEQ), Jean Carlo Corrêa Figueira,.nos fala nessa entrevista sobre os efeitos das queimadas e sobre projetos alternativos ao uso do fogo, como a implantação de unidades de pastagem ecológica e de sistemas agroflorestais que o IVC desenvolve no Portal da Amazônia – região localizada no extremo norte do Mato Grosso.
Mobilizadores COEP – Estamos numa época de estiagem em que tradicionalmente aumentam as queimadas em todo o país. Por que elas acontecem? Elas são permitidas em algumas situações? Quais?
R. As queimadas acontecem em todos os lugares e praticamente em todos os municípios do País, seja na área urbana ou rural. Faz parte da cultura do povo brasileiro. É uma forma de limpeza do ponto de vista da maioria das pessoas, uma forma prática e rápida, que aprendem com seus ancestrais: pais, avós, bisavós. Cabe aí até um estudo antropológico. Mas elas acontecem também por desinformação, quem faz não sabe ou ainda não tem muita clareza de suas conseqüências negativas ao ambiente. Quem sabe de suas conseqüências não faz uso desta prática. Também acontecem por não existir uma responsabilização desses atos. Na prática, poucas pessoas são realmente responsabilizadas e punidas, seja pela inexistência de legislações mais específicas ou pelo seu não cumprimento. Temos também, algumas situações onde ela é permitida. No estado do Mato Grosso, o proprietário, para poder desenvolver qualquer atividade com impacto ambiental, precisa obter a Licença Ambiental Única (LAU) da propriedade ? expedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado (SEMA). Numa área desmatada legalmente, o proprietário pode solicitar licença pra realizar queimada, geralmente no período de 15 de julho a 15 de setembro, quando o risco de acontecerem incêndios florestais é menor, devido às condições climáticas do estado.
Mobilizadores COEP – Onde acontecem mais queimadas no Brasil? Quem são os principais causadores? Como combatê-las?
R. Como dito anteriormente, em todas as regiões do país, tanto no meio rural como no urbano, do produtor rural até a dona de casa que queima as folhas do quintal, e vemos também os lixões e incineradores de lixo hospitalar, ainda comuns em muitos lugares. Acredito que a melhor forma de combater é pela informação, tanto das conseqüências do uso do fogo, bem como das alternativas que podemos ter. Há projetos elaborados com o objetivo de auxiliar comunidades urbanas ou rurais a trabalharem as questões ligadas às queimadas e promoverem políticas públicas específicas, como os programas do governo de educação ambiental e os fundos destinados a projetos de apoio a municípios e comunidades de baixa renda. No Portal da Amazônia – região formada por 16 municípios localizada no extremo norte do Mato Grosso, na área de transição do cerrado (savana) e da Floresta Amazônica – o Instituto Centro de Vida (ICV) vem trabalhando com questões relacionadas ao uso do fogo desde 1999, com iniciativas como o Programa ?Fogo:Amazônia Encontrando Soluções?, financiado pela Cooperação Italiana ? Embaixada da Itália no Brasil. Hoje estamos mais dedicados às ações desenvolvidas no meio rural e temos projetos alternativos ao uso do fogo, como a implantação de unidades de pastagem ecológica e de sistemas agroflorestais.
Mobilizadores COEP ? O que são a pastagem ecológica e o sistema de agrofloresta?
R. As duas técnicas dispensam totalmente o uso do fogo. A pastagem ecológica é um manejo que utiliza técnicas do sistema Voisin (divisão da área em vários piquetes). Já o sistema de agrofloresta envolve o plantio de arvores com o objetivo de restaurar a floresta com técnicas de sucessão natural. A técnica foi implementada no Brasil pelo suíço Ernst Götsch, que a desenvolveu em sua fazenda na Bahia. Esses dois sistemas foram escolhidos por serem uma alternativa que tem a ver com a realidade local: pecuária leiteira com pastos bem degradados e agricultura familiar; que geralmente conta com poucos recursos financeiros. Essas técnicas não permitem o uso do fogo e dado sua concepção e a característica de recuperação de áreas degradadas, aumentam a possibilidade de lucro com poucos investimentos. Além disso, podem ser implantados em qualquer estágio da pastagem e apresentam resultados bem rápidos. Trazem também aos produtores novas concepções de conservação e valorização dos recursos naturais, além de propiciar o reflorestamento das áreas através de uma técnica bem simples e de fácil implementação.
Mobilizadores COEP – Que tipo de atividades econômicas mais promovem queimadas? Quais os principais problemas causados pelas queimadas ao meio ambiente e à saúde humana?
R. As principais atividades são: as plantações de cana-de-açúcar; o manejo de pastagens no sistema convencional para formação de novas áreas de pastejo; manejo de novas áreas para a prática da agricultura, principalmente em assentamentos; etc. Hoje, estamos diante de um grande paradigma: como agir diante do aquecimento global e das emissões de carbono na atmosfera? Sem dúvida, as queimadas contribuem diretamente para o aumento e agravamento da situação através da emissão de carbono na atmosfera, mudando o clima onde há grandes áreas contíguas de desmatamento, entre outras… Alguns tipos de lixo, ao serem incinerados, liberam uma imensa quantidade de substâncias tóxicas na atmosfera. Também contribuem para o enfraquecimento dos solos quando usado intensamente nas culturas agrícolas e pastagens, porque contribuem para mudanças físico-químicos do solo. As queimadas mandam para o espaço boa parte dos nutrientes e parte dos que ficam no solo são perdidos por percolação (movimento de penetração da água, no solo e subsolo) através da chuva. Mas, apesar do benefício de disponibilizarem uma quantidade de nutrientes considerável no solo, isso deve acontecer lentamente dentro de um equilíbrio, não de uma vez só. A natureza deve se encarregar dessa tarefa. Ao utilizarmos a queimada é como se estivéssemos usando o limite do cheque especial, lá na frente vamos ter que pagar por isso. Geralmente, o preço é a baixa fertilidade dos solos. As queimadas também afetam a saúde humana. São problemas respiratórios, principalmente em crianças e idosos, com aumento dos casos de internações, especialmente no período mais intensivo das queimadas.
Mobilizadores COEP – O que é o Programa de Alternativas ao Desmatamento e às Queimadas, promovido pelo IVC? Quais são seus objetivos e onde é desenvolvido?
R. O projeto de alternativas ao desmatamento e queimadas, financiando pelo Ministério do Meio Ambiente dentro do PD/A (Projetos Demonstrativos) e executado pelo ICV, tem como objetivo promover a sustentabilidade socio-econômico-ambiental da agricultura familiar no Território Portal da Amazônia, com enfoque em duas comunidades: Terra Nova do Norte e Nova Guarita. E isso é feito por meio de capacitações em técnicas de agroflorestas; realização de diagnóstico participativo, manejo ecológico de pastagens; técnicas do sistemas de pastoreio Voisin; e construção de cercas elétricas de baixo custo. Além disso, promovemos ações de fortalecimento do capital social, ações que disseminem para as comunidades técnicas sustentáveis de produção e de organização comunitária, apoio à adoção de técnicas de manejo sustentável de pastagens; implantação de sistemas agroflorestais e silvipastoris (técnica que procura desenvolver na mesma área pastagem com reflorestamento); e recuperação de áreas degradadas.
Mobilizadores COEP – Por que essas duas comunidades foram selecionadas?
R. Um produtor (Martin Spindler) que faz parte da comunidade União, no município de Nova Guarita, teve acesso ao edital sobre o Padeq, por meio de uma capacitação realizada pelo Ministério do Meio Ambiente. Ele apresentou o edital à Associação de Produtores Rurais União, cuja maior parte dos integrantes participam da Coopernova (cooperativa de produtores que tem como principal produto o leite), com sede em Terra Nova do Norte e filial em Nova Guarita. A Associação procurou a diretoria da Cooperativa com a intenção de elaborar uma proposta (eles queriam desenvolver ações, mas não sabiam como) que coincidiu com o contato do ICV com a Coopernova, que nos colocou em contato com a Associação União pela primeira vez. Assim, elaboramos a proposta após uma reunião com os produtores rurais realizada na própria comunidade. Outra cooperativa,a Cooperagrepa ? que possui vários condomínios de produtores agroecológicos ?, também quis desenvolver o Projeto Padeq. Neste caso, trabalhamos com os produtores do condomínio de leite orgânico que também contribuem nas alternativas sustentáveis, que integram as ações do Território Portal da Amazônia, parceiros do ICV em alguns outros projetos. Essas comunidades utilizavam o desmatamento e a queimada em seu sistema produtivo, mas temos percebido mudanças de concepção dos produtores, como maior preocupação com o meio ambiente e com o futuro, além de melhorias nas pastagens.
Mobilizadores COEP – Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo projeto e que tipo de solução vocês encontraram para resolvê-las?
R. O projeto trabalha com 20 propriedades, um numero ainda muito pequeno,diante de toda a população do território. A solução encontrada é desenvolver o projeto em unidades produtivas que venham a se tornar unidades demonstrativas que facilitem a replicação das técnicas por outros produtores rurais. No município de Terra Nova e Nova Guarita, ainda não temos o número exato, mas já existem uma boa quantidade de produtores que já implantaram e outros que querem implantar o projeto. Temos também um projeto recém aprovado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), especificamente pra realizar capacitação e disseminação das ações do Padeq, com intercâmbios de produtores e dias de campo as unidades já implantadas.
Mobilizadores COEP – Quais as alternativas encontradas pelo projeto às queimadas?
R. O Manejo Ecológico de Pastagens, assim como a implantação de agroflorestas são atividades que em sua essência são contrárias à utilização do fogo, desta forma todos o que participam do projeto passam a trabalhar sem usar o fogo e aprendem também uma nova tecnologia de produção.
Mobilizadores COEP – Como é a participação das comunidades e/ou agricultores no processo de implantação e desenvolvimento do projeto?
R. Desde o processo de elaboração do projeto, a comunidade esteve presente. O projeto iniciou com a elaboração de um diagnóstico nas comunidades, podendo assim identificar as potencialidades e as responsabilidades de cada um no projeto. Realizamos cursos de capacitação em manejo ecológico de pastagem e agrofloresta com os técnicos das entidades envolvidas no projeto. Na seqüência foram realizadas ações de capacitação teórico-praticas com as comunidades, especificadas anteriormente, onde participaram homens, mulheres e jovens. Os cursos foram, geralmente de 40 horas com acompanhamento técnico em campo aos produtores e cada produtor se responsabilizou pela implantação de seu projeto, como o apoio de um técnico do ICV, que faz o acompanhamento e presta assistência técnica. Eventualmente temos reuniões de avaliação e monitoramento do projeto que é realizada juntamente com os beneficiários.
Mobilizadores COEP – É possível replicar as alternativas às queimadas promovidas pelo projeto em outras regiões? Quais as limitações?
R. Sim é possível, não vejo limitações tão significantes, o que precisamos é encontrar pessoas e entidades dispostas e algum apoio financeiro.
Figura 1: Mapa de localização do Território Portal da Amazônia Fonte: Instituto Centro de Vida ? ICV, 2006.
Entrevistaconcedida à: Marize Schicanel Chicanel
Edição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Gostei muito da entrevista. Precisamos massificar o manejo sustentável das florestas. Só na prática é possível convencer as famílias que é possível produzir sem precisar de usar fogo, sem precisar degradar. Vivenciamos uma experiência semelhante com agricultores (as) familiares em áreas de asentamento no Cariri Paraibano, no Bioma Caatinga, os resultados foram gratificantes.
Excelente entrevista. A conscientização dos agricultores sobre as queimadas e sua ação sobre meio é um dos desafios para atingirmos o desenvovimento sustentável
Muito boa a entrevista. Pena que esse assunto não seja tratado nas escolas, que é onde começa a cidadania, a ética, a moral e os bons costumes. Pelo menos é pra ser na escola que tudo isso deve acontecer…