O Brasil é um dos poucos países da América Latina que não possui uma lei que regulamente a terceirização do trabalho, embora haja, em seu território, cerca de 10 milhões de trabalhadores nestas condições.
A prática ganhou impulso entre as empresas do país, a partir da década de 1990, sob a alegação de aumentar a produtividade e a qualidade, reduzir custos e angariar maior competitividade no mercado interno e externo.
A terceirização difundiu-se por toda parte e em diferentes funções/ocupações, inclusive em atividades consideradas essenciais dentro das empresas, como o setor de compensação de cheques em um banco. Junto com isso, disseminou-se a ideia de que salários menores e redução dos direitos sociais seriam soluções para substituir o desemprego.
No entanto, de acordo com a economista Marilane Teixeira, ao contrário do que é alardeado pelos setores conservadores, a terceirização não gera empregos, pois não é no mercado de trabalho que se encontram as soluções para o crescimento econômico, que impulsiona a criação de postos de trabalho. Na realidade, segundo ela, a prática contribui para agravar as desigualdades sociais, à medida que precariza as relações e trabalho, com reflexos diretos sobre os direitos dos trabalhadores.
Rede Mobilizadores – Em linhas gerais, o que caracteriza o trabalho terceirizado?
R.: É a prestação de serviços na qual a relação de emprego se dá entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços e não diretamente com o contratante dos serviços. Essa forma de contratar vem adquirindo novas expressões nas técnicas de gestão, apresentando-se no mundo do trabalho de distintas formas e, inclusive, de forma simulada através da contratação de redes de fornecedores com produção independente; da contratação de empresas especializadas de prestação de serviços de apoio; da alocação de trabalho temporário por meio de agências de emprego; da contratação de pessoas jurídicas e/ou autônomos para atividades essenciais; dos trabalhos a domicílio; pela via das cooperativas de trabalho; ou, ainda, mediante o deslocamento de parte da produção ou de setores desta para ex-empregados.
Rede Mobilizadores – Poderia traçar um breve histórico do processo de terceirização no Brasil? A partir de quando a prática ganhou força entre as empresas do país? Sob quais justificativas?
R.: Em 1974, a Lei 6.019/74, a chamada a ?Lei do Trabalho Temporário?, abriu as portas para a terceirização ao introduzir mecanismos legais para as empresas enfrentarem ?a competitividade do sistema econômico globalizado?, possibilitando-lhes contratar mão de obra qualificada a um menor custo e sem responsabilidade direta com os executores dessas atividades. Na década seguinte, em 1983, a Lei 7.102/83 estendeu para os serviços de vigilância essa contratação atípica.
Portanto, a prática de terceirar serviços remonta aos anos de 1970, mas foi a partir da década de 1990, que a economia e a atividade empresarial passaram por um processo significativo de desregulação. No seu bojo, houve enxugamento e desverticalização das estruturas organizacionais, com ênfase na terceirização que, cada vez mais, consolidou-se como uma das principais estratégias das empresas visando ao aumento da produtividade e da qualidade, à redução de custos e à maior competitividade no mercado interno e externo.
A terceirização expandiu-se, encadeando a abertura para uma série de outras formas atípicas de trabalho e rapidamente se generalizou, estendendo-se das atividades de asseio e conservação, alimentação, segurança e vigilância, para setores, até então, considerados estratégicos nas empresas. Em casos extremos, há empresas que terceirizam todas as suas unidades produtivas, só mantendo a marca como foco do negócio. Nesse contexto, se difundiu uma ideia de que salários menores e redução dos direitos sociais eram as soluções para substituir o desemprego.
As empresas alegam que só terceirizam com o intuito de buscar no mercado empresas especializadas e em atividades secundárias ou de apoio. Na prática, não é isso que acontece porque a terceirização está em toda parte e em diferentes funções/ocupações, inclusive em atividades consideradas essenciais dentro das empresas, como o setor de compensação de cheques em um banco. Sem dúvida, a principal motivação é redução de custos.
Pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2008, indicava que 91% das empresas que terceirizavam consideravam a alternativa importante para reduzir custos e aumentar a competitividade. Predomina, em parte do setor empresarial, uma mentalidade de que a competitividade deve ser alcançada através da redução dos custos do trabalho por meio da redução de direitos. Identificamos essa prática como padrão de competitividade espúria.
Rede Mobilizadores – Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em dezembro de 2011, revelou que uma das principais preocupações da população brasileira é o desemprego. Neste sentido, a terceirização pode ser vista como um vetor de fomento à geração de emprego no país?
R.: Não, porque o mercado de trabalho reflete o dinamismo econômico. Apenas com o crescimento econômico se pode falar em geração de postos de trabalho. Todas as tentativas de flexibilização do trabalho nos anos de 1990 não foram capazes de gerar postos de trabalho na mesma proporção que nos últimos 8 anos. Entre 1995 e 2002, a média de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 2,3%, e foram gerados 5.016 milhões de postos de trabalho.
Entre 2003 e 2010, o crescimento médio anual foi de 4,0% e foram gerados 15.835 milhões de postos de trabalho. Nesse último período, o PIB dobrou, e os postos de trabalho triplicaram. Na comparação para o mesmo período, o PIB per capita cresceu 3,7% e 25,0%, respectivamente.
Recentemente, o Jornal Valor Econômico publicou um artigo de Marcio Pochmann, presidente do Ipea, com dados muito significativos em relação ao emprego gerado pelas empresas terceiras. ?No início da década de 1990 os empregos terceirizados representavam 10% dos postos gerados, no final da década esse percentual passa para 90%com salários equivalentes à metade do recebido pelo trabalhador não terceiro. Esse avanço da terceirização não implicou em redução da taxa total de desemprego de 8,7% em 1989 para 19,3% em 1999? (Jornal Valor Econômico).
Ao contrário do que é propagandeado pelos setores conservadores, a terceirização não gera (nem pode gerar) empregos, na medida em que não é no mercado de trabalho que se encontram as soluções para o crescimento econômico que impulsiona a criação de postos de trabalho. É equivocado o discurso a respeito da necessidade da terceirização para a alocação de mão de obra especializada tecnicamente, tão ou mais subordinada estruturalmente ao controle empresarial da tomadora de serviços. Além disso, a terceirização cria uma falsa ideia de que na venda da força de trabalho a outrem não há subordinação, como se não houvesse um deslocamento da exploração, com trabalhadores subordinados passando à estranha condição de empreendedores, empresários, parceiros, etc..
O que se percebe é que a terceirização, de fato, diminui o número de postos de trabalho na economia, porque os trabalhadores subcontratados são obrigados a realizar jornadas de trabalho mais longas, estreitando as contratações no conjunto do mercado de trabalho.
Rede Mobilizadores – É possível estimar a quantidade de empresas que terceirizam o trabalho hoje no país? Há predominância da prática em algum setor?
R.: As estatísticas oficiais dificultam a identificação de setores tipicamente terceirizados. Uma determinada empresa é enquadrada, pela Classificação Nacional de Atividades econômicas (CNAE), de acordo com a atividade econômica preponderante. Agora se ela presta serviços, se é fornecedora ou apenas opera com intermediação de mão de obra, é difícil identificar.
Além disso, a contratação de prestadoras de serviços pode servir para inúmeras finalidades, desde trabalho por obra certa ou empreitada, em que há uma previsão de conclusão do contrato de prestação de serviços, até atividades de caráter permanente.
O que se busca são algumas aproximações através dos dados disponíveis. Recentemente a subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) da Central Única de Trabalhadores (CUT) nacional publicou dados relativos ao cruzamento de informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese e Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). O resultado indica que 25% dos trabalhadores formais estão em atividades terceirizadas, e sua remuneração média é 27% inferior a de um trabalhador de setores tipicamente contratantes. Traduzidos em números, os trabalhadores terceirizados são aproximadamente 10 milhões.
Embora a predominância ocorra em atividades de limpeza e conservação, vigilância e segurança, também está presente em desenvolvimento de software, jurídico, alimentação, recursos humanos, processamento de dados, serviços gerais, telemarketing, manutenção mecânica e elétrica, expedição, controle de estoques, logística e distribuição, produção, contabilidade, marketing, entre outras.
Rede Mobilizadores – É possível terceirizar qualquer tipo de atividade?
R.: Não, porque o Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho define que a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário, na contratação de serviços de vigilância, de conservação e limpeza, bem como na de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Além disso, o não-cumprimento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.
No entanto, a contratação de empresas prestadoras de serviços ou de fornecimento de mão de obra disseminou-se no Brasil. Essa prática envolve todos os segmentos econômicos e se manifesta em diferentes formas de contratação. As empresas alegam que o Enunciado 331 está ultrapassado porque proíbe a terceirização em atividades fim da empresa.
Rede Mobilizadores – Quais as principais implicações da terceirização do trabalho?
R.: As principais implicações são: a precarização das condições de trabalho, expressa nas situações de riscos, no número de acidentes e adoecimentos, bem como nos baixos níveis salariais, maiores jornadas de trabalho, maior rotatividade, desrespeito às normas de saúde e segurança, bem como no índice de inadimplência dos direitos trabalhistas. Uma precarização atestada pelos depoimentos dos sindicatos, das centrais sindicais, dos estudiosos do mundo do trabalho e, especialmente, pelos trabalhadores, vítimas desse processo.
No plano subjetivo, os trabalhadores, tanto terceirizados, quanto diretamente contratados, sofrem com os empecilhos à criação de identidades coletivas nos locais de trabalho. Os subcontratados, em especial, têm dificuldades para construir laços de pertencimento nos espaços onde passam a maior parte da vida e onde têm sido discriminados e tratados como de ?segunda categoria?. A regulamentação das relações de trabalho no nosso país, por conseguinte, se enfraquece com a fragilização da capacidade de organização coletiva dos trabalhadores e de seus sindicatos.
Rede Mobilizadores – Na sua opinião, a terceirização pode contribuir para o agravamento das desigualdades sociais no país?
R.: Sim, porque consolida duas categorias de trabalhadores: os que estão protegidos por um contrato de trabalho formal, por tempo indeterminado com direitos e benefícios, e os trabalhadores terceiros, que recebem menores remunerações, a maioria, com contratos por prazo determinado, vivem permanentemente sob o risco do desemprego, não têm acesso aos mesmos benefícios dos efetivos, sem perspectivas de progressão na carreira e sem investimentos em qualificação profissional.
Rede Mobilizadores – O Brasil possui alguma regulamentação para proteger o trabalhador terceirizado? Quais as propostas neste sentido?
R.: O Brasil é um dos poucos países da América latina em que não há lei que regulamente a terceirização, mas apenas um enunciado. Na maioria dos países da América Latina, a responsabilidade solidária está garantida e, em outros, como o Equador, o governo deu um fim à terceirização por decreto.
No ordenamento jurídico brasileiro não há uma regulamentação específica para a terceirização. O que se tem são algumas leis que introduziram a figura da relação trilateral legítima, alguns projetos de lei em andamento e os entendimentos jurisprudenciais incorporados por Súmulas do TST, como o Enunciado 331.
No campo do legislativo, há o projeto de lei de autoria do deputado federal Vicentinho que impõe limites à terceirização. No inicio de 2010, as Centrais Sindicais elaboraram um projeto de iniciativa do Executivo que estabelece a responsabilidade solidária, a igualdade de direitos e salários entre efetivos e terceiros, e a proibição da terceirização em atividades fins. Esse projeto está na Casa Civil. Enquanto isso, existe uma grande pressão no Congresso Nacional pela aprovação de um projeto de autoria do deputado Sandro Mabel e, mais recentemente, entrou em discussão o projeto substitutivo do deputado Roberto Santiago, que, nos mesmos termos do projeto do deputado Sandro Mabel, libera a terceirização para todas as atividades da empresa.
Recentemente, se constituiu um fórum em defesa dos trabalhadores afetados pela terceirização que reúne centrais sindicais, acadêmicos e entidades da sociedade civil. As iniciativas são no sentido de impedir a aprovação do substitutivo do deputado Roberto Santiago, que conta com o apoio de setores conservadores e do próprio deputado Sandro Mabel e pressionar a Casa Civil para encaminhar o projeto elaborado pelas Centrais Sindicais.
Rede Mobilizadores – Uma prática que também vem ganhando espaço no país é a chamada quarteirização do trabalho? Em que consiste e quais seus principais objetivos?
R.: O fenômeno da terceirização da terceirização é quando uma empresa terceirizada subcontrata outras, e o da quarteirização, com a contratação de uma empresa com função específica de gerir contratos com as terceiras, modalidade adotada por grandes empresas como a Petrobras.
Rede Mobilizadores – De que forma a sociedade pode exercer o controle social destas práticas e estimular a formulação de políticas públicas voltadas ao trabalhador?
R.: No que se refere à terceirização, através da aprovação de um projeto que proíba essa prática nas atividades permanentemente necessárias à tomadora; que assegure a responsabilidade solidária das empresas envolvidas na terceirização, tanto no setor privado quanto no público; que garanta plena igualdade de direitos e condições de trabalho entre empregados diretamente contratados e trabalhadores terceirizados, com inclusão de mecanismos que impossibilitem a fraude a direitos; que assegure a prevalência da norma mais favorável entre os instrumentos coletivos de trabalho que incidam sobre uma mesma empresa, e que assegure a representação sindical pelo sindicato preponderante.
Entrevista do Grupo Geração de Trabalho e RendaConcedida à: Renata OlivieriEditada por: Eliane Araujo