A cada ano que passa, a magnitude dos eventos climáticos extremos vem aumentando, e o Brasil começa a se dar conta de que investir na redução de riscos de desastres é uma necessidade premente. Assim, como nos programas de promoção do desenvolvimento local, as ações em emergências devem ser realizadas em parceria com governos e organizações locais, a defesa civil e com as próprias pessoas impactadas.A Care Brasil, ONG que atua no combate à pobreza e em situações de emergência, faz um trabalho em diversas regiões do país para fortalecer as comunidades atingidas por desastres naturais, auxiliando a retomada das atividades produtivas de pequenos empreendedores, com especial atenção às mulheres; e fortalecendo a população com o intuito de prepará-la para enfrentar futuras emergências, prevenir riscos de desastres e aumentar sua resiliência.Daphne Sorensen, coordenadora regional da Care, no programa ?Somando Forças com a Região Serrana?, explica como é o trabalho de reconstrução das áreas atingidas pelas chuvas e também o processo de transformação social, que visa, principalmente, à reestruturação familiar e à prevenção e redução de riscos de desastres.
Rede Mobilizadores – Desde quando a Care trabalha com situações de emergência e como é realizado esse trabalho? Que tipo de atividades envolve e em que localidades? R.: A Care Brasil é integrante da rede da Care Internacional (CI), que atua em emergências há mais de 65 anos. Só em 2010, por exemplo, a resposta a emergências e os projetos de recuperação da CI alcançaram mais de 4,5 milhões de pessoas em 37 países.Em 2010, a Care Brasil também passou a atuar no contexto de emergências: realizou campanhas de mobilização de recursos para apoiar o trabalho da CI no Haiti e no Chile e, depois das chuvas que atingiram o estado do Rio de Janeiro em abril do mesmo ano, iniciou uma frente de trabalho no município de São Gonçalo. Em janeiro de 2011, tempestades atingiram novamente o estado do Rio, desta vez, na Região Serrana, onde também estamos trabalhando para auxiliar as vítimas do desastre. Além da ajuda humanitária e da distribuição de itens de primeira necessidade, nos comprometemos com ações de médio e longo prazo a fim de apoiar a adaptação de comunidades vulneráveis às mudanças climáticas. A Care auxilia a retomada das atividades produtivas de pequenos empreendedores, com especial atenção às mulheres; e fortalece a população com o intuito de prepará-la para enfrentar futuras emergências, prevenir riscos de desastres e aumentar sua resiliência. Assim como nos programas de promoção do desenvolvimento local, as ações da Care em emergências são sempre realizadas em parceria com o governo local, defesa civil, organizações locais e com as próprias pessoas impactadas.
Rede Mobilizadores – Como avalia o trabalho que vem sendo feito pelo poder público no Brasil para prevenção de desastres? O que é necessário para aprimorá-lo e aumentar sua amplitude?R.: O poder público está acordando para a necessidade de políticas voltadas para a prevenção. A cada ano que passa, a magnitude dos eventos climáticos vem aumentando. O Brasil não pode se dar o luxo de fechar os olhos, pois somos, sim, um país com riscos. O discurso político está começando a incorporar esta nova visão, mas ainda temos muito que fazer. Por exemplo, Redução de Riscos de Desastres (RRD) ainda é visto como algo relacionado à infraestrutura ou coisas técnicas que podem ser construídas ? encostas, pontes, muros ? ou instaladas, tal como sirenes. Mas, o melhor hardware do mundo não vai funcionar se não houver investimento em construção da capacidade humana. Por exemplo, o que adianta ter o melhor sistema de satélite e as mais modernas sirenes se, ao dispararem, a população não sabe para onde ir, nem como agir? É preciso investimento na criação dos Núcleos de Defesa Civil Comunitária (Nudecs), em campanhas de informação e sensibilização sobre prevenção, em elaboração de currículos escolares sobre RRD, e num maior entrosamento entre o poder público local, especialmente com a Defesa Civil, e a sociedade civil, justamente nas épocas ?seguras?, quando há tempo para elaborar planos de contingência, rotas de fuga e tantas outras atividades de prevenção e redução que são primordiais para quebrarmos, como sociedade, este ciclo vicioso que vivenciamos a cada ano.
Rede Mobilizadores – Qual a importância do desenvolvimento de ações de adaptação por parte das comunidades vulneráveis aos efeitos dos eventos climáticos extremos? O que a Care tem realizado nesse sentido?R.: É consenso, hoje, que populações de baixo índice de desenvolvimento humano, que já convivem com uma situação socioeconômica desfavorável, são as mais expostas aos impactos de eventos climáticos extremos.Compreendendo o papel estratégico que as mudanças climáticas exercem sobre a vida das comunidades pobres, acirrando suas condições de exclusão e impedindo o desenvolvimento local sustentável, a Care, pautada pelo conceito de justiça ambiental, implementa ações de adaptação e mitigação que privilegiam comunidades de periferias urbanas sem infraestrutura adequada de serviços, em áreas de ocupação desordenada, ribeirinhas e rurais. Na atuação com estes grupos, alguns dos resultados obtidos são:?Oito mil quilos de materiais entregues para reciclagem com implantação de coleta seletiva em instituições, como escolas, creches e associações de moradores nos municípios de Duque de Caxias (RJ) e Francisco Morato (SP).?Redução das emissões de gases de efeito estufa produzidos pelas fezes de caprinos e ovinos e revitalização de solo com biofertilizantes a partir da implantação de biodigestores em comunidades rurais e assentamentos de reforma agrária do município de Batalha (PI).?Mais de 10 mil crianças, adolescentes e jovens participantes de atividades de educação ambiental contextualizada em escolas públicas dos municípios de Francisco Morato (SP), Camamú (BA), Duque de Caxias (RJ) e Ilha Grande (PI), mobilizadas para ações de reflorestamento e implantação da coleta seletiva em escolas e creches públicas.?50 mil mudas de espécies de mata nativa produzidas para reflorestamento de 50 hectares de mata ciliar e apoio na averbação de reserva legal dos assentamentos de reforma agrária dos municípios de Camamu, Santa Luzia e Ilhéus, no sul da Bahia.?Mais de 50 mil pessoas inscritas no curso a distância sobre Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Local, promovido em parceria com o jornal O Povo, no Ceará.
Rede Mobilizadores – Qual a importância do trabalho focado nas mulheres em situações de emergência? E no pós-desastre o que é importante fazer em prol desse grupo populacional?R.: O principal foco do nosso trabalho é fortalecer mulheres e jovens, pois, quando equipados com os recursos adequados, são estes grupos que detêm o maior poder de transformar a si mesmos, suas famílias e comunidades inteiras. Ao mesmo tempo, as mulheres são, junto com crianças e idosos, geralmente o grupo mais vulnerável ? e desassistido ? numa situação de emergência. Focando nelas, especialmente no pós-desastre, criamos uma situação catalisadora, pois ao erguerem-se, elas acabam erguendo todos ao seu redor.
Rede Mobilizadores – O que é o projeto ?Somando Forças com a Região Serrana?? Qual seu objetivo?R.: É o projeto de resposta da Care na Região Serrana, que atuou na fase inicial (emergencial) e que continua, desde julho de 2011, na segunda fase através de duas vertentes: reestruturação familiar e prevenção e redução de riscos de desastres. Na primeira fase, de janeiro a julho de 2011, atingimos 10 mil beneficiados e alcançamos os seguintes resultados:?Distribuição de 1.300 kits de higiene e limpeza e 1.915 kits com roupas de cama e banho.?1.000 metros de lona para contenção de encostas doados para a prevenção de novos deslizamentos em Nova Friburgo.?Realização de oficinas de apoio psicossocial, ajuda humanitária, cidadania e políticas públicas para 1.900 pessoas.?Realização de seminário sobre o impacto das mudanças climáticas na Região Serrana com participação de 285 pessoas.O projeto ?Somando Forças com a Região Serrana? tem sido possível graças ao investimento de indivíduos e de empresas como Walmart, Vale, Bank of America, Merril Lynch, Kraft Foods, Vostu, Motorola, Levi Strauss, JPMorgan, HSBC, Pfizer, Pricewaterhouse Coopers, Dow, B.Braun, Machado Associados e Saint Paul?s School, que, em alguns casos, também mobilizaram seus colaboradores e clientes. O Departamento de Ajuda Humanitária da Comissão Europeia (European Commission Humanitarian Aid Department ? ECHO) também financia o nosso trabalho. Divulgam o trabalho da Care na Região Serrana: Accenture, Banco Santander, Cisco, Nike, Societé Generale, Votorantim Metais e Good Card Embratec. Rede Mobilizadores – O projeto atua em duas vertentes: reestruturação familiar e prevenção e redução de riscos de desastres. Poderia explicar como se dá esta atuação?R.: A vertente de Redução de Riscos de Desastres tem o objetivo de fortalecer a população com o intuito de prepará-la para enfrentar futuras emergências, prevenir riscos de desastres e aumentar sua resiliência. Envolve, entre outras atividades, a capacitação de lideranças, o apoio para a criação de Nudecs e o engajamento com a Defesa Civil para campanhas de redução de desastres. Já apoiamos a criação de dois Nudecs em Teresópolis ? nos bairros de Rosário e Perpétuo ? e estamos apoiando o processo de criação de outro em Nova Friburgo. Neste momento em que a Região Serrana enfrenta novamente uma situação de risco devido à época chuvosa, os Nudecs já estão atuando e desempenhando o seu o papel de apoiar a população e a Defesa Civil, auxiliar no monitoramento da quantidade de chuva nas comunidades, orientar a população atingida, organizar mutirões e mobilizar outras comunidades.Já a vertente de Reestruturação envolve ações de apoio na reestruturação das famílias, com especial foco nas mulheres. Este processo envolve o estabelecimento de parcerias com associações comunitárias, o cadastramento das famílias mais vulneráveis e a distribuição de kits variados, tais como Kit Reforma, Kit Lar e Kit Reposição Econômica ? este último para pequenos empreendedores reconstruírem seus negócios. Além de recuperar seus equipamentos de trabalho, os empreendedores da região passam por capacitações com o objetivo de melhorarem a gestão de seus negócios. Os kits estão sendo distribuídos em forma de cupons que são trocados por materiais de construção; utensílios e móveis; e equipamentos de trabalho em lojas com as quais a Care estabelece parcerias. Essa metodologia é inovadora porque evita o assistencialismo, promove o empoderamento das vítimas, que se sentem respeitadas podendo exercer seu poder de escolha de materiais e bens que ainda precisam, e estimula a economia local pelo fato de os recursos investidos circularem localmente. Para mais informação, ver:http://carebrasilemergencias.wordpress.com/2011/11/08/veja-a-reportagem-da-tv-zoom-de-nova-friburgo-sobre-o-trabalho-da-care/
Rede Mobilizadores – Como é a metodologia para a implantação do projeto e de que forma a iniciativa promove o empoderamento das famílias vítimas de desastres? R.: A missão da Care é ser um agente catalisador de processos de transformação social que gere soluções duradouras para a erradicação da pobreza. Aplicamos esta mesma abordagem ao implantar projetos de emergência, isto é, buscando parcerias com agentes locais e fortalecendo o protagonismo local. Por exemplo, ao pensar sobre como operacionalizar a distribuição dos kits Reforma, Lar e Reposição Econômica, procuramos as lideranças locais, tal como Associação de Moradores dos bairros mais afetados, e introduzimos a ideia de que eles, os líderes, facilitassem um processo de seleção em que os próprios beneficiados fossem os tomadores de decisão. Afinal, quem sabe melhor do que as próprias pessoas sobre suas realidades e necessidades? Da mesma forma, usamos a metodologia dos cupons, já explicada, para oferecer as pessoas beneficiadas o poder de escolha. Afinal, por que não deixar que cada um escolha o eletrodoméstico ou móvel que ainda precisa?Rede Mobilizadores – Como as comunidades atingidas reagem à implantação do projeto?R.: Com gratidão e dignidade. As pessoas foram vítimas, sim, mas não querem ser tratadas somente como uma estatística. Querem falar, contar e compartilhar suas perdas e também seus sonhos para um dia melhor. Foram inúmeras as vezes em que, ao escolher seus kits, as pessoas vinham nos mostrar fotos das suas casas debaixo d?água ou lavoura inundada.Rede Mobilizadores – O que é a campanha Construindo Cidades Resilientes, da ONU? Qual a relação entre o projeto e esta campanha? R.: O mundo está, cada vez mais, convivendo com eventos causados por consequência de mudanças climáticas ? tsunamis, vendavais, furacões, enchentes, etc. Além disso, o crescimento urbano não planejado, inclusive em áreas de risco, aumenta a vulnerabilidade das populações. Como forma de amenizar estes impactos, a Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD), das Nações Unidas, lançou a campanha ?Construindo Cidades Resilientes?.A redução de riscos urbanos, baseada em ações de Redução de Risco de Desastres (RRD), pode trazer consequências muito positivas para as cidades. Quando aplicada como parte de uma urbanização sustentável, as cidades resilientes reduzem a pobreza; incrementam a geração de empregos, a equidade social e as oportunidades comerciais; tornam os ecossistemas mais equilibrados; favorecem melhores políticas de saúde e educação. A campanha ?Construindo Cidades Resilientes? busca engajar líderes e influenciar gestores públicos locais para que implementem os ?Dez Passos Essenciais para Construção de Cidades Resilientes? em parceria com os atores locais, as organizações e redes da sociedade civil e as autoridades estaduais e federais.A campanha define ?Cidade Resiliente? como sendo aquela que tem capacidade de resistir, absorver e se recuperar de forma eficiente dos efeitos de um desastre e, de maneira organizada, prevenir que vidas e bens sejam perdidos. Entre as dez medidas estão: a criação de programas educativos e de capacitação em escolas e comunidades locais; o cumprimento de normas sobre construção e princípios para planejamento e uso do solo; investimentos em implantação e manutenção de infraestrutura que evitem inundações e o estabelecimento de mecanismos de organização e coordenação de ações com base na participação de comunidades e sociedade civil organizada. A Care Brasil veste a camisa desta campanha, não só por acreditar em todos os objetivos propostos por ela, mas também por concordar com sua abordagem, isto é, o engajamento de todos os atores locais ? poder público, sociedade civil, setor privado, etc. ? na busca de soluções duradouras para prevenção e redução de riscos de desastres.
Rede Mobilizadores – O que é o estudo Redução de Riscos e de Desastres (RRD), feito pela Care em parceria com o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)? Qual seu objetivo e como serão usados os resultados? R.: O Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres foi contratado pela Care em maio de 2011 para realizar um diagnóstico sobre RRD na Região Serrana. Seus resultados foram usados para fundamentar a segunda fase do nosso projeto e todos os desdobramentos que estamos implementando atualmente.Rede Mobilizadores – Qual a importância dos Núcleos Comunitários de Defesa Civil (Nudecs)? O que é preciso para criá-los e mantê-los atuantes? R.: Ter um Nudec em uma comunidade vulnerável é ter seus riscos mapeados, suas vulnerabilidades minimizadas, seus moradores conscientes dos riscos que produzem e como devem mitigá-los. Uma comunidade com Nudec é uma comunidade mais capaz de ser resiliente, que consegue minimizar os impactos das mudanças climáticas e se recuperar mais rapidamente. Os membros dos Nudecs são voluntários, geralmente moradores da própria comunidade que enxergam a necessidade de trabalhar a prevenção de riscos de desastres.Para criar um Nudec basta a reunião de moradores, voluntários, querendo tornar sua comunidade mais forte, em relação aos riscos e vulnerabilidades que ela tem. Há que se trabalhar os grupos e empoderá-los de modo a poderem resolver os conflitos que surgem, assim como atender às demandas dos moradores e suas expectativas. É preciso também um grupo que se comprometa em não só formar o núcleo, mas fazer manutenção, ou seja, dar apoio no sentido de estar presente nas reuniões do grupo, facilitar novas formações, dar ideias e apoiar no desenho de planos e atividades. A Care tem um compromisso com dois Nudecs em Teresópolis. Fizemos a formação em setembro do ano passado e desde então estamos presentes em quase todas as suas reuniões e ações. Estamos também investindo neles, com material e equipamento, e atividades de capacitação. Um Nudec atuante é um grupo capaz de articular parcerias e trabalhar com visão de sustentabilidade. Entendendo a sua importância para a comunidade e que sempre haverá fragilidades e fortalezas que precisam ser trabalhadas e aprimoradas.A propósito, a Care Brasil está em processo de sistematização do guia de formação que usamos em Teresópolis, para que outras instituições ? ONGs, associações, até mesmo Defesa Civil ? possam aproveitá-lo. Esperamos que este guia seja uma contribuição para a padronização de Nudecs em termos de qualidade e conhecimentos, de modo que núcleos em qualquer parte do país tenham a mesma ?base? de conhecimentos.
Rede Mobilizadores – Os próprios moradores podem construir mapas de riscos de suas comunidades? O que é preciso para isso? A partir desses mapas que tipo de trabalho pode ser desenvolvido?R.: Mapa de riscos é a forma mais realista de se identificarem os riscos que há nas comunidades. Através deles, os moradores podem fazer parte do processo de mitigação dos riscos. Um morador participativo na construção dos seus mapas é um morador mais capaz de atuar na prevenção e melhorar sua comunidade. Qualquer morador pode participar da construção de um mapa de risco, desde que conheça sua comunidade e saiba identificar as vulnerabilidades que há nela.Através dos mapas dos riscos os moradores conseguem realizar ações mais efetivas, como campanhas sobre deslizamento, desmatamento, lixo e outras. Os moradores podem contribuir com a Defesa Civil na implantação de estratégias para redução de riscos de desastre, como é o caso do Sistema Alerta e Alarme, indicando para os parceiros os seus mapas e agregando ou mesmo sobrepondo aos mapas mais técnicos. Os mapas de risco elaborados pelos moradores são mapas do saber local, mapas com detalhes riquíssimos que complementam os levantamentos do poder público.—————-Entrevista para o Grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e PobrezaConcedida à: Flávia MachadoRevisada por: Renata Olivieri.