José Arthur Rocha, integrante da ong Florescer – Sociedade de Amigos para Reflorestamentos, conta sobre o trabalho de reflorestamento que vem desenvolvendo no morro São João, no Rio de Janeiro, com o uso de uma técnica bioartesanal desenvolvida por integrantes da organização. Os principais diferenciais da técnica são a retirada total do capim-colonião ? gramínea invasora responsável pela maior parte dos incêndios nas matas da cidade – e a utilização da matéria orgânica como adubo para reintrodução da floresta Ele fala também das principais dificuldades enfrentadas, sobre o viveiro de mudas implantado na área de reflorestamento e a respeito do trabalho de educação ambiental que promovem com escolas.
Mobilizadores COEP ? Você desenvolve trabalhos de reflorestamento há 17 anos.Quais os principais problemas enfrentados nesse trabalho?R. O principal deles é o capim-colonião (Panicum-maximum), uma gramínea rústica, resistente a intempéries e de alto poder destrutivo, uma vez que produz muita palha, fazendo com que, em casos de incêndio, o fogo se propague com velocidade. Esse é um dos mais sérios problemas ambientais no Rio de Janeiro, já que qualquer área degradada de floresta sempre está ameaçada pela rápida dispersão do capim colonião. Segundo dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, em 2000, a quinta parte do relevo estadual já havia sido tomada por essa gramínea oportunista. Incêndios em áreas reflorestadas deixam estragos, às vezes, irreversíveis, obrigando os reflorestadores a reiniciar todo o trabalho. Enfrentamos também problemas como incêndios criminosos ou decorrentes da queda de balões. Na luta para vencer a competição desleal com o colonião em áreas de encostas da cidade é necessário recorrer a árvores de crescimento rápido e igualmente rústicas para fazer frente à regeneração da gramínea. Inicialmente, produz-se uma floresta rústica para, no futuro, enriquecê-la com espécies mais nobres.
Mobilizadores COEP – O que é a técnica bioartesanal e quais as vantagens dela em relação a outras técnicas de reflorestamento? Onde ela está sendo implantada atualmente?
R. A técnica bioartesanal é uma metodologia que envolve práticas de campo comuns na agricultura orgânica, como reciclagem e adubação verde. Seus principais diferenciais são a retirada total do capim-colonião, por meio de capina, e a utilização da matéria orgânica como adubo para reintrodução da floresta. Como a gramínea é a principal ameaça ao reflorestamento, sua utilização como matéria-prima reduz a probabilidade de incêndios, facilitando o crescimento da floresta. Os métodos convencionais de reflorestamento toleram a permanência de territórios da gramínea até que a nova floresta se consolide e iniba o crescimento do capim pelo sombreamento. O manejo bioartesanal complementa as técnicas tradicionais, ao tentar extirpar a incidência do capim-colonião a partir da implantação das mudas. Essa técnica foi desenvolvida pela equipe da ong Florescer – Sociedade de Amigos para Reflorestamentos ao longo de um trabalho de campo que começamos a implantar no morro São João, em Botafogo, em 1990. No ano seguinte, apresentamos nossa técnica à Fundação Instituto Estadual de Florestas (IEF), a quem cabia a gestão do morro, que, após uma apreciação, nos concedeu um parecer favorável para aprofundarmos nossas pesquisas de combate à gramínea. Atualmente, continuamos atuando no morro São João e estamos convidando a Secretaria Municipal de Meio Ambiente a acompanhar, com visitas de observação técnica, todas as etapas de implantação e manutenção de reflorestamento com o uso da técnica bioartesanal.
Mobilizadores COEP ? O que o motivou a realizar esse trabalho voluntário? Quais são as principais dificuldades? Há muitas pessoas dispostas a serem voluntárias em projetos de reflorestamento?
R. A iniciativa foi influenciada, em parte, pelo deleite que tinha na infância de apreciar com meus irmãos, da janela de nossa casa, a dança do capim-colonião ao sabor dos ventos no morro São João. Mais velho, um dia descobri que aquela gramínea dançante representava ameaça à floresta e decidi reflorestar o morro São João! Chamei meu irmão e um amigo e fomos conhecer a área. Dali por diante, iniciamos um trabalho que prosperou com o engajamento de outros amigos, entre os quais destaco Pedro Afonso e Marcelo Pires, e de moradores de um condomínio próximo. Enfrentamos muitas dificuldades, especialmente a falta de recursos, e também de pessoas capacitadas nas especificidades do nosso manejo, além de barreiras geográficas, já que reflorestamos duas áreas de costões rochosos, onde substituímos a gramínea por floresta com ajuda de equipamentos e técnicas de alpinismo. Essas são barreiras que enfrentamos constantemente e que temos de ultrapassar para seguirmos em frente. Apesar de existirem pessoas interessadas em trabalhar em reflorestamentos, é difícil encontrar voluntários qualificados para encarar pedreiras, por exemplo, trabalho braçal mais pesado do reflorestamento. Hoje, contamos com a colaboração de cinco voluntários.
Morro de Sâo João em 1990, antes do início do reflorestamento, e hoje.Mobilizadores COEP ? Como é viabilizado financeiramente o projeto de reflorestamento no Morro São João?
R. Temos recebido diversos apoios, como pequenas contribuições em dinheiro de simpatizantes; doações de insumos agrícolas e de mudas. Desde o início, os moradores do condomínio Morada do Sol, próximo ao reflorestamento, nos apóia. Primeiro, com acesso ao morro e fornecimento de água e luz, e, a partir de 1996, com doações mensais de um real de 90% dos 700 apartamentos. Em 2001, essa doação passou para dois reais, valor que perdura até hoje. Essa verba é fundamental para cobrir os gastos que temos na expansão e manutenção dos cinco hectares de floresta que implantamos no morro São João. Tivemos também o apoio institucional da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), entre 1991 e 1994, que nos cedeu três funcionários para o trabalho de campo, e a ajuda logística de soldados do Exército em dias de eventos de plantio de mudas com crianças da comunidade. Essas iniciativas são fundamentais na sustentação de nosso trabalho. Nossa iniciativa despertou o interesse de três estudantes universitários que fizeram suas monografias de final de curso sobre o projeto. Esses trabalhos têm nos ajudado a documentar e criar um histórico de nossa iniciativa.
Mobilizadores COEP ? Além do reflorestamento, que outras atividades vocês desenvolvem?
R.Na área de reflorestamento mantemos um viveiro de produção de mudas para o replantio, que foi construído com verba doada pela Fundação Unibanco, em 1998. O viveiro produz mudas de espécies pioneiras, coletadas nas bordas da floresta remanescente do morro, para povoar os primeiros patamares do reflorestamento. Em 1999, começamos a promover também atividades de educação ambiental, levando crianças de colégios municipais próximos e alunos do colégio Cruzeiro, do bairro de Jacarepaguá, a vivenciarem oficinas sobre as etapas de produção de mudas dentro do viveiro. Entre 2000 e 2003 ganhamos três prêmios da Firjan, na categoria parceria ONG e iniciativa privada. Nesse período, a Florescer, em parceria com a empresa Tropflora, que nos doou insumos agrícolas e técnicos, utilizou o viveiro como uma escola de ecologia. Atualmente, o viveiro passa por uma reforma para que possamos receber estudantes e armazenar as mudas produzidas de maneira mais adequada.
Mobilizadores COEP O que pessoas que moram próximo a áreas verdes degradas podem fazer para recuperar esses locais? Que espécies arbóreas são mais indicadas para reflorestamentos? Por quê?
R. O caminho mais eficaz é procurar a Associação de Moradores de seu bairro para que possa, junto a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, incluir a área degradada em projetos de reflorestamento da cidade. Por experiência própria, acho que trabalhos voluntários devem ser executados em parceria com entidades inseridas no contexto do reflorestamento da cidade. De outra forma, o entusiasmo pelo plantio das mudas de árvores acaba sendo minado pela falta de manutenções das áreas plantadas. Em localidades dominadas por capim-colonião, se não houver manutenção, após seis meses de plantio, as espécies reflorestadas fatalmente serão engolidas pela gramínea, que atinge até três metros de altura nesse período. As espécies mais indicadas para dar início a reflorestamentos são arvoredos e arbustos resistentes às intempéries, que produzem muita folhagem e sombreamento, como quaresmeira, fumo-bravo, assa-peixe, fedegoso e espécies leguminosas, que favorecem a propulsão dasplantas que precisam de sombreamento para se desenvolverem. Mas é necessário olhar as características ambientais e geográficas para selecionar asmudas mais adequadas.
Mobilizadores COEP – O que favorece incêndios em matas e como se deve proceder nesses casos? O que é possível fazer para evitar que aconteçam?
R. Balões são o principal vilão da destruição de florestas e de trabalhos de reflorestamento. Incêndios criminosos nos períodos de estiagem também figuram como fator preocupante de destruição das matas. É fundamental maior conscientização da população por meio de educação ambiental para que evitem soltar balões e atear fogo próximo a áreas de floresta. Em casos de incêndio, é preciso chamar o Corpo de Bombeiros o mais rapidamente possível, dando indicações de como acessar o local em menor tempo.
Mobilizadores COEP ? Vocês têm um projeto para chamar a atenção dos moradores e dos turistas que estarão na cidade durante os Jogos Pan-americanos. Que projeto é esse?
R. Em1992, desenhamos, como próprio capim-colonião, uma carinha sorridente de dezoitos metros de diâmetro no alto do morro São João, para homenagear a Conferência ECO 92 e chamar a atenção da comunidade para nossa iniciativa voluntária. Em 1994, a carinha ainda continuava a sorrir e a floresta crescia a sua volta. Por fim, a carinha sorridente desapareceu dentro da floresta. Agora, estamos estudando a possibilidade de fazer uma homenagem ao PAN-RIO 2007, desenhando novamente a carinha sorridente em algum morro de boa visibilidade na cidade, que tenha áreas infestadas pelo capim-colonião, como é o caso do morro São João. A idéia é fazer a cidade sorrir no período em que seremos a capital sul-americana dos esportes e, ao mesmo tempo, conclamar o carioca e os turistas para que observem as iniciativas de preservação do que resta de Mata Atlântica nas encostas de nossa cidade e contribuam para expandir esse trabalho.
A carinha sorridente construída no morro S. João com capim-coloniãoEntrevistaconcedida à: Eliane AraujoEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários . O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Que bela iniciativa. Parabéns pelo projeto e espero que ações deste tipo não parem nunca.
Um abraço,
Andréa
Agradeço a opinião e estímulo de todos aqueles que comentaram essa entrevista.
Meu endereço eletrônico é j.florescer@terra.com.br.
Atenciosamente,
José Arthur.
Conheço o trabalho e um dos mais ativos participantes do Projeto, Pedro Afonso Mendoça Lima. Se exemplos como esses fossem seguidos, nao teriamos mais problemas com desmatamento.
Parabéns pela entrevista e pelo projeto!!!
Parabens pelo projeto, sao acoes como essa que deveriam ser implantada nessa regiao de Angra dos Reis e Paraty
Gostei demais da entrevista. ” A iniciativa foi influenciada, em parte, pelo deleite que tinha na infância de apreciar com meus irmãos, da janela de nossa casa,….” desejo que muitas crianças possam se deleitar de belas visões em família , para transformá-las em inicitivas tão felizes quanto a de José Arthur.
Abraço
Marcia
Parabens pela iniciativa, quando nós observamos as condições em que se encontrava a paisagem do Morro São João antes do inicio desse maravilhoso trabalho de recuperação da floresta, e vendo como essas áreas se encontra hoje em dia, eu so tenho a lhe agradecer pela a ação de grande importância para a sobrevivência do planeta.
Parabéns a todos os envolvidos com o belo trabalho. Vejo que as dificuldades enfrentadas por quem deseja fazer trabalhos voluntarios são mais ou menos comuns: Falta de recurso para tocar a iniciativa e principalmente para a “manutenção” dos resultados obtidos. è um trabalho de “formiguinha” mas que com toda a certeza vale a pena.