O Grupo Turismo e Desenvolvimento Social, do Mobilizadores COEP, tem como patrono o economista Carlos Lessa. Professor titular do Instituto de Economia da UFRJ, ele ocupou, até novembro de 2004, a presidência do BNDES, onde incentivou estudos para o desenvolvimento de um plano piloto para a promoção do turismo popular. Atualmente, além de suas atividades acadêmicas, assina coluna mensal no Jornal do Brasil, na qual aborda temas econômicos, sociais e do cotidiano. Em seu artigo de estréia, comentou o projeto para o desenvolvimento sustentável da Ilha Grande, na região Sul Fluminense.
Nesta entrevista ao Mobilizadores COEP, Lessa fala sobre a necessidade de se oferecer alternativas de turismo às populações de baixa renda; as formas de integrar as populações residentes em locais de turismo com a oferta de serviços turísticos que possibilitem a essas localidade se desenvolverem, e também sobre a mística da violência que afeta cidades como o Rio de Janeiro e que é criada, no caso carioca, a partir de problemas relacionados à permissividade da sociedade em relação ao comércio e consumo de drogas.
Mobilizadores – No seu entender quais seriam questões fundamentais ou relevantes para serem tratadas num fórum sobre turismo e desenvolvimento social?
Creio que são dois temas com um espectro, um desdobramento sobre campos de conhecimento muito amplos e questões muito variadas. E entre os dois temas existem óbvias superposições. De que maneira, o processo de turismo afeta as organizações sociais das regiões receptoras? De que maneira a atividade turística organiza ou reorganiza as zonas de prestação de serviços de apoio a ela? Qual é a estrutura de atividades que emana da atividade turística?Eu suponho que, ao subdividir o turismo nas suas variedades ? turismo de ponta, de massa, excursões etc ? vão-se gerando implicações diferenciadas. Creio que seria um exercício muito interessante estudar as variadas configurações que podem surgir nos locais receptores a partir das diversas correntes e tipos de turismo.
Mobilizadores – O Sr. ocupou a Presidência do BNDES até recentemente. Seria possível, a partir deste referencial, avaliar a Política Nacional de Turismo na perspectiva de contribuir para o desenvolvimento social, ou mesmo esboçar a idéia de política de turismo que tivesse esta preocupação com uma de suas propostas?
Creio que a política nacional de turismo, no seu formato geral, é correta. Porém, tenho a preocupação associada de que a qualidade de vida das populações depende também da variedade das ofertas de turismo interno que um país propicia. De novo, se nós examinarmos essas ofertas, descobriremos que existem aquelas que só são acessíveis a uma elite, e existem alternativas que podem ser disputadas pelos grupos de média renda. Para o povão, as alternativas de turismo são muito escassas e muito modestas. Quero crer que a construção da civilização brasileira deveria propiciar às camadas populares alternativas de turismo interno interessantes, estimulantes, criativas e relaxantes. Muito nessa visão e pensando que é possível, a partir da seleção neste grupo de algo de forte interesse popular, desenvolver articulações que dêem em um jogo interativo entre as populações residentes nos locais de turismo, prestadores de serviços de apoio à atividade turística e o desenvolvimento como alternativa para melhorar a qualidade de vida do povo, principalmente do povo metropolitano – que vive normalmente em condições muito precárias. Assim, a janela de um turismo de baixo custo seria extremamente estimulante. Por esta razão, desde o início na presidência do BNDES procuramos desenvolver a idéia de estudar um plano piloto, em uma determinada região que pudesse servir de suporte. E a Ilha Grande nos pareceu, por todas as características, um local especial para fazer o teste de um esquema de desenvolvimento sistêmico das possibilidades de turismo popular com preservação ambiental e com um jogo interativo com a população local. A Luiza (Rosângela da Silva – Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ) desenvolveu uma tese sobre turismo e inclusão social ? de um turismo de inclusão social – e nós estamos tentando desenvolver um programa integrado para a Ilha que corresponda a este conceito.
Mobilizadores – Seus últimos livros, Auto-estima e Desenvolvimento Social (2002) e O Rio de todos os Brasis ? uma reflexão em busca da auto-estima (2000), abordam a auto-estima e a identidade nacional como questões fundamentais para o desenvolvimento social, e, a partir da história e da realidade do Rio de Janeiro, reflete sobre o Brasil de hoje e de um futuro possível. No momento, mas isso é recorrente, a violência é o tema pelo qual a imagem do Rio é veiculada nos jornais daqui e do mundo. Esse não é o único problema que temos, é um dos mais graves e o de maior destaque atualmente. Diante disso, quais deveriam ser as prioridades e diretrizes de uma política de turismo para o Rio de Janeiro, cidade que a seu ver é. no imaginário popular nacional, ?espelho da nação como futuro feito presente??
Essa questão da violência urbana tem variadíssimas implicações e quero crer que a cidade do Rio de Janeiro tem sido, objetivamente, problematizada por ela. Tem sido extremamente vinculada à imagem do Rio e veiculada essa configuração violenta. Quase que subliminarmente se passa a imagem de que o Rio é habitado por uma população que é propensa ou permissiva quanto à violência. Quero dizer, primeiramente, que grande exorcismo devia ser feito ao se afirmar exatamente o contrário: dizer que as festas no Rio são festas onde a violência é nula e o paradigma disso são grandes reveillons ? só Copacabana reúne uns três milhões de pessoas – e ficam-se horas nessas praias, cultivando os mais variados ritos religiosos, bebendo cerveja e outras bebidas, famílias cantando e não há violência nenhuma. Eu até diria que o símbolo de violência no Rio é praça vazia, não é praça cheia, porque com a praça cheia não tem violência. Agora, essa questão da violência que está assumindo características absolutamente assustadoras me lembra muito uma espécie de dialética de armamento: a cada procedimento que se move contra a violência, a violência inventa um novo procedimento para superá-lo. Parece uma espécie de corrida, onde há um componente que não consigo retirar de pauta, que é a permissividade do asfalto com o consumo de drogas. O fato de existir esse grande mercado consumidor de drogas, e de haver uma espécie de consentimento social pelo consumo, permite que, classificada como ilícita, a disputa em torno desta atividade dê origem a um processo de violência que, por reações em cadeia, por um encadeamento do tipo dominó, repercute por toda cidade. Por exemplo: é extremamente sabido que toda a vez que crescem as apreensões de tóxico aumentam os outros índices, como assalto a bancos, assalto à mão armada etc. para repor o capital necessário ao tráfico. Das duas, uma: ou a sociedade do asfalto pára de consumir drogas ou, se ela quer consumir, deve ser descriminalizada a droga e permitida a sua organização social normal. Realmente, ao invés da competição mercantil, se tem uma competição armada dos pontos de distribuição de droga que, pela sua natureza clandestina, ilegítima, gera esse tipo de postura militar, violenta. A polícia entra num jogo interativo por vezes extremamente obscuro com essa economia da droga, e esta é a matriz principal da violência.