Oprofessor Deusimar Freire Brasil, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, integrante do projeto Universidades Cidadãs do Programa Comunidades Semi-árido do COEP, fala sobre o trabalho desenvolvido nas comunidades atendidas pelo projeto. O professor ressalta a importância do Projeto para as comunidades envolvidas e os estudantes da UFRN e explica como universidades podem contribuir para o desenvolvimento econômico e sociocultural de comunidades de baixa renda. Deusimar descreve ainda características, modo de atuação e impactos de projetos que desenvolve em comunidades rurais do Rio Grande do Norte.Mobilizadores COEP – O senhor trabalha em diversas comunidades rurais no Rio Grande do Norte, algumas delas em parceria com o COEP por meio do projeto Universidades Cidadãs. O que o motivou a desenvolver atividades produtivas e culturais nessas localidades? R. A partir de 2008, a parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com o COEP ocorre em comunidades rurais localizadas em duas regiões do estado. Na região Agreste, além das comunidades José Rodrigues Sobrinho, em Nova Cruz, Tanques, em Santo Antônio, Jacu-mirim de Cima, em Serrinha, Mandacaru, em Lagoa de Pedra, e Limoal, em Goianinha, estamos atuando em outras duas: Araçá II e Recanto II, respectivamente nos municípios de Vera Cruz e Lagoa Salgada.Na região do Mato Grande, que fica no noroeste de Natal, a ação conjunta UFRN-COEP começou em 2007 nos assentamentos Canudos e Aracati, localizados nos municípios de Ceará-mirim e Touros. Em Canudos foi instalado um telecentro através de parceria com o programa Governo Eletrônico ? Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), do Ministério das Comunicações. Em 2008, outras três comunidades, também localizadas em Mato Grande, estão aderindo ao Programa Comunidades Semi-Árido: Modelo I e Modelo II, localizadas no município de João Câmara, e Bebida Velha, que fica em Pureza. Portanto, a rigor, a parceria entre a universidade e o COEP está ampliada para 12 comunidades rurais no Rio Grande do Norte. Nossa atuação nessas localidades tem motivação variada. Destacamos inicialmente a oportunidade de contribuir para melhorar a qualidade de vida dos moradores e, por conseguinte, ampliar os esforços feitos para promover uma melhor condição de vida, contribuindo para a redução das desigualdades socioeconômicas em nosso país. Outro motivo está ligado ao nosso exercício profissional de educador, especificamente professor do ensino superior. A participação ativa de nossos estudantes em ações de extensão universitária tem grande contribuição para melhoria da formação universitária dos novos profissionais. Desde 2004, tem ocorrido mais apoio governamental à extensão universitária, fato que além de potencializar a ação própria da universidade, ampliou as parcerias institucionais na implementação de políticas públicas. Foi nesse contexto que a UFRN estabeleceu a parceria com o COEP. O trabalho de extensão retro-alimenta a pesquisa e o ensino, possibilita melhor conhecimento da realidade, nos confronta com outros saberes e possibilita que a sociedade se aproprie da universidade, não necessariamente pelo ?gargalo? do vestibular. Ou seja, não falta motivo para atuarmos em projetos sociais, que possam ser campo de aplicação de conhecimentos diversos, construindo novos encaminhamentos para os gestores públicos.
Mobilizadores COEP ? Quais as principais características socioeconômicas das comunidades onde o senhor atua? O que, a seu ver, é fundamental para o desenvolvimento e emancipação das populações dessas localidades? R. O Brasil se utiliza de indicadores administrativos para definir o que é urbano e rural. Assim, urbano é o local servido de serviços públicos básicos, como educação, saúde, saneamento, segurança. Como contraponto, ao rural sobra a negação conceitual desses serviços públicos. De forma geral, posso afirmar que as comunidades rurais brasileiras têm que enfrentar, pra começo de conversa, esse problema conceitual. Segue-se a esta condição, a falta de oportunidade de geração de trabalho e renda, fato que afeta toda a população, mas, sobretudo, os jovens que ficam sem perspectiva de vida digna. O êxodo rural amplia-se e, em conseqüência, os problemas das cidades. O desenvolvimento e emancipação dos moradores das comunidades rurais têm grande dependência do oferecimento dos serviços públicos básicos, via conscientização e ponderação dos mesmos às políticas públicas. Entretanto, deve haver um processo participativo dos moradores em todos os esforços efetuados, pois, apesar do esforço acadêmico para desenvolver referencial teórico e metodologias participativas nos projetos e ações sociais, percebo que a participação ainda se dá mais na retórica do que na prática.Instituições governamentais e não-governamentais, técnicos e outros segmentos institucionais têm ainda impregnado um senso autoritário e de negação de participação em suas ações. Poucas instituições discutem abertamente com as comunidades o orçamento dos projetos que coordenam. As lideranças comunitárias do Mato Grande têm feito esta exigência aos seus parceiros.
Mobilizadores COEP ? Como a universidade pode contribuir para o desenvolvimento econômico e sociocultural de comunidades de baixa renda, especialmente na área rural de nosso país? R. A universidade forma futuros profissionais, gera conhecimento técnico-científico e possui, em certo aspecto, a pluralidade da sociedade. Nesse sentido, ela tem participação muito importante, mas não deve se ?encastelar? em seus muros. Quando se relacionar com a sociedade, a partir de projetos sociais, a universidade não deve exercer arrogância do tipo de conhecimento que domina e da importância de sua participação.Sempre digo aos meus estudantes: os moradores das comunidades rurais têm problemas, mas não estão esperando o ?mundo acabar?, estão resolvendo seus problemas, desenvolvem um tipo de saber para isto e, na maioria das vezes, existem outras instituições participando deste esforço. Podemos até dar uma reviravolta nas ações, mas é preciso ?chegar com cuidado?, pois existe uma dinâmica histórica no local. E sempre que podemos, trabalhamos com uma equipe multidisciplinar, pois corremos menos risco de empobrecer conceitualmente nossas ações.
Mobilizadores COEP ? Como o senhor avalia o Projeto Universidades Cidadãs? Quais os principais retornos para a universidade e seus estudantes? E para as comunidades? R. Tenho uma avaliação positiva do Projeto Universidades Cidadãs. O fato de professores e estudantes de seis universidades públicas trabalharem em um projeto comum, em parceria com moradores e instituições, gera uma boa expectativa. A universidade estabelece um diálogo com a sociedade e se junta ao esforço nacional de construir um país do qual possamos ter mais orgulho. Os estudantes incorporam o conhecimento da realidade rural ao seu processo de formação profissional, e, o que é melhor, sempre de forma interdisciplinar.Temos ministrado aulas sistematicamente nas comunidades rurais do Projeto Universidades Cidadãs e com elas. São feitas avaliações das unidades curriculares que ministramos. Nestes dois anos do projeto, 21 estudantes da UFRN realizaram trabalhos de conclusão de curso nas comunidades das regiões do Agreste e do Mato Grande.Percebo que as pessoas das comunidades têm ficado mais esperançosas. Penso que este é um bom resultado, pois nunca devemos perder a esperança. As pessoas têm compreendido que as mudanças têm que partir delas. Como diz uma liderança do Mato Grande, ?a chave para abrir a porta da mudança está dentro de nós?. Muitas comunidades estão implementando projetos de geração de trabalho e renda, dos quais participam efetivamente. Apenas para citar os dois principais projetos produtivos, em 2008 existem 1.750 hectares de girassol em plena colheita nos assentamentos de reforma agrária do Mato Grande, com toda a produção vendida à Petrobras para produção de biodiesel. O Pólo de Tilapicultura tem produção mensal de 13 toneladas de tilápia.
Mobilizadores COEP ? Os estudantes, de forma geral, se sentem motivados a participar de projetos de desenvolvimento comunitário? Por quê? Quais os principais retornos acadêmicos obtidos? R. A UFRN tem grande tradição em extensão universitária. Criou o Centro Rural de Treinamento a Ação Comunitária (Crutac), que depois se disseminou pelo país e foi um marco na valorização da extensão universitária. A UFRN tem um fundo de seu orçamento, denominado Fundo de Apoio à Extensão (Faex), que apóia anualmente cerca de 400 projetos de extensão e concede 275 bolsas. Juntando este orçamento àquele captado externamente, concorrendo a editais e em parcerias institucionais, há grande estímulo para participação dos estudantes. Conforme afirmei antes, o principal retorno acadêmico é a articulação da extensão com o ensino e a pesquisa.
Mobilizadores COEP ? O que é o projeto “Sons do Curimataú” e quem são os jovens que o integram?R. O ?Sons do Curimataú? é um grupo musical formado pelos jovens do assentamento José Rodrigues Sobrinho, do município de Nova Cruz. No diagnóstico de demandas e potencialidades desta comunidade, realizado no final de 2005, os jovens apresentaram vontade de organizar um grupo musical. Conseguimos um bolsista do Faex da Escola de Música da UFRN e, em abril de 2006, iniciaram as aulas.Os primeiros instrumentos foram flautas de R$ 1,99 compradas em Natal. Atualmente, o grupo possui violoncelo, violino, flautas contralto e soprano, teclado, percussão. Oito jovens participam do grupo, que tem feito apresentações em diversas cidades e instituições, como escolas, bancos, universidades, além de participarem de festivais. Os membros do grupo realizam capacitação musical de crianças do assentamento, dando caráter de efeito multiplicador ao trabalho.
Mobilizadores COEP ? Qual é o objetivo do projeto Convivência, Educação e Lazer (CEL)? Como surgiu a idéia de criá-lo? R. O CEL é um centro comunitário com concepção ampliada na sua forma e função. Fico sempre pensando sobre os impactos que o desenvolvimento, na forma como costumeiramente praticamos, terá sobre as comunidades rurais nordestinas. De certa forma, o padrão de vida nessas localidades tem aspectos que devem ser incorporados num processo de desenvolvimento. Por exemplo, o não-enquadramento da rotina diária das pessoas no esquema industrial/capitalista de horários de trabalho até seis da tarde e assistir televisão à noite. Na verdade, há certo predomínio de uma rotina na qual as pessoas trabalham pela manhã, almoçam e, pela tarde, executam outras atividades, muitas vezes voltadas para ações de interação social, manifestações artísticas etc. Esta rotina, ao meu ver, contribui para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Entretanto, na maioria das vezes, os esforços voltados para o desenvolvimento colocam dificuldades para a manutenção desta rotina de vida.Além disso, o baixo preço das antenas parabólicas faz com que também no espaço rural as pessoas estejam ?ficando dentro de suas casas, ligadas excessivamente na TV?. Nesse sentido, estão adotando atitudes semelhantes àquelas comuns nas cidades, quando moramos anos num prédio ou bairro e não conhecemos os vizinhos. Além disso, na maior parte das vezes em que vou a uma reunião, seja científica ou administrativa, sobre desenvolvimento de comunidades rurais, é a mesma lengalenga: ?O problema é a organização comunitária que não existe… o individualismo dos comunitários… a falta de espírito coletivo…? e por aí vai. No entanto, poucas são as ações concretas para estimular a convivência das pessoas nas comunidades. E conviver é mais do que viver. É viver juntos, aprendendo a entender e respeitar as diferenças.No Nordeste, a perda é maior porque é um povo alegre, que extravasa cultura e arte, que tem na sociabilidade um forte marca de sua personalidade. Nesse contexto, há estímulo ao individualismo, à falta de cooperação, não se pratica a solidariedade e outras coisas tão importantes para o verdadeiro desenvolvimento humano. Em nossas conversas nas comunidades rurais ficamos pensando em como reverter essa situação e a alternativa mais falada é a necessidade de ?construir espaços sociais?, locais físicos onde as pessoas possam conviver, praticar lazer. A proposta do CEL converge para este objetivo: um lugar coberto, com biblioteca, sala de computador, sala de reunião, onde as pessoas podem se reunir, discutir problemas da comunidade, fazer tricô, jogar dama, ler um livro, dançar forró, falar de futebol, namorar.O Francisquinho, que é presidente da Associação Comunitária do Assentamento Aracati, disse, numa reunião, que um ?lugar bom desses só poderia ser algo parecido com o céu, mas como somos ainda muito pecadores, era um ?céu? com L ? CEL?. Pensamos, então, que a sigla poderia ser de: Convivência, Educação e Lazer, ações que abarcavam muito do que falávamos. A partir daí, realizamos reuniões de planejamento e o CEL de Aracati está em vias de conclusão, com construção feita pelos próprios moradores do assentamento. A parte de edificação tem 14 m x 8m, envolta por um bosque de árvores ornamentais e frutíferas, com caramanchões e jardins e uma quadra de voleibol, futebol de campo e futsal. Na parte edificada terá o espaço para o telecentro comunitário. A principal conseqüência desta ação será estímulo ao fortalecimento da organização social e do espírito de coletividade, enfim, de perspectiva de melhoria da qualidade de vida. Os processos produtivos são fundamentais porque precisamos gerar renda e adquirir os bens materiais, mas o verdadeiro desenvolvimento não se fecha apenas na geração de renda. O CEL do Assentamento Aracati fica no município de Touros e está sendo construído com financiamento dos moradores, a partir do Pólo de Tilapicultura, e com recursos financeiros, equivalente a R$ 12 mil, dos nossos projetos.
Mobilizadores COEP – No que consiste o projeto de criação de tilápias em tanques-rede? Quais são os principais resultados alcançados? Como o projeto tem auxiliado a comunidade? R. O projeto de criação de tilápia em tanque-rede está em desenvolvimento na comunidade Limoal, em Goianinha, e tem apoio financeiro do Programa Desenvolvimento Solidário. O projeto consiste em 30 tanques-rede, envolvendo 30 famílias, e é estruturado em seis módulos de cinco tanques cada. Com este planejamento, faz-se a despesca mensal de cinco tanques, com produção de 2,5 toneladas de peixe.Esta iniciativa está associada ao Pólo de Tilapicultura do Mato Grande, que está sendo implementado a partir de um Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS) do Banco do Brasil, com produção mensal de 13 toneladas de tilápia em tanques escavados. O assentamento Mandacaru está também organizando um módulo de produção de tilápia em tanque-rede. Esses projetos têm sensibilizado gestores do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Rio Grande do Norte e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Programa Terra Sol. Por conta disso, estamos em vias de construir um frigorífico para processar a tilápia produzida. Cada família do Pólo de Tilapicultura tem renda mensal de R$ 450,00, dedicando cinco dias de trabalho em cada módulo e produção.
Entrevista concedida à: Maria Carolina MedeirosEdição: Eliane AraujoEsperamos que tenham gostado da entrevista. Lembramos que o espaço abaixo é destinado a comentários. O entrevistado não se compromete a responder as perguntas aqui postadas.
Caro professor Deusimar
Que bom te encontrar neste espaço. Tive o prazer de conhecê-lo no Gabinete do Progurador Geral lá na UFRN, onde trocamos algumas palavras sobre o Universidade Cidadã.
Muito boa a sua entrevista, esclarece e nos faz refletir sobre a importância da extensão Universitária, não só com referência ao desenvolvimento de projetos comunitários, como os que foram expostos acima. Devemos refletir sobretudo, sobre a importância desse tipo de experiência para o universitário cuja formação acadêmica certamente ficará mais completa se trazida para a aplicação prática. O conhecer a realidade, percebê-la como coisa palpável contribuir com os seus conhecimentos teóricos para a melhoria socio-econômico-cultural das comunidades, aproveitando os seus saberes, certamente que consolidará a formação dos nossos profissionais do futuro.
Parabéns pelo trabalho que vem sendo realizado.
Sucesso!!!
Narciza (Natal/RN)
Ola! Me chamo João Paulo e sou bolsista do Projeto Universidades Cidadãs no Ceará pela coordenação da URCA – Univesidade Regional do Cariri. è muito importante a participação da Universidade nos locais mais pobres da região, na zona rural ou urbana, temos uma divida enorme com essas pessoas que finaciam a nossa formação. Devermos fazer ciência para quem, para o mercado? Ou para as pessoas que precisam valorizar os seus conhecimentos que são muitos, e conhecer os nossos.