A professora Jutta Gutberlet, da Universidade de Victoria, no Canadá, tem desenvolvido diversos trabalhos no Brasil com comunidades pobres. De 2005 a 2012, ela esteve envolvida num projeto de cooperação entre a universidade canadense e a Universidade de São Paulo (USP), que visou o fortalecimento de cooperativas de catadores e materiais recicláveis em seis municípios da região metropolitana de São Paulo.Em novembro de 2013, ela participou do lançamento da Rede por um Futuro Melhor (em inglês: Better Futures Network – BFN), durante um fórum internacional promovido pelo COEP Nacional e pelo Centro para Inovação Comunitária da Universidade de Carleton (Canadá). A BNF é integrada por universidades e organizações de vários países, e pretende promover a troca conhecimentos e experiências para o desenvolvimento de projetos locais de fortalecimento comunitário, com base em princípios sustentáveis.Nesta entrevista, Jutta fala um pouco sobre o trabalho que tem desenvolvido no Brasil, comenta as diferenças entre as demandas sociais no Brasil e no Canadá e conta sobre sua expectativa com a criação da BNF. Ela enfatiza a importância de que as universidades em todo mundo passem a desenvolver pesquisas e a atuar nas comunidades pobres, visando fortalecê-las e possibilitar que se desenvolvam de forma sustentável e com justiça social.
Rede Mobilizadores – Como é sua experiência com catadores de material reciclável no Brasil? Você atua com comunidades?
R.: Trabalho com catadores de material reciclável organizados desde 2005, quando comecei a coordenar um projeto de cooperação entre a Universidade de Victoria (Canadá) e a Universidade de São Paulo (USP). Nesse projeto, realizamos ações para o fortalecimento de cooperativas em seis municípios na região metropolitana de São Paulo. O projeto foi financiado pela Agência de Cooperação do Canadá (CIDA) e concluído em 2012. A partir daí, novos projetos estão sendo desenvolvidos dando continuidade a esse trabalho.
Em minhas pesquisas e trabalho de extensão venho atuando em comunidades, e, mais recentemente, tenho trabalhado com comunidades de catadores e catadoras. E uma experiência extremamente rica, na qual se confirmou o importante papel desses agentes na recuperação do material reciclável e na educação para o consumo mais consciente, através da atuação dos catadores na coleta seletiva de porta em porta.
Rede Mobilizadores – Qual sua expectativa com relação à criação da Rede por um Futuro Melhor (em inglês Better Future Network- BFN)?
R.: Participei da primeira conferência do BFN, realizada no Rio, em novembro de 2013, e foi nesse evento que conheci o trabalho da COEP e das pessoas que estão envolvidas nessa rede de ações. Senti muita sintonia entre as pessoas e entre as suas motivações para o trabalho comunitário socioambiental.
A minha expectativa é ver a formação de uma rede de pessoas que estão envolvidas com projetos de pesquisa participativa e de extensão comunitária, com semelhante motivação, enfoque e ideais. Essa rede pode ser uma ferramenta de comunicação e disseminação para os nossos trabalhos; poderá dar mais visibilidade as nossas atividades e pode nos por em contato com outros pesquisadores, lideranças comunitárias, técnicos, etc.
Espero ver essa rede crescer e ajudar-nos a expandir e fortalecer ações e estratégias que beneficiem comunidades e o meio ambiente de forma geral.
Rede Mobilizadores – Qual a importância de reunir universidades de diversos locais do mundo para debater problemas sociais?
R.: É muito importante trabalhar com as universidades e levar para elas, no mundo inteiro, a mensagem de que precisam ter uma atitude mais determinada em apoio às atuações e pesquisas comunitárias. A universidade em muitos países ainda continua sendo pública e, portanto, tem mais liberdade de atuar de forma desvinculada da política partidária e em favor do bem estar da comunidade e do meio ambiente.
Essa posição privilegiada de o trabalho da universidade ser financiado com fundos públicos cria responsabilidade e permite o envolvimento com trabalhos e pesquisas direcionados a beneficiar a comunidade e o meio ambiente de forma geral.
A universidade é um espaço onde se pensa lateralmente e onde as vozes podem contradizer a opinião dominante, muitas vezes influenciada pelo poder político-econômico. Então, eu acho que a universidade tem o dever de estimular o pensamento critico, tanto no ensino como na pesquisa.
Rede Mobilizadores – Tanto o Brasil quanto o Canadá têm um trabalho que envolve universidades, centros de pesquisa e comunidades no sentido de tornar as comunidades mais sustentáveis. Quais as principais diferenças entre as demandas das comunidades desses dois países?
R.: Como no Canadá a população de forma geral tem mais acesso à educação formal de qualidade, o nível de exigência da comunidade em relação à qualidade de vida é maior e diferente. Por essa razão, indivíduos na população se manifestam exigindo os seus direitos de cidadãos. Há uma diferença também no conteúdo das demandas da comunidade no Canadá e no Brasil.
No Brasil, ainda há muita demanda por melhorias na infraestrutura, enquanto no Canadá as demandas vão mais em direção à melhoria na qualidade de vida, relacionado ao meio ambiente, melhores salários, participação política, etc. No Brasil, infelizmente, muitas vezes a comunidade não tem voz e não é ouvida. Ou seja, muitas vezes a mobilização comunitária é em vão, seja por falta de vontade política, por corrupção ou por falta de capacidade.
Rede Mobilizadores – Qual deve ser o papel das universidades na proposição de políticas públicas destinadas ao fortalecimento comunitário?
R.: A universidade tem o dever de questionar, analisar de forma crítica e de propor políticas públicas destinadas ao fortalecimento comunitário. Pela amplitude do conhecimento gerado na universidade e pela facilidade de acessar informações e conhecimentos, a universidade tem muito a contribuir nesse desenvolvimento e expansão do trabalho com e a favor das comunidades.
Entrevista para o Eixo de Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidades
Concedida à: Eliane Araujo
Editada por: Sílvia Sousa
