O Brasil tem um déficit habitacional superior a 7 milhões de moradias, a maior parte concentrado nas áreas urbanas. Além disso, mais de 10 milhões das moradias existentes são consideradas inadequadas, pela falta, direta ou indireta, de pelo menos um dos serviços básicos, tais como, energia elétrica, rede de abastecimento de água, lixo coletado, rede coletora de esgoto ou fossa séptica. Para tentar reverter esse quadro, a ONG Habitat para Humanidade (HPH) Brasil vem promovendo, desde 1987, o desenvolvimento comunitário por meio da construção de soluções habitacionais simples e de baixo custo, por meio de mutirões envolvendo a comunidade e voluntários, entre eles estudantes brasileiros e estrangeiros. Nessa entrevista, o diretor-executivo da HPH Ademar de Oliveira Marques nos conta a trajetória da ONG e sua luta pela causa do direito à moradia digna e a importância do voluntariado nas experiências desenvolvidas no país.
Mobilizadores COEP – O que é a HPH e desde quando a ONG atua no Brasil?
R. HPH é uma organização não-governamental sem fins lucrativos fundada em 1976, nos EUA, após experiências e trabalhos missionários no sul da Geórgia (EUA) e no Zaire. A organização promove o desenvolvimento comunitário por meio da construção de soluções habitacionais simples, dignas e de baixo custo. A HPH tem projetos em mais de 100 países e conta com cerca de 200 mil moradias construídas em todo o mundo. Nossa missão é promover um habitat digno, por meio de um Fundo de Crédito Rotativo Solidário, interagindo com famílias, voluntários, parceiros e outras forças sociais. A primeira ação que contou com a participação da Habitat Internacional no Brasil foi no atendimento a famílias desabrigadas por uma enchente, no bairro de São Gabriel, em Belo Horizonte (MG), a partir de um pedido feito por membros da Igreja Metodista a representantes da organização. A HPH orientou os membros da igreja a fundarem um Comitê Local que assumisse responsabilidades de implementar um programa de soluções habitacionais para ajudar às famílias. Em 1987, com a organização desse Comitê, foi iniciado o primeiro projeto de HPH no Brasil, com a construção de 200 casas e remanejamento das famílias para o Bairro Liberdade, na divisa dos municípios de Belo Horizonte, Contagem e Ribeirão das Neves.
Mobilizadores COEP – De que forma aHPH Brasil atua?
R. Atuamos no desenvolvimento comunitário integral e sustentável, realizando construção, reformas e melhorias habitacionais; construção de banheiros e cisternas; concedendo microcrédito produtivo e habitacional; promovendo educação financeira das famílias e educação para a cidadania. Estamos também envolvidos com a causa do direito à moradia digna. Apesar de ser reconhecido pela Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito social à moradia ainda não é assegurado a todos. Por isso, participamos de movimentos, fóruns e lutamos por melhores condições de moradia. Nossa luta não é apenas pelo acesso à moradia própria, mas pela efetivação de políticas que garantam direitos básicos, como à habitação de qualidade, à água e saneamento. Nossa meta é incentivar as populações de baixa renda a desenvolverem processos de liderança na formação e desenvolvimento de sua própria comunidade, de forma participativa e sustentável. A partir da união em mutirão para a construção das soluções habitacionais, os moradores de uma determinada região sentem-se motivados a transformar suas realidades a partir do trabalho em conjunto, percebendo a importância do associativismo e da cooperação. O sucesso dos projetos de HPH está na colaboração mútua, que reduz custos, aumenta a produtividade, o comprometimento da comunidade e dos vários parceiros.
Mobilizadores COEP – Como é feita a seleção das famílias e quais são as características e o custo médio das moradias construídas?
R. Os projetos atendem prioritariamente famílias com renda de até três salários mínimos, selecionadas através dos seguintes critérios: necessidade de moradia, capacidade de pagamento, disponibilidade para o trabalho em mutirão e para a capacitação durante o processo educativo que promovemos. O modelo da casa padrão, que possui entre 38 e 48 metros quadrados, é definido em conjunto com as famílias atendidas. Seu acabamento é feito respeitando o conceito de moradia simples, digna e de baixo custo. Adotamos as tecnologias de construção de acordo com a região atendida, que pode ser desde a convencional, com blocos de tijolo e cimento, até formas de construção acelerada, com placas de concreto pré-fabricadas. O custo médio de uma casa construída fica entre R$ 12 mil e R$ 15 mil, dependendo da localidade e da tecnologia utilizada. As famílias pagam pelas casas prestações mensais que variam entre R$ 35 a R$ 140, pois não devem comprometer mais de 20% da renda familiar. O valor da casa é pago em até seis anos, e as mensalidades retornam ao Fundo de Crédito Rotativo Solidário, utilizado para viabilizar a construção de mais moradias.
Mobilizadores COEP – Apesar de importante no contexto de direito à moradia, o conceito de “produção social do habitat” ainda não é amplamente conhecido. O senhor poderia defini-lo?
R. A idéia de Produção Social do Habitat (PSH) tomou forma ao longo dos anos 70 na América Latina. Segundo conceito da Organização das Nações Unidas, os processos de desenvolvimento da PSH reconhecem o direito humano a ter uma moradia e a viver na cidade, como uma necessidade básica. A PSH se manifesta em processos coletivos de criação de moradias, infra-estrutura e serviços sociais dentro das comunidades. Ela é viabilizada, principalmente, mediante o incentivo aos processos autogerenciados, tanto individuais e familiares, quanto coletivamente organizados, como os mutirões, as cooperativas habitacionais, e pelo financiamento de soluções habitacionais. Seu objetivo é satisfazer necessidades individuais e coletivas e fortalecer a cidadania responsável, as economias locais e a transformação. Na PSH, considera-se não apenas o simples acesso à habitação, mas a infra-estutura na qual a moradia vai se inserir, as distâncias, os serviços públicos disponíveis, os espaços de educação, lazer e cultura, entre tantos outros aspectos. Quando falamos de PSH, estamos levando em consideração o princípio da integralidade do ser humano. Neste sentido, a infra-estrutura básica e os serviços de saneamento, bem como as demais áreas, devem estar articulados e integrados. Esta interface entre as políticas e serviços constitui um elemento estratégico fundamental para assegurarum habitat saudável e sustentável.
Mobilizadores COEP – A HPH conta com a participação de estudantes voluntários em muitas de suas ações. Como se dá essa aproximação? Quais os principais ganhos para a comunidade e para esses estudantes?
R. A aproximação é mútua. Em alguns casos, a Habitat procura instituições de ensino para estimular os estudantes a participarem como voluntários em seus projetos, mas, na maioria das vezes, são as próprias instituições que nos procuram para desenvolver algum trabalho voluntário. Nesse caso, ao identificarmos demanda numa determinada região, desenvolvemos um projeto de soluções habitacionais, prevendo a participação dos estudantes de acordo com os objetivos da escola, e implantamos o projeto. Além de participar de mutirões, em geral, os estudantes atuam na arrecadação de fundos para construção de algumas moradias. Os jovens são estimulados a se organizar em equipe e a eleger um líder, que se torna um referencial para obtenção de informações ou orientações em caso de dúvidas ou problemas durante o período de construção. Há um cuidado também para assegurar que a atividade que os estudantes estejam desempenhando seja apropriada à idade e à força de cada um. Adotamos ainda o ?sistema buddy?, onde cada voluntário é responsável pelos demais. Assim, nossos voluntários aprendem a trabalhar em equipe e a solucionar problemas e exercitam valores como solidariedade, ajuda mútua, responsabilidade e compromisso. As comunidades, além de obterem melhores condições de vida, têm a oportunidade de interagir com os estudantes e há uma troca muito significativa, uma aprendizagem mútua, que gratifica ambas as partes.
Mobilizadores COEP – Qual o maior benefício, a seu ver, de ser um voluntário de Habitat para Humanidade?
R. Nossos voluntários atuam na construção de moradias populares em comunidades de baixa renda e se tornam agentes de transformação social em regiões com grande déficit habitacional. Essa possibilidade de auxiliar diretamente famílias em necessidade e ver o resultado imediato de sua ação me parece um dos maiores atrativos. Além disso, nossos voluntários se sentem motivados por estar atuando em defesa da causa do direito à moradia digna e contribuindo, dessa forma, para ajudar a solucionar uma das maiores dívidas sociais do país. Quem não tem acesso à moradia digna fica alijado dos principais direitos de cidadania, como saúde, educação e lazer.
Mobilizadores COEP ? Além do apoio de voluntários, com que outros apoiosaHPH conta?
R. Nós temos apoio de algumas empresas como Amanco e Caixa Econômica Federal, que fornecem recursos para o fomento de diferentes projetos. Contamos também com o apoio da El Paso, Hospital Moinhos de Vento e Citigroup em projetos específicos. Recentemente, conquistamos dois novos parceiros: Dow Química e Cisco Systems.