A maioria dos brasileiros é contrária ao aborto, mas a favor do procedimento em casos específicos, de acordo com a pesquisa “Percepções sobre o aborto no Brasil”, do Instituto Patrícia Galvão, em parceria com a Locomotiva Pesquisa e Estratégia, divulgada dia 4 de dezembro.
Para 81% dos brasileiros, as mulheres devem ter permissão para interromper a gravidez em pelo menos um dos seguintes casos: gravidez não planejada, se a família não tiver condições de criar, meninas com até 14 anos, feto diagnosticado com alguma doença grave ou incurável como quando a mulher tem zika, quando houver risco de vida da mãe na gestação ou no parto e quando a gravidez é resultado de estupro.
O apoio varia de 59% ao aborto no caso de estupro até de 11% no caso de gravidez não planejada.
Quando questionados de maneira geral, contudo, apenas 26% é favorável à interrupção da gravidez, o equivalente a 41,6 milhões. São contra o procedimento 62%. Não são contra nem a favor 10%, e 2% não souberam ou não responderam.
A pesquisa foi feita por meio de 1,6 mil entrevistas com maiores de 16 anos em 12 regiões metropolitanas do Brasil entre 27 de outubro a 6 de novembro. A margem de erro é de 2,4 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Hoje, o Código Penal permite a interrupção da gestação decorrente de estupro e quando há risco de vida da mãe. A outra permissão legal é no caso de anencéfalos, conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Quanto maior a escolaridade, maior o percentual de favoráveis a que as mulheres possam decidir entre interromper a gravidez ou não, segundo a pesquisa. Entre os que têm até o Ensino Fundamental completo, o percentual é de 22%. O número chega a 35% para aqueles com Ensino Superior completo.
De acordo com a sondagem, 72 milhões, o equivalente a 45%, conhecem uma mulher que fez aborto. Para 26% era alguém próximo, 16% afirmaram ser uma mulher nem tão próxima, 55% não conhecia e 1% não soube ou não respondeu. O percentual fica em 52% quando o recorte é só de mulheres e em 34% quando é só de homens.
Metade dos brasileiros concorda que uma mulher que interrompe a gravidez intencionalmente deveria ir para a cadeia, contra 38% que discordam. Outros 12% são neutros. Quando se trata de alguém próximo, contudo, 47% das pessoas não fariam nada. Outros 19% brigariam com a pessoa, 12% dariam apoio, 7% chamariam a polícia, 4% aconselhariam, 2% ficariam tristes, 1% outros e 8% não sabem ou não responderam.
Segundo a pesquisa, 51% das mulheres afirmaram que jamais interromperiam uma gravidez. Outros 33% disseram que não concordam nem discordam e 16% discordam dessa afirmação. No caso dos homens, 48% não permitiriam que uma mulher interrompesse a gestação de um filho seu; 17% discordam dessa afirmação e 35% são neutros.
Para 8 em 10 brasileiros, a discussão do aborto no Brasil é uma questão de saúde pública (43%) ou de direitos (34%), enquanto apenas 1 em cada 10 (13%) acreditam que seria um assunto de polícia. Apenas 4% diz ser um tema ligado à religião e 5% não sabem ou não responderam.
PEC Cavalo de Tróia
A pesquisa foi publicada em meio à discussão sobre a criminalização do aborto no Brasil. Em discussão na Câmara dos Deputados, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 181 de 2015, apelidada de Cavalo de Tróia, pode inviabilizar o aborto legal no Brasil.
O conteúdo original tratava da extensão a licença-maternidade para mães de prematuros, mas o relator, deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP), acrescentou no parecer dois trechos que alteram a Constituição, a fim de estabelecer que a vida começa “desde a concepção”.
Se a PEC for aprovada, pode ser interpretada uma contradição entre a Constituição alterada e o Código Penal, que permite o aborto no caso de estupro e de risco de vida da mãe, e o assunto poderia ser questionado no STF. A possível alteração é encarada por entidades que defendem os direitos das mulheres como um retrocesso aos direitos reprodutivos no Brasil.
O texto-base da PEC foi aprovado em uma comissão especial da Câmara sobre o assunto em 8 de novembro, com 18 votos a favor, todos de homens, e um, da deputada Erika Kokay (PT-DF) contra, em uma sessão esvaziada. O colegiado volta a discutir dia 5 de dezembro destaques do texto. Após essa etapa, a proposta está pronta para ser votada no plenário da Casa, onde precisa de 308 votos, em dois turnos.
A PEC é uma reação da bancada religiosa à discussão do aborto no STF. Em novembro de 2016, o STF definiu que o aborto não deveria ser considerado crime no primeiro trimestre da gravidez, em um caso no Rio de Janeiro. A comissão especial foi instalada em seguida.
O tribunal irá analisar ainda uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que pede a descriminalização da interrupção da gravidez até a 12ª semanas, marco considerado, período considerado seguro para o procedimento. A ação foi proposta em março pelo PSOL, com assessoria da Anis – Instituto de Bioética.
Na última semana, a ministra Rosa Weber negou uma liminar na ação proposta em que a estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, pediu permissão para interromper a gravidez sem punições por não ter condições de criar um terceiro filho. Após a negativa, Rebeca aguarda resposta de um novo pedido apresentado à Justiça de São Paulo.
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