Os principais museus do mundo estão preocupados em garantir o acesso à arte pictórica para pessoas cegas ou com reduzida acuidade visual. É uma tendência cada vez mais acentuada também no Brasil, particularmente em museus de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esta acessibilidade, no entanto, pode ser assegurada já a partir da escola fundamental, por iniciativa dos professores de artes, mesmo que de forma simplificada. É esta a proposta da artista plástica Laura Chagas, em trabalho de iniciação cientifica que realizou no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto (Cepre) da Faculdade de Ciências Médicas. A artista contou com a orientação de Lucia Reily, pesquisadora e arte-educadora do Cepre e professora de fonoaudiologia e do programa de pós-graduação do Instituto de Artes.
?A idéia inicial que eu acalentava era produzir um livro com ilustrações táteis para os deficientes visuais. Nas conversas com a professora Lucia Reily, veio a proposta de selecionar algumas pinturas importantes da arte brasileira e trabalhá-las em relevo ou em algum suporte tátil, para que eles pudessem ter contato com obras pictóricas. Não se trata de uma tradução ? o que seria impossível ? e nem de uma adaptação, mas de uma mediação?, esclarece Laura Chagas. Como o objetivo é possibilitar este contato desde a infância, a autora optou por utilizar materiais baratos e técnicas simples, reprodutíveis e acessíveis aos professores da escola fundamental.
A arte-educadora Lucia Reily observa que os professores de artes podem cumprir um papel importante ao assegurar para alunos com deficiências visuais o mesmo privilégio dos demais, o da percepção da pintura. ?São crianças que precisam de referências táteis. Este material de referência serve para mostrar aos professores uma ferramenta capaz de motivar e entusiasmar os alunos deficientes a conhecerem nosso patrimônio artístico. Nem sempre é possível levá-los a um museu?.
Na parte teórica da pesquisa, Laura Chagas realizou o levantamento de extensa bibliografia do que já foi publicado sobre o tema no país ? material disponibilizado no endereço www.arteemcomum.org ? e entrevistou especialistas da área como Amanda Tojal, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, e Valquíria Prates, do Masp, para verificar como os museus nacionais estão enfrentando este desafio. A artista plástica também navegou pela Internet para saber o que importantes museus de outros países vêm fazendo para atender os deficientes visuais. Na parte prática, durante um curso oferecido pela pinacoteca, a pesquisadora testou materiais e colas para os protótipos que desenvolveu.
Os trabalhos de Laura Chagas apresentam tamanhos que facilitam o contato manual e a reprodução de detalhes, sem que se atenham às dimensões originais. Ela observa que a tela de Debret, por exemplo, não mede mais do que um palmo de largura, ao passo que a de Volpi é razoavelmente grande. Frisando que procurou sempre soluções simples e com materiais baratos e acessíveis, Chagas informa que os trabalhos similares em museus são muito mais sofisticados, como pranchas em resina, apropriadas para higienização depois de manuseadas por um número grande de visitantes.
Os recursos táteis apresentados pelas pesquisadoras da Unicamp podem ser facilmente adotados por professores do ensino fundamental, mas elas lembram que o aluno com deficiência visual continuará precisando da mediação do educador para relacionar a prancha com outros aspectos da obra original. ?Isto vale também para o observador com visão normal, pois o simples olhar não é suficiente. A participação do professor é importante para explicar a linguagem visual e fornecer informações sobre o artista, o momento histórico e o significado da obra nos dias de hoje?, afirma Lucia Reily. ?Mas o recurso tátil já constitui um primeiro contato do deficiente visual com um universo cultural do qual estaria excluído. Assim, ele não se sentirá alijado do mundo dos que enxergam?, acrescenta.
Novas etapas
Na opinião da professora da Unicamp, apesar do curto tempo para a pesquisa, Laura Chagas conseguiu um bom mapeamento do que vem sendo realizado no Brasil visando à inclusão do deficiente visual no campo da arte. Para surpresa de ambas, existem muito mais iniciativas do que imaginavam. Elas constataram, também, a necessidade de um recorte didático, a exemplo do que é adotado com alunos com visão normal. A previsão é de que o trabalho tenha três novas etapas, uma delas para verificar como o aluno cego ou de baixa visão interpreta as mediações táticas de obras pictóricas. ?Não sabemos os sentimentos e as sensações que a atividade desperta, eles é que devem nos contar. É uma informação que revelaria o grau de adequação do caminho que estamos seguindo?, prevê Lucia Reily.
Outra etapa diz respeito à gestão dos museus, com sugestões para tornar o acervo acessível a deficientes visuais, como a criação de uma metodologia combinando o tátil com a descrição verbal da obra gravada em áudio. Tal metodologia, segundo as pesquisadoras, permitiria ao deficiente mediar sozinho maior número de pinturas. Uma terceira etapa abordaria a gestão da educação especial, assegurando a esses alunos o direito à cultura e o acesso ao mundo visual, assim como o deficiente auditivo tem direito à música, e o deficiente físico, à dança. ?A questão é garantir o direito de todos a tudo. No Cepre, a pesquisa não deve servir apenas para que o especialista aprenda mais; ela deve apresentar resultados que sejam úteis à sociedade?, diz Lucia Reily.
Fonte: Jornal da Unicamp (www.unicamp.br), com base em matéria de Carmo Gallo Netto