Uma tendência vem se estabelecendo no país: o uso do bilingüismo na educação de crianças surdas. As ações do Ministério da Educação e Cultura (MEC) têm esse foco, assim como as experiências de escolas em diferentes estados. O uso de duas línguas na educação de surdos, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a língua portuguesa, é uma solução que supre as necessidades de quem pouco ou nada pode ouvir. Embora ainda não haja consenso sobre o assunto, a polêmica sobre a preferência de uma ou outra vem diminuindo.
Se, antes, especialistas divergiam sobre a melhor modalidade educativa para surdos, a dúvida atual é sobre a capacidade de as instituições de ensino atuarem eficientemente. Boas iniciativas acontecem no país, mas são o início de um processo. “É importante que a Libras seja oferecida precocemente aos surdos”, afirma a coordenadora do Espaço Universitário de Estudos Surdos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) Nídia de Sá.
“A primeira língua, ou língua materna, é aquela que a criança adquire naturalmente. No entanto, é importante que o surdo tenha acesso a outras línguas”, acrescenta Nídia de Sá. Para ela, o acesso precoce à Libras possibilita à criança ter condições para desenvolver plenamente seu sistema cognitivo. Como crianças surdas assimilam conhecimento por meio das imagens (e não pela sonorização de palavras), sua língua materna deve ser visual. O que não significa que o uso da Libras seja suficiente. Os sinais devem ser um meio para que aprendam a língua portuguesa, que lhes dará acesso a um mundo majoritariamente ouvinte.
“A utilização do português escrito e falado é essencial para a criança ampliar seu vocabulário, ter acesso a todos os níveis de ensino e, futuramente, ao mercado de trabalho.” Como é possível concluir, o ideal é a criança receber acompanhamento fonoaudiológico ainda na primeira infância, para que aprenda leitura labial e a articular a fala?, complementa Nídia de Sá.
Lei 10.436/2002
O reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação aconteceu com a Lei 10.436/2002, que obrigou os cursos de educação especial, fonoaudiologia e de magistério a incluir seu ensino como parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Naquele ano, 52.422 alunos com surdez estavam matriculados no ensino básico (que inclui infantil, fundamental e médio), sendo que a presença deles no ensino médio era de apenas 376 alunos. Já nos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), o número era de 2.134 alunos.
“Essa é uma característica do ensino brasileiro como um todo”, afirma a coordenadora da Secretaria de Educação Especial do MEC Marlene Gotti. “O índice de evasão é crescente do ensino infantil para o médio e há um aumento significativo nos cursos de EJA, demonstrando a preocupação de jovens e adultos de voltarem a estudar.” Com os surdos também é assim. A diferença é que a presença deles no ensino médio, que era rara, vem aumentando significativamente. Ao comparar os números de matrículas no ensino médio em 2002 e 2006, veremos que a participação de surdos aumentou de 376 para 4.353 alunos – cerca de 1.057%.?. Profissionais qualificados
“A presença dos intérpretes de Libras e instrutores especializados nas escolas regulares possibilita o aumento e a permanência dos surdos no sistema de ensino,” afirma Nídia de Sá. A tendência é de que o quadro continue melhorando, mas ainda há muito trabalho a ser feito, uma vez que cerca de 75% dos surdos em idade escolar estão fora do sistema de ensino regular. Essa porcentagem é uma estimativa baseada no cruzamento de dados do MEC e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontou a existência de 519 mil surdos com até 17 anos no Brasil, no Censo 2000.
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que coordenou a primeira edição do Prolibras, projeto realizado em parceria com o MEC que inclui o Exame Nacional de Certificação de Proficiência em Libras e o Exame Nacional de Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa, divulgou, em marçode 2007, a aprovação de 1.349 profissionais. São pessoas qualificadas para traduzir e interpretar a linguagem de sinais dentro da sala de aula nos diferentes níveis de ensino. A UFSC também possui o primeiro curso superior de licenciatura em Letras/Libras, que funciona em parceria com outras oito universidades brasileiras e conta, atualmente, com 500 alunos.
“Esses profissionais estão sendo preparados para lecionar pela abordagem bilíngüe no ensino médio e superior”, explica a coordenadora do curso Ronice de Quadros. “Temos carência de intérpretes qualificados. Muitas vezes, eles aprendem em espaços religiosos ou em cursos desqualificados. As universidades precisam assumir a função de formar esses profissionais.” Não se pode mesmo comparar o aprendizado especializado com o apenas bem intencionado?, acrescenta.
Na prática, a educação bilíngüe é vivenciada de maneiras diferentes pelas escolas. Há aquelas chamadas especiais, que possuem professores especializados em ensinar em Libras e que são exclusivas para alunos surdos. Há aquelas chamadas regulares, ou comuns, que mesclam surdos e ouvintes nas salas, ou que montam salas exclusivas para surdos, mas dentro do mesmo ambiente escolar. Nessas instituições de ensino, a presença de intérpretes, salas de recursos ou de monitores especializados auxiliam o estudante na rotina escolar.
As diferentes experiências praticadas nos estados têm pontos em comum. Elas comprovam que o aprendizado da língua portuguesa é essencial para a inclusão do surdo e, especialmente, para que ele desenvolva uma boa capacidade de comunicação. Da mesma forma, a Libras tem sido destacada como uma porta de acesso a diferentes universos – especialmente o da escrita e leitura. Assim, para as escolas que estão inseguras quanto à melhor maneira de educar seus alunos surdos, aprender com os erros e acertos de outros lugares é sempre uma boa alternativa.
Fonte: Sentidos (sentidos.uol.com.br ), com base em matéria de Claudia Gisele.