Os indicadores que apontam o agronegócio como benéfico para a economia do Brasil, não consideram os prejuízos causados à saúde: o país é o maior importador de agrotóxicos do planeta. Consome pelo menos 14 tipos de venenos proibidos no mundo, dos quais quatro, pelos riscos à saúde humana, foram banidos no ano passado, embora pesquisadores suspeitem que ainda estejam em uso na agricultura.
Em 2013, foram consumidos um bilhão de litros de agrotóxicos no País – uma cota per capita de 5 litros por habitante e movimento de cerca de R$ 8 bilhões no ascendente mercado dos venenos.
Pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMT), coordenados pelo médico professor Wanderlei Pignati, analisaram 62 amostras de leite materno, no município de Lucas Verde. Desse número, 100% apresentaram algum tipo de agrotóxico. O veneno Deltametrina apareceu em 37% das amostras. Enquanto o DDE, versão modificada do potente DDT, em 100%. Dos agrotóxicos banidos, pelo menos um, o Endorsulfan, prejudicial ao sistema reprodutivo e endócrino, aparece em 44% das amostras.
Na lista de venenos proibidos em outros países ainda estão em uso no Brasil: Tricolfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Metílica e Thiram.
Assista o documentário “Nuvens de Veneno”, do cineasta e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Beto Novaes. O vídeo, que conta com a participação de Pignati, mostra os riscos da cultura do agrotóxico para quem pulveriza as lavouras e para quem come os alimentos.
Chuva de lixo tóxico
“São lixos tóxicos na União Europeia e nos Estados Unidos. O Brasil lamentavelmente os aceita”, diz a toxicologista Márcia Sarpa de Campos Mello, da Unidade Técnica de Exposição Ocupacional e Ambiental do Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde. Conforme aponta a pesquisa feita em Lucas do Rio Verde, os agrotóxicos cancerígenos aparecem no corpo humano pela ingestão de água, pelo ar, pelo manuseio dos produtos e até pelos alimentos contaminados.
Venenos como o Glifosato são despejados por pulverização aérea ou com o uso de trator, contaminam solo, lençóis freáticos, hortas, áreas urbanas e depois sobem para atmosfera. Com as precipitações pluviométricas, retornam em forma de “chuva de agrotóxico”, fenômeno que ocorre em todas as regiões agrícolas mato-grossenses estudadas. Os efeitos no organismo humano são confirmados por pesquisas também em outros municípios e regiões do país.
Experiências de laboratórios feitas em animais demonstram que os agrotóxicos proibidos na União Europeia e Estados Unidos são associados ao câncer e a outras doenças de fundo neurológico, hepático, respiratórios, renais e má formação genética.
Câncer
A pesquisadora do Inca lembra que os agrotóxicos podem não ser o vilão, mas fazem parte do conjunto de fatores que implicam no aumento de câncer no Brasil cuja estimativa, que era de 518 mil novos casos no período 2012/2013, foi elevada para 576 mil casos em 2014 e 2015. Entre os tipos de câncer, os mais suscetíveis aos efeitos de agrotóxicos no sistema hormonal são os de mama e de próstata. No mesmo período, segundo Márcia, o Inca avaliou que o câncer de mama aumentou de 52.680 casos para 57.129.
Na mesma pesquisa sobre o leite materno, a equipe de Pignati chegou a um dado alarmante, discrepante de qualquer padrão: num espaço de dez anos, os casos de câncer por 10 mil habitantes, em Lucas do Rio Verde, saltaram de três para 40. Os problemas de malformação por mil nascidos saltaram de cinco para 20. Os dados, naturalmente, reforçam as suspeitas sobre o papel dos agrotóxicos.
Pingati afirma que os grandes produtores desdenham da proibição dos venenos aqui usados largamente, com uma irresponsável ironia: “Eles dizem que não exportam seus produtos para a União Europeia ou Estados Unidos, e sim para mercados africanos e asiáticos.”
Apesar dos resultados alarmantes das pesquisas em Lucas do Rio Verde, o governo mato-grossense deu um passo atrás na prevenção, flexibilizando por decreto, no ano passado, a legislação que limitava a pulverização por trator a 300 metros de rios, nascentes, córregos e residências. “O novo decreto é um retrocesso. O limite agora é de 90 metros”, lamenta o professor.
“Não há um único brasileiro que não esteja consumindo agrotóxico. Viramos mercado de escoamento do veneno recusado pelo resto do mundo”, diz o médico Guilherme Franco Netto, assessor de saúde ambiental da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). No dia 21 de fevereiro, diante da probabilidade de agravamento do cenário com o afrouxamento legal, a Fiocruz emitiu um documento chamado de “carta aberta”, em que convoca outras instituições de pesquisa e os movimentos sociais do campo ligados à agricultura familiar para uma ofensiva contra o poder (econômico e político) do agronegócio e seu forte lobby em toda a estrutura do governo federal.
Decreto
No final de 2013, um decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff concedeu ao Ministério da Agricultura exclusividade para declarar estado de emergência fitossanitária ou zoossanitária diante do surgimento de doenças ou pragas que possam afetar a agropecuária e sua economia.
Essa decisão, até então era tripartite, com a participação do Ministério da Saúde, representado pela Anvisa, e do Ministério do Meio Ambiente, pelo Ibama. Entretanto, três dias depois de assinado o decreto, o Ministério da Agricultura editou portaria declarando estado de emergência diante do surgimento de uma lagarta nas plantações, a Helicoverpa armigera, permitindo, então, para o combate, a importação de Benzoato de Emamectina, agrotóxico que a multinacional Syngenta havia tentado, sem sucesso, registrar em 2007, mas que foi proibido pela Anvisa por conter substâncias tóxicas ao sistema neurológico.
Alimentos contaminados
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mostrou que que 36% das amostras de 2011 e 29% das amostras de 2012 têm irregularidades na presença de agrotóxicos.
De acordo com informações da Anvisa, muitos agrotóxicos aplicados em alimentos agrícolas podem penetrar o interior dos alimentos. Dessa forma, a lavagem em água corrente e a retirada das cascas e folhas externas, apesar de diminuírem os resíduos, não os eliminam por completo.
O indicado é que soluções de hipoclorito de sódio e água sanitária sejam usadas na higienização dos alimentos na proporção de uma colher de sopa para um litro de água. Esta combinação é capaz de matar agentes microbiológicos, mas não de remover ou eliminar resíduos de agrotóxicos.
Confira a lista dos alimentos com quantidade de resíduos de agrotóxicos não permitidos ou acima do limite determinado pela Anvisa:
2011
Pimentão – 89%
Cenoura – 67 %
Pepino – 44%
Alface – 43%
Uva – 27 %
2012
Morango – 59%
Pepino – 42%
Abacaxi – 41%
Cenoura – 33%
Laranja – 28%
Com informações Último Segundo e Zero Hora