Luíza Bastos tem 19 anos e é moradora de Nilópolis, região metropolitana do Rio de Janeiro. Militante feminista, desde muito nova esteve envolvida com os problemas sociais que a cercavam.
A jovem participa do Fulanas de Tal, coletivo que visa incentivar todas as manifestações de gênero da Baixada Fluminense. Luíza acredita que a juventude precisa se mobilizar para melhorar suas condições de vida e ajudar as próximas gerações.
“É motivante ver que estou ajudando outras mulheres da mesma forma que fui ajudada. Quando eu entrei no coletivo, estava em uma fase completamente perdida da vida. Eu não tinha confiança em nada do que fazia, vestia, no meu cabelo”, lembra.
Com a participação no grupo, Luiza conta que se empoderou, assumiu o cabelo cacheado e mudou seu estilo.‘ ’O coletivo me abraçou e me fez enxergar que eu tinha de abraçar as outras pessoas também”, completa.
Além de participar do Fulanas de Tal, a jovem está trabalhando na criação de outro coletivo em Nilópolis, cuja finalidade é fortalecer a produção cultural da Baixada e fazer com que os jovens se sintam pertencentes ao lugar onde vivem.
Para especialista, coletivos são modelo mais democrático e autônomo
Luíza faz parte de uma geração de jovens brasileiros que participam ativamente da esfera pública. Através de novas formas de mobilização, lutam por questões de gênero e de orientação sexual, por relações de trabalho diferenciadas e contra o racismo.
A pesquisadora em coletivos culturais, Lívia Abdalla, afirma que os jovens não se veem mais representados pelos partidos políticos e não se identificam mais com os formatos das organizações não governamentais, sindicatos e agremiações partidárias.
“Essas representações menos horizontais deixaram de ser relevantes para os formatos que a juventude utiliza para se comunicar, produzir o seu discurso e sua crítica’’, explica.
Segundo Lívia, diferente das ONGs e dos sindicatos que dialogam o tempo todo com o Estado, os coletivos buscam mais autonomia e têm um perfil mais democrático e efêmero.
“Os jovens que participam de coletivos se unem por causa do afeto, da ideologia, da vontade política de mudar a realidade e por acreditarem em uma mobilização não subordinada ao Estado e às instituições. Para eles, a política não é feita através de instituições. Mas, sim, de uma mudança do cotidiano, de uma mudança miúda, de ações do dia a dia, de uma forma diferente de pensar e estar no mundo”, destaca.
Universitários se unem contra o racismo
Nas instituições de ensino, essas manifestações vêm ganhando fôlego, principalmente para impulsionar discussões sobre diversidade dentro do espaço acadêmico.
Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a falta de representatividade dos alunos negros dentro da instituição deu origem, em 2015, ao Coletivo Nuvem Negra.
Com cerca de 80 integrantes de diversos cursos, o grupo é um espaço de resistência e luta antirracista, além de um ambiente de debates sobre a identidade afro-brasileira.
“Depois de uma série de casos de racismo na universidade, surgiu a necessidade de ter um lugar dentro da instituição para acolher os alunos negros. Um espaço para a gente se identificar, afirmar a nossa identidade e compartilhar as nossas angústias e os nossos afetos’’, conta Esteban Cipriano, um dos participantes.
Na PUC, o coletivo se reúne semanalmente para trocar experiências, promover ações culturais e debates públicos dentro e fora da universidade. Em 2016, lançaram o jornal Nuvem Negra. A proposta do veículo é “não sermos mais objeto de pesquisa, mas poder produzir conhecimentos através de nossas próprias narrativas”, acrescenta Esteban.
O ex-estudante de administração Wellington Mendes diz que, antes de participar do coletivo, sentia-se como um estranho no ninho cursando uma das graduações‘ ’mais elitizadas da universidade’’.
“Eu cheguei na PUC no final de 2010 sem muita estrutura. O primeiro impacto que tive foi perceber que só havia eu e uma menina negra dentro de uma sala com 40 alunos. Até o surgimento do Nuvem, fiquei sem saber o que era ser negro. Eu me descobri negro dentro da universidade”, conta Wellington, lamentando que, durante toda a graduação, nunca teve um professor negro.
A atuação do Nuvem Negra ultrapassa o terreno universitário. Atualmente, o grupo promove também o projeto Nuvem nas Escolas, que leva as pautas do movimento para estudantes de colégios públicos do Rio de Janeiro.
“Visitamos essas instituições para levar um pouco sobre o movimento negro e também para mostrar às crianças a possibilidade que elas têm de acessar a educação superior”, conta Ezequias Teixeira, aluno de Ciências Sociais. “É muito importante a gente trabalhar essa questão desde a educação infantil”, completa.
Selo Noventa90 ajuda jovens da periferia a lucrar com pequenos negócios
A mobilização dos jovens também tem se mostrado importante na criação de oportunidades inclusivas de trabalho. Um exemplo é o selo Noventa90.
Autodenominada a primeira holding periférica do mundo, a Noventa90 incentiva o desenvolvimento de projetos da juventude da periferia, ajudando jovens empreendedores a monetizar pequenos negócios.
“A ideia é conseguir trazer todo mundo que está produzindo, gente que faz música, gente que trabalha com audiovisual, empreendedorismo, grafite, todas essas vertentes criativas que saem de dentro da favela, juntar isso e botar todo mundo para trabalhar no mesmo intuito, para ganhar dinheiro e viver disso’’, conta um dos fundadores, Lucas Zampieri.
Ele afirma que uma das intenções do grupo é ter uma estrutura mais estável, de modo que as pessoas se sintam seguras em trabalhar dentro da holding.
De acordo com Lívia, a questão da sustentabilidade financeira é um dos grandes desafios que os coletivos enfrentam atualmente no Brasil. Para a especialista, grupos precisam “encontrar formas alternativas de sobrevivência”. “As políticas públicas e a iniciativa privada precisam dialogar com esse protagonismo juvenil, para que ele possa se desenvolver melhor”, afirma.
Bônus demográfico no Brasil é oportunidade diante da crise
Atualmente, a população jovem no Brasil representa um quarto dos habitantes do país, totalizando 51,3 milhões de pessoas, segundo dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010.
Para o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), essa estrutura demográfica representa um potencial de crescimento econômico, uma vez que a proporção da população em idade ativa — de 15 a 64 anos — é substancialmente maior do que a parcela fora dessa faixa etária.
É o chamado “bônus demográfico”, que cria condições favoráveis ao desenvolvimento mas tem duração limitada – no caso do Brasil, essa janela de oportunidade começa a se fechar a partir da década de 2020, em função principalmente do aumento do número de idosos.
“Temos atualmente a maior população jovem da história, um capital humano inestimável que pode contribuir de forma decisiva para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com inclusão social definidos pela Agenda 2030 da ONU”, explica o representante do UNFPA no Brasil, Jaime Nadal.
“Mas, para que isso ocorra, é necessário assegurar os direitos dessa juventude, com investimentos em educação de qualidade, emprego e renda decentes, segurança e acesso à saúde, em especial à saúde sexual e reprodutiva, para que estas e estes jovens possam desenvolver seus projetos de vida e seu pleno potencial”, acrescenta.
Para o especialista, jovens devem ser incluídos em processos decisórios. “Pessoas jovens saudáveis, educadas, produtivas e engajadas podem ajudar a quebrar o ciclo intergeracional de pobreza e contribuir mais plenamente para suas comunidades e nações”, afirma.
ONU em defesa da juventude brasileira
O UNFPA trabalha para promover as aspirações da juventude e colocar as pessoas jovens no centro dos esforços nacionais e globais de desenvolvimento, sendo esse um dos pilares da sua atuação no Brasil. O Fundo coordena, juntamente com a Secretaria Nacional de Juventude, o Grupo Assessor Interagencial sobre Juventude. Formado por 10 agências da ONU e pelo Conselho Nacional de Juventude, o organismo é um espaço de diálogo entre o governo, a sociedade civil e a Organização Internacional.
O UNFPA e outras agências das Nações Unidas têm atuado em várias frentes, apoiando ações afirmativas para diminuir as desigualdades étnico-raciais, desenvolvendo programas de capacitação com jovens de áreas vulneráveis e ajudando também no combate à violência.
Fonte: ONU Brasil