A ideia de que práticas individualistas não costumam trazer resultados positivos para o meio ambiente e nos afastam do pensamento coletivo tem alimentado em todo o mundo o surgimento de propostas relacionadas ao compartilhamento.
De um lado, estão pessoas que buscam um modo alternativo de vida, que acreditam no compartilhamento, na solidariedade, na vida em comunidade como um valor. Essas pessoas têm apostado em moradias coletivas, em horas comunitárias, em trabalho conjunto, na carona solidária, na colaboração entre vizinhos, na troca de roupas e livros, no financiamento coletivo de projetos.
De outro lado, estão negócios que têm crescido em grande velocidade e movimentado bilhões de dólares e que estão inseridos na chamada economia colaborativa, uma das principais tendências econômicas do século 21. Só em 2014, os empreendimentos colaborativos movimentaram mais de 110 bilhões de dólares em todo o mundo, segundo a revista Forbes.
E a tendência é que esse tipo de negócio cresça nos países da América Latina. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria Nielsen em 2013, 70% das pessoas na América Latina estariam dispostas a participar de serviços de compartilhamento, contra 52% na América do Norte.
A definição de economia colaborativa é aquela em que pessoas com interesses e necessidades comuns compartilham ou trocam serviços e objetos por meio de plataformas digitais. Assim, elas manteriam o mesmo estilo de vida, sem precisar adquirir mais, o que impactaria positivamente não só no bolso, mas também na sustentabilidade do planeta. Por isso, há quem atribua à economia colaborativa o poder de reduzir o desperdício, aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais, combater o consumismo e até reduzir a desigualdade social no mundo.
Rachel Botsman, considerada líder do pensamento global sobre o poder da colaboração e intercâmbio através das tecnologias digitais, explica que a economia compartilhada contempla três possíveis tipos de sistemas:
Mercados de redistribuição: ocorre quando um item usado passa de um local onde ele não é mais necessário para onde ele é. Baseia-se no princípio do “reduza, re-use, recicle, repare e redistribua”.
Estilos de vida colaborativos: baseia-se no compartilhamento de recursos, tais como dinheiro, habilidades e tempo.
Sistemas de produtos e serviços: ocorre quando o consumidor paga pelo benefício do produto e não pelo produto em si. Tem como base o princípio de que aquilo que precisamos não é um CD e sim a música que toca nele, o que precisamos é um buraco na parede e não uma furadeira, e se aplica a praticamente qualquer bem.
Para Nicolau Reinhard, especialista em tecnologia da informação da Fundação Instituto de Administração da USP, um dos pontos mais favoráveis à disseminação da economia colaborativa é ser um modelo vantajoso tanto para quem oferece quanto para quem contrata um serviço. “Eliminamos os intermediários e os custos de uma estrutura formal de comércio”, diz Nicolau.
Economia Compartilhada no Brasil
No Brasil há diversos negócios baseados na ideia do compartilhamento. A maior quantidade de ofertas é do chamado coworking, espaços com infraestrutura para que profissionais diversos, em geral de diferentes segmentos, possam trabalhar, interagir, receber clientes, sem o custo do aluguel e de manutenção de uma sala comercial. A ideia central que costuma orientar esses espaços não é apenas o compartilhamento de um espaço, mas a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais, empresas e iniciativas. Até abril de 2016, o Brasil já contava com 378 espaços desse tipo, a maior parte deles em São Paulo.
Mas há também diversos outros tipos de serviços sendo oferecidos no mercado nacional, como o compartilhamento de veículos, o empréstimo ou troca de objetos, a troca de casas, o financiamento coletivo de projetos. Veja a seguir alguns exemplos:
Coworking – a House of Work é uma casa, na capital paulista, na qual empreendedores – tanto autônomos quanto em grupos – podem desenvolver seus negócios em ambientes compartilhados. Oferece salas de reunião, cozinha e espaços nos jardins para que os empreendedores botem as mãos na massa, individualmente ou em parceria uns com os outros. Outros atrativos como geladeiras, computadores, impressoras – normais e 3D – e televisões também estão espalhados pelos cômodos da casa.
House of Food – é o primeiro restaurante coworking do Brasil. Também em São Paulo, oferece uma cozinha industrial totalmente equipada, bem como equipe de garçons e ajudantes, e pode ser alugado por chefs pelo prazo de um dia ou de uma semana. O cozinheiro só leva os ingredientes e vende as refeições que produzir.
Oficina S/A – é uma oficina de marcenaria no Rio de Janeiro que cede espaço e equipamentos para pessoas interessadas em trabalhar com madeira.
Transporte – a Fleety foi a primeira plataforma no Brasil a viabilizar o compartilhamento de veículos entre pessoas, por dia ou por hora. Guilherme Nagüeva, designer de usabilidade da startup, explica que pelo Fleety uma pessoa pode ter acesso a uma caminhonete para fazer a mudança, um carro de luxo para uma casamento ou um carro simples para viajar. “Eu posso ter qualquer carro, sem necessariamente ter um”, explica. Para os donos de veículos é uma oportunidade de obter renda extra ao alugar carros que passam o dia na garagem
Compartilhamento de objetos – a Tem açúcar? é uma plataforma que permite o compartilhamento de objetos entre amigos e vizinhos. Uma pessoa que precise instalar uma prateleira e não tenha uma furadeira em casa, por exemplo, pode pedir a ferramenta emprestada.
Abrigo para animais de estimação – a DogHero está transformando pessoas que gostam de cachorros em uma alternativa mais humanizada aos famosos hotéis de animais. “Um dos principais pontos em que os canis deixam a desejar é no atendimento às necessidades psicológicas do animal (carinho, afeto e brincadeiras) e isso ele recebe de sobra em nosso serviço. Nossos anfitriões são, de fato, apaixonados por cachorros”, explica Eduardo Baer, cofundador da empresa. Além da verificação dos candidatos a acolheres, feita pela empresa, os animais têm direito à suporte e garantia veterinária durante toda a hospedagem.
Um debate
Os serviços prestados através de novas plataformas tecnológicas ainda não têm regulamentação, ou seja, lei que disciplinem a atividade, o que leva muitos críticos a afirmarem que vários desses serviços praticam dumping, ou seja, oferecem um produto e/ou serviço a preço inferior a seu valor normal, promovendo uma concorrência desleal. Um exemplo é o serviço de transportes Uber, que é alvo de protestos por parte de taxistas em todo o mundo.
Já Evgeny Morozov, pesquisador e escritor bielorrusso, estudioso das implicações políticas e sociais do progresso tecnológico e digital, veem na economia colaborativa apenas uma nova estratégia do capitalismo global, que visa lucros crescente usando como argumento ideais de colaboração e sustentabilidade. “Ao transformar donos de veículos em choferes eventuais sem nenhuma proteção, o Uber não desperta apenas a fúria de taxistas: seu nome simboliza cada vez mais a ligação entre novas tecnologias e precarização. O sucesso de gigantes do Vale do Silício acompanha uma onda de desregulamentações”, afirma.
Fontes: Exame, Hypeness, Revista Uno, Planeta Sustentável, O Globo, Le Monde Diplomatic