Em meio à onda de manifestações que tomou conta do país nas últimas semanas, a Rede Mobilizadores promove debate sobre o papel das redes sociais na construção da cidadania, em Fórum online que acontece de 26 de junho a 5 de julho. Eficazes como instrumento de mobilização, as redes sociais podem se tornar também espaços de participação social organizada? Quais as potencialidades e os limites dessas redes? Como usá-las de maneira eficaz para a defesa de direitos, o debate sociopolítico e a definição de novos projetos de sociedade?
Há 20 anos, seguindo o rastro do Movimento pela Ética na Política, foi criada, sob a liderança de Betinho, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que levou para as ruas milhões de cidadãs e cidadãos pelo fim da miséria e da fome no Brasil. Essa mobilização deu origem a diversas iniciativas, entre elas a criação do COEP. Agora, milhões de pessoas novamente voltam às ruas em centenas de cidades brasileiras. Dessa vez, no entanto, não há uma liderança mobilizadora por trás das manifestações, nem uma motivação clara e compactuada. É um movimento difuso, que se diz apartidário, sem foco único, o que o difere dos movimentos populares anteriores.
As principais características do atual movimento, como a utilização da internet, via redes sociais, na convocação dos protestos, o aproxima de diversos outros que surgiram em vários locais do mundo, nos últimos anos, como a Primavera Árabe; o Movimento à Rasca em Portugal; os Indignados da Espanha; a Revolta da Praça Tahrir, no Egito; o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos; e as recentes manifestações na Turquia, apenas para citar alguns exemplos (saiba mais sobre esses movimentos no texto abaixo). Sem considerar as peculiaridades de cada país ou região, as manifestações nesses diferentes locais do mundo parecem motivadas por uma grande insatisfação – com governos, modelos econômicos, sistemas políticos – e pela busca por direitos.
No que diz respeito ao Brasil, as primeiras leituras sobre as manifestações, em geral, demonstram uma insatisfação com o deficiente acesso a direitos básicos de cidadania como saúde, educação, moradia, mobilidade urbana, etc.
Diante deste cenário, é inegável a urgência de se fortalecer os canais existentes de participação popular, como os conselhos e fóruns de direitos, e de se tentar abrir novos caminhos que ampliem essa participação e possam fazer emergir propostas alternativas de desenvolvimento e melhoria nos serviços públicos.
Como instrumento de mobilização, as redes sociais possuem enorme poder de difusão, sobretudo, por força das imagens veiculadas e da capacidade de comunicação simultânea com o local e o global. Muitos especialistas também afirmam que a utilização das redes sociais, convocando pessoas a ocupar espaços públicos com reivindicações e protestos, pode vir a se configurar como uma estratégia de democracia direta na lacuna deixada pelo desconhecimento e/ou pela não participação nas esferas públicas tradicionais de representação social.
O fato é que as manifestações trouxeram perplexidade e desafiam a uma reflexão. As questões são muitas, mas por sermos uma rede de mobilização social, propomos um debate sobre o papel das redes sociais como instrumento de debate e de mobilização na sociedade contemporânea.
Um panorama dos movimentos que varreram vários países
Primavera Árabe
Em dezembro de 2010, um jovem tunisiano, Mohamed Bouazizi, ateou fogo ao próprio corpo como forma de manifestação contra as condições de vida no país em que morava. Ele não sabia, mas o ato desesperado, que terminou com a própria vida, daria consequência ao que, mais tarde, viria a ser chamado de Primavera Árabe. Protestos se espalharam pela Tunísia, levando o presidente Zine el-Abdine Ben Ali a fugir para a Arábia Saudita apenas dez dias depois. Ben Ali estava no poder desde novembro de 1987.
Com os recursos proporcionados pelas redes sociais o movimento se propagou para todo o Norte da África e Oriente Médio. Os protestos têm compartilhado técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios, bem como o uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional em face de tentativas dos países de repressão e censura na Internet.
Movimento à Rasca em Portugal
Em março de 2011, uma séria de manifestações, que ficou conhecida como Geração à Rasca, mobilizou Portugal e outros países. Um evento do Facebook e um blog foram o ponto de partida para o movimento de protesto, autointitulado “apartidário, laico e pacífico”, que reivindica melhorias nas condições de trabalho, como o fim da precariedade.
O manifesto incitava à participação numa manifestação dos”desempregados, “quinhentoseuristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal. As manifestações foram consideradas as maiores não vinculadas a partidos políticos desde a Revolução dos Cravos . Estima-se que entre 200 e 300 mil pessoas participaram do protesto em Lisboa. Houve manifestações em 11 cidades portuguesas.
Os Indignados da Espanha
Também em 2011, houve diversos protestos espontâneos na Espanha, chamados Indignados, Movimento 15-M e Spanish Revolution. Inicialmente organizados pelas redes sociais e idealizados e pela plataforma civil e digital ¡Democracia Real Ya! (Democracia Real Já!), os protestos obteveram nessa fase inicial o apoio de mais de mais de duzentas pequenas associações. Teve início em 15 de maio e convocou 58 cidades espanholas.
Os manifestantes reivindicavam uma mudança na política e na sociedade espanhola, pois consideravam que os partidos políticos não os representavam nem tomavam medidas que os beneficiacem. No decorrer do tempo, surgiu uma série de reivindicações políticas, econômicas e sociais heterogêneas, reflexo do desejo de seus participantes por mudanças profundas no modelo democrático e econômico vigente.
A maior parte dos manifestantes é de jovens, mas também participam idosos e famílias inteiras. Todos eles têm repetido a natureza pacífica dos protestos, fato que também é refletido pela imprensa mundial.
Revolta da praça Tahrir no Egito
A Revolução no Egito em 2011, também conhecida como Dias de Fúria, Revolução de Lótus e Revolução do Nilo, foi uma série de manifestações de rua, protestos e atos de desobediência civil que ocorreram no Egito de 25 de janeiro até 11 de fevereiro de2011. Os principais motivos para o início das manifestações foram a violência policial, leis de estado de exceção, desemprego, desejo de aumentar o salário mínimo, falta de moradia, inflação,corrupção, falta de liberdade de expressão, más condições de vida e fatores demográficos estruturais.
Um protesto organizado por vários movimentos, no Facebook, contra as políticas de repressão, tornou-se quase inadvertidamente numa contestação a todo o regime do presidente egípcio Hosni Mubarak. Em janeiro de 2011, 15 mil pessoas tomaram a Praça Tahrir e estima-se que em torno de 250 mil pessoas tenham participado das manifestações no dia 31 de janeiro. No dia 1º de fevereiro foi convocada uma “Marcha de um Milhão” para ocupar a praça. Estima-se que mais de 2 milhões de pessoas estiveram na praça no início das manifestações. Em 11 de fevereiro de 2011, depois de 30 anos, Hosni Mubarak renunciou ao poder.
Occupy Wall Street
O movimento Ocupe Wall Street (Occupy Wall Street) nasceu discretamente, em 17 de setembro de 2011, no Zuccotti Park, no distrito financeiro de Manhattan, na cidade de Nova York, quando alguns manifestantes começaram a acampar em protestos contra a desigualdade econômica e social, a ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas – sobretudo do setor financeiro – no governo dos Estados Unidos.
Em pouco tempo, as manifestações tomaram grandes proporções; centenas de milhares de pessoas protestavam não apenas nos Estados Unidos, mas também em países vizinhos, na Europa e até no Brasil. Os manifestantes se organizavam e se articulavam em seus celulares e tablets enviando mensagens incendiárias. Em algumas horas uma manifestação podia se formar. O movimento atraiu a atenção internacional. As pessoas se organizam em assembleias gerais, nas quais todas podem falar e participar das decisões coletivas.
No site occupywallst.org, o movimento é descrito como de resistência, sem liderança, “com pessoas de muitas cores, gêneros e opiniões políticas. A única coisa que todos temos em comum é que nós somos os 99% que não vão mais tolerar a ganância e a corrupção de 1%. Estamos usando a tática revolucionária da Primavera Árabe para alcançar nossos fins e encorajar o uso da não violência para maximizar a segurança de todos os participantes. Este movimento dá poder a pessoas reais para criar uma mudança real, de baixo para cima. Queremos ver uma assembleia em todo quintal, toda esquina, porque nós não precisamos de Wall Street e não precisamos de políticos para construir uma sociedade melhor”.
No momento, o movimento se dissolveu, mas as questões que levantou entraram na pauta da política americana.
Manifestações na Turquia
Em junho de 2013, a tentativa de impedir a derrubada das árvores do Parque Geza, na Praça Taskim, na cidade de Istambul, com o objetivo de dar lugar a um centro comercial, detonou uma série de manifestações. A polícia apareceu, expulsou violentamente os ocupantes, queimou tendas e pertences, e usou gás lacrimogênio e canhões de água para despejar os manifestantes. Essa faísca foi acessa, e se espalhou em apenas 48 horas.
As manifestações foram consideradas as maiores desde o golpe de estado militar de 1980 e tomaram a principal cidade da Turquia, Istambul, e outras importantes cidades. Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas gritando palavras de ordem contra o governo e promovendo “panelaços”, no melhor estilo argentino. O centro dos protestos tem acontecido na Praça Taksim, na cidade de Istambul.
As manifestações aumentaram na mesma proporção em que aumentava a violência policial, que deixou um saldo de mais de três mil pessoas feridas, das quais em torno de 30 em estado crítico, pelos menos duas pessoas mortas e mais de 1.500 pessoas presas somente na capital. O governo acabou optando por retirar as forças repressivas de cena e o presidente Abdulá Gül pediu desculpas aos manifestantes na tentativa de conter a escalada dos protestos. Após as manifestações, foi celebrado um acordo provisório, no dia 20 de junho,entre o governo e líderes do movimento que prevê a suspensão das obras no Parque Gezi.