Dois anos se passaram desde que o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo uniu quase 100 empresas na luta pelo fim das condições degradantes de trabalho. Desde então, a articulação da iniciativa privada nesse sentido foi fortalecida. Mas a ação das entidades de classe dos setores da soja, carne bovina e algodão não se mostrou tão eficaz quanto a atuação isolada de algumas empresas. Esse debate ocorreu no evento de aniversário do Pacto, realizado no dia 17 de maio, em São Paulo, e que reuniu aproximadamente 70 representantes de empresas, entidades de classe, governo e sociedade civil.
Vários exemplos de atuação de empresas e entidades foram apresentados e debatidos pelos participantes. Juntos, eles contam a história do engajamento, ainda incipiente, da iniciativa privada no combate ao trabalho escravo no Brasil. Engajamento que começou em fins de 2004, a partir de reuniões conduzidas pelo Instituto Ethos, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e ONG Repórter Brasil, que alertaram as empresas sobre seu envolvimento nas cadeias de comercialização de produtos advindos de fazendas com trabalho escravo.
Essas cadeias produtivas foram mapeadas pela Repórter Brasil em 2004, com base nas fazendas presentes na “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que relaciona propriedades flagradas com mão-de-obra escrava.
Caso Wal-Mart
O setor mais envolvido na cadeia produtiva do trabalho escravo, o da pecuária bovina, que hoje representa 62% das propriedades da “lista suja”, ainda não se mostrou empenhado no combate à prática. A Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), signatária do pacto e representante dos maiores frigoríficos do país, apresentou poucas medidas práticas de seus associados para erradicar a escravidão. Embora diversos deles apareçam, no estudo realizado pela Repórter Brasil, entre os compradores diretos de várias fazendas que utilizam mão-de-obra escrava.
Já grandes varejistas, como os grupos Carrefour, Pão-de-Açúcar e Wal-Mart, são signatários do Pacto e desde então se comprometeram a colocar em seus contratos de fornecimento cláusulas a respeito do trabalho escravo. O Wal-Mart teve, inclusive, um caso de corte de relação comercial com um frigorífico no norte do Tocantins, o Frinorte, porque o abatedouro não suspendeu negócios com uma fazenda reincidente em trabalho escravo. “Foi uma medida extrema porque o frigorífico não demonstrou interesse em dialogar a respeito do tema”, diz Paulo Mindlin, coordenador de assuntos corporativos do Wal-Mart.
A rede de supermercados adotou uma política incisiva com seus fornecedores, convocando os frigoríficos para uma reunião em sua sede, em Tamboré, região da Grande São Paulo. A Repórter Brasil esteve presente na reunião, encarregada de apresentar a situação do trabalho escravo no Brasil. O diretor nacional de perecíveis do Wal-Mart Luiz Fernando Rego pediu a todos os frigoríficos que estivessem presentes no evento do dia 17 de maio e assinassem também o Pacto, alertando para a postura clara da empresa de não mais aceitar comprar carne de quem não se comprometesse a erradicar o trabalho escravo em sua cadeia.
Para Paulo Mindlin, “a conversa com os frigoríficos não foi impositiva, nem uma ameaça, mas mostrou que o possível corte de relações comerciais é uma conseqüência lógica de uma política de responsabilidade social que não é mais opcional, mas uma obrigação para o grupo”.
Ainda assim, apenas um dos frigoríficos presentes nessa reunião compareceu ao evento, o Frigorífico Pamplona, especializado em suínos, que ainda não assinou o Pacto. E o frigorífico Friboi, o maior em abate do Brasil, assinou o Pacto apenas hoje (21), apesar da ausência no dia 17.
Antes dele, o único frigorífico a assinar o Pacto havia sido o Bertin – e o fez um dia antes do evento. Ele é o segundo maior abatedor e maior exportador brasileiro de carne. Recebeu em março um financiamento de 90 milhões de dólares da Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês) – braço de crédito privado do Banco Mundial – para ser aplicado na duplicação da capacidade de abate de sua unidade na Amazônia, em Marabá, no Pará. A assinatura do Pacto foi uma exigência do próprio Banco Mundial.
Fonte: Repórter Brasil, (www.reporterbrasil.org.br/ ) com base em matéria de Cláudia Carmelo.