A ex-catadora do Lixão da Estrutural Maria de Jesus Pereira de Sousa, 27 anos, transformou a vida de mulheres da cidade. Mãe de uma menina de 5 anos, teve de deixar o local de trabalho após uma série de problemas de saúde. Resolveu, então, usar a limitação em oportunidade. Em troca de doações, em 2011, começou a cuidar de filhos de amigos, de colegas e de vizinhos. De meia dúzia a algumas dezenas, hoje, ela e 30 voluntários se revezam para atender 120 meninos e meninas entre 2 e 6 anos na Creche Alecrim. As atividades começaram em um pequeno espaço de alvenaria. Agora, conta com cozinha e quarto separado para bebês e crianças maiores. Funciona na Quadra 1 do Setor Leste da Estrutural, cidade-satélite do DF.
A história da creche começa com Maria de Jesus e a filha. A menina tinha 2 anos, e a mãe não tinha com quem deixá-la. Precisou levar a garota para o Lixão durante 12 dias e 12 noites. Depois disso, Maria sofreu uma grave tendinite no braço esquerdo e precisou interromper o serviço de catadora. “Eu perdi 5% do movimento do braço esquerdo. Tive de parar. Decidi, então, que daria mais oportunidade a outros catadores. Foi quando comecei a ficar com as filhas de minhas vizinhas e amigas. Não cobrava. Hoje, cuidamos de mais de 100 crianças”, conta.
Elas ficam na Alecrim em período integral, das 8h às 17h. Os voluntários se revezam por turnos. Em um quarto pequeno, fechado com grade, fica o berçário. No térreo, há um segundo quarto, para a hora da soneca dos mais velhos, além de um pátio, usado para recreação. “Os cuidadores chegam às 6h40 para preparar o espaço e a refeição. Elas (as crianças) entram às 8h. Fazemos uma oração, servimos o café da manhã e, depois, é o horário de ler histórias. Tem um tempo para brincadeiras, em seguida, é a hora da higiene, do almoço, de escovar os dentes e de tirar um cochilo. Esta creche é a minha vida. Não consigo me imaginar sem ela”, diz Maria de Jesus.
O local se mantém com a ajuda da comunidade. Segundo Maria de Jesus, tudo é doado. O espaço funciona no limite e há uma fila de 300 famílias à espera de uma vaga. A voluntária Daniele da Silva Dias, 19 anos, costuma trabalhar mais de um turno. “Venho porque a creche é importante para as mães da Estrutural. Dá condições de trabalho para muita gente. É essencial para as próprias crianças, que não ficam sozinhas”, conta.
Assim, a Creche Alecrim se tornou um lugar seguro. Muitas crianças não têm mãe, são criadas por tias ou avós, ou os pais estão presos ou morreram assassinados. Diante do trauma e das dificuldades, meninos e meninas ganham a oportunidade de se socializar. “Esse é o perfil deles. Alguns têm em mim a figura de mãe. Nós mantemos o diálogo com os familiares sempre. Na hora de buscá-los, sempre conversamos com os responsáveis, caso a gente perceba alguma situação de agressividade, ou se alguma delas está muito quieta ou triste”, comenta Maria de Jesus.
Mobilização – A creche, que virou referência para a comunidade, também chamou a atenção de estudiosos. A assistente técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea) e coordenadora do Fórum de Mulheres do Distrito Federal, Leila Rebouças, explica que a falta de creches públicas em locais carentes incentiva a mobilização. “Eu conheci a Alecrim no ano passado. Tive contato com algumas mães da Estrutural e soube do projeto, realizado por mulheres que cuidam das crianças por diversos motivos. Um deles é a falta de garantia de instituições desse tipo na cidade. Essas mulheres precisam trabalhar e não têm com quem deixar as crianças”, destaca.
História de superação – Idealizadora da Creche Alecrim, Maria de Jesus Pereira de Sousa, 27 anos, nasceu em Floriano, no Piauí, e veio para o Distrito Federal ainda criança. Foi criada pelos irmãos mais velhos na Estrutural. Ela estudava no Guará e, muitas vezes, seguia a pé para o colégio. Com o trabalho de catadora, chegou a iniciar a faculdade de pedagogia, mas não conseguiu dar continuidade ao curso. Em 2009, tornou-se mãe, mas perdeu o marido, que era pedreiro, em agosto de 2013. Ele sofreu um infarto. Recentemente, Maria foi diagnosticada com o mal de Chagas e passou a delegar parte das atividades da creche para os voluntários.
Fonte: Correio Braziliense