Uma pesquisa apresentada recentemente no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo fornece subsídios para que os profissionais envolvidos no processo de adoção consigam identificar nos candidatos a pais alguns fatores de risco que sinalizem a possibilidade de ocorrer uma devolução. A autora do estudo, a psicanalista Maria Luiza de Assis Moura Ghirardi, destaca o intenso sofrimento causado pelo processo de devolução tanto para a criança, como para os pais adotivos.?Nas entrevistas que antecedem a adoção, os técnicos do judiciário [psicólogos e assistentes sociais] deverão observar as angústias e preocupações reveladas pelos candidatos a pais por meio do discurso que eles usam. Isso ajudará esses profissionais a compreenderem qual o lugar que aquela criança vai ocupar no imaginário de quem pretende adotá-la. E nem sempre este lugar é o de filho?, aponta a Maria Luiza.Segundo ela, a pesquisa também poderá ajudar nos casos em que, após vários anos vivendo com a criança adotada, os pais apresentam a intenção de devolvê-la por dificuldades de convivência. Afirma ainda que a intervenção profissional poderá reverter a devolução.A psicanalista entrevistou dois casais e uma mãe que se viam diante de uma possível devolução das crianças que haviam adotado. O primeiro casal havia adotado, há vários anos, um menino ainda bebê e tinha a intenção de devolvê-lo, já na adolescência, por problemas de convivência. O segundo casal havia adotado uma menina de 5 anos, mas queria devolvê-la no estágio de convivência, após cerca de três semanas. A outra mãe entrevistada queria devolver um casal de irmãos adotados aos 7 e 5 anos, após uma convivência de cerca de um ano e meio. Apenas no primeiro caso a criança adotada permaneceu com os pais adotivos. Nos outros dois, as crianças foram devolvidas para o Estado.Maria Luíza trabalhou com duas hipóteses que permeiam o ato da devolução: a dificuldade de os pais inserirem no próprio imaginário a criança adotada na condição de filho e a ?fantasia da devolução?: ?Só podemos devolver aquilo que não nos pertence. No caso de um filho biológico é como se a criança ?pertencesse? aos pais. Então, ela não pode ser ?devolvida?, mas sim abandonada. O mesmo não ocorre com uma criança adotada, pois ela poderá ser devolvida para a família biológica ou para a tutela do Estado?, explica a pesquisadora. ?Essa ?fantasia da devolução? é uma experiência psíquica que faz parte do contexto de toda adoção, e poderá surgir, em maior ou menor intensidade, nos momentos de conflito com a criança?, esclarece.Conjunto de fatoresDe acordo Maria Luiza, um dos fatores de risco é a chamada ?fantasia de apropriação indevida? que pode ser visível em frases como ?Tenho medo que a família biológica queira tirar a criança de mim?, ou ?Me sinto um pouco mal, pois acho que tirei (ou roubei) a criança da mãe?. ?É uma característica que pode ser considerada como o germe da devolução, pois mostra a existência em intensidade da ?fantasia de devolução? por meio de seu sentido oposto [medo que os pais biológicos exijam a devolução da criança]?, aponta.Um outro fator de risco refere-se à origem da criança. ?Os técnicos envolvidos no processo de adoção devem observar quais são os pensamentos dos candidatos sobre o fato de a criança ter uma outra origem?. Maria Luiza dá alguns exemplos de como esse fator pode se manifestar: ?Diante de uma situação de conflito, um dos pais [ou ambos] poderá ficar lembrando disso o tempo todo, fazendo comentários que remetem a essa outra origem, como: ?Eu tirei você de um lugar ruim?, ou ?Esse seu sangue ruim só pode ter vindo da sua família biológica??.Outro ponto a ser observado é a presença da ?adoção por altruísmo?. ?São pessoas que se consideram ?bondosas?: estão bem economicamente e desejam adotar uma criança pobre com o objetivo de lhe oferecer boas condições de vida?, explica. ?Porém, muitas vezes esse sentimento de altruísmo esconde frustrações internas profundas e uma baixa auto-estima. São condições que irão interferir, no futuro, em seu relacionamento com a criança, dando margem à criação de inúmeros conflitos que podem culminar com a devolução?, esclarece.O conjunto desses fatores de risco ? e não apenas um deles isoladamente ? é que vai indicar se existe a possibilidade de uma futura devolução. Maria Luiza aponta ainda que a infertilidade do casal, quando as perdas provenientes da impossibilidade de gerar o próprio filho não foram devidamente elaboradas, poderá se tornar um fator de risco. ?As altas expectativas diante da criança adotada também se tornam um fator de risco, pois as idealizações tendem a criar fracassos?, comenta.A adoção é um ato irrevogável e acontece apenas quando os técnicos percebem que a criança está sendo rejeitada de uma maneira tão intensa que torna inviável a sua permanência com a família adotiva.Mais informações sobre o estudo pelo telefone (11) 5093-9024 ou e-mail mlghirardi@terra.com.br, com Maria Luiza Ghirardi.