Cem horas de filmes, sessenta depoimentos de pessoas com idades entre 62 e 101 anos e dez aldeias percorridas, entre agosto e setembro de 2007, possibilitaram a criação de cinco documentários e um cd de cantigas e músicas tradicionais que retratam a memória social e história oral de indígenas da etnia Mura, na Amazônia. O objetivo é usar os documentários como material didático audiovisual para os próprios índios, em suas escolas.
Os filmes têm quatro linhas temáticas – “A Pajelança Mura”; “Gíria e Língua Geral”; “Memória, História e Meio Ambiente”; “Visagens, Misuras e Encantados” e “Dirijo” – que foram definidas pelos professores indígenas integrantes da equipe técnica do projeto “Documentação Audiovisual e Recuperação do Patrimônio Imaterial dos Pajés e Pearas Mura, AM, Brasil”. Alguns desses professores participaram também como articuladores, produtores de campo e condutores da estratégia de abordagem e da linha discursiva adotada nas entrevistas.
Os documentários foram patrocinados pela Petrobras, com incentivo do Ministério da Cultura. A direção ficou a cargo do documentarista Raoni Valle, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (NPCHS/Inpa), e da Organização dos Professores Indígenas Mura (Opim).
De acordo com Valle, o material é de fundamental importância por resgatar uma cultura que se encontra fragmentada pelo estado do Amazonas em aproximadamente 11 municípios. “As informações encontram-se distribuídas nas lembranças, discursos, práticas e crenças de velhas ceramistas, rezadeiras, parteiras, índios tuxauas e benzedores, pessoas de avançada idade, a maioria com mais de 70 anos. Mas agora parte delas pode ser conferida nos documentários”, explica do documentarista.
Valle explica ainda que os documentários só foram possíveis porque foi desencadeado um processo de revalorização da identidade indígena, ressignificação e redescoberta do passado dos Mura, o qual teve início com a promulgação da Constituição de 1988, com a Legislação Indigenista.
“Todo esse processo levou à organização política de suas lideranças e ao delineamento do projeto político-pedagógico diferenciado dos professores indígenas, bastante intenso nas aldeias do município de Autazes (AM), no baixo rio Madeira, a 120 quilômetros de Manaus”, afirma.
Sobre os documentários
O primeiro filme é “A Pajelança Mura”. Com duração de 55 minutos, apresenta o cotidiano dos pajés, curadores, rezadores, parteiras e benzedores. Ou seja, suas práticas e crenças, bem como o mundo simbólico e a materialidade explícita na relação dos pajés com as aldeias, as pessoas comuns e com o mundo invisível.
O segundo, “Gíria e Língua Geral”, com duração de 40 minutos, mostra todas as referências à língua indígena que emergiram nos depoimentos. Segundo Valle, dois personagens se destacam: Francisca do Pantaleão e Barão do Guapenú. Eles apresentaram longas seqüências faladas em dialetos de Língua Geral e Tupi, depois traduzidas para o Português. “Os outros entrevistados apenas emitiram fragmentos de uma língua perdida na memória social da etnia”, salienta.
“Memória, História e Meio Ambiente” é o terceiro filme da série e tem duração de 55 minutos. Reúne mais de 40 depoimentos: de pajés, lideranças, pearas (curandeiros) e pessoas comuns legitimados nas aldeias como contadores de estórias e Histórias. “O filme traça um panorama geral dos elementos constituintes da memória social e história oral dos Mura, em que a cultura e o meio ambiente se inter-relacionam numa perspectiva das mudanças históricas e socioambientais transcorridas nas aldeias nos últimos 70 anos”, afirma.
Já o universo mítico e religioso é retrato no documentário “Visagens, Misuras e Encantados”, que serve de palco para a “Cobra Grande”, o “Boto Vermelho”, os “Encantados do Fundo”, o “Mapinguari” e o “Juma” entrarem em cena. Já no quinto documentário, “Dirijo”, de 12 minutos, é traçado um panorama do antigo e extinto uso de Cannabis Sativa entre os anciões Mura, que era utilizada como substância alucinógena.