Em 1º de abril, o Brasil relembra o golpe militar deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart e que deu início a um dos períodos mais conturbados e sombrios da história do país: a Ditadura Militar. Nos mais de 20 anos que se seguiram à tomada de poder, o país sofreu com a perda das liberdades individuais, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política, repressão violenta às manifestações democráticas, torturas e assassinatos.
Um dos motivos que conduziram ao golpe foi uma campanha, organizada pelos meios de comunicação, para convencer as pessoas de que o presidente João Goulart levaria o Brasil a um governo comunista semelhante ao adotado na China e em Cuba. Por isso, o golpe foi bem recebido por grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja católica, e amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar.
Temia-se a implantação de um conjunto de reformas, especialmente a reforma agrária, que traria como consequência imediata a diminuição do poder dos grandes proprietários. Os “coronéis” mantinham os camponeses sob seu domínio e assim manipulavam as eleições, elegendo representantes que defendiam sempre seus interesses, prática que impedia a formação de uma consciência de cidadania.
Favorecimentos ao capital e arrocho salarial
O professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul José Carlos Moreira lembra que “durante um bom tempo a política econômica implementada a fórceps pelos governos militares favoreceu largamente as elites empresariais e o capital estrangeiro no Brasil. Houve um forte estímulo e crescimento das exportações, trazendo uma sensação de euforia que ficou conhecida como ‘milagre econômico. Aproveitando o crescimento das importações e o afluxo maior do capital estrangeiro, a ditadura reprimiu violentamente as demandas trabalhistas. O arrocho salarial foi praticamente uma constante ao longo dos 21 anos de ditadura, houve quase nenhuma política expressiva ou destinação de recursos significativos para a educação e a saúde, o crescimento da dívida externa foi exponencial, chegando a 43 bilhões e meio de dólares em 1978. Em 1984, já no finzinho da ditadura, e após o ‘milagre’ ter se dissipado e a recessão ter imperado, tinha-se uma inflação anual de 224% e a dívida externa continuava alta”.
Muito dos problemas sociais e econômicos que perduram no Brasil até hoje iniciaram durante o regime ditatorial. Para manterem-se no poder por tanto tempo, os governos militares distribuíram concessões de rádio e televisão, terras, poder e, muito dinheiro.
Golpe na democracia e nos direitos humanos
Além de favorecer economicamente apenas as elites e o capital estrangeiro, o regime implantado após o golpe era baseado na “doutrina de segurança nacional”, frontalmente contrária aos princípios da autêntica democracia e dos direitos humanos.
Foram editados18 atos institucionais, dos quais os mais lembrados são os cinco primeiros e, particularmente, o AI-5. “Ele é instituído após o fechamento do Congresso Nacional, suspende garantias de vitalicidade dos juízes de direito e permite sua remoção arbitrária, favorece o decreto do estado de sítio sem as limitações impostas pela Constituição Federal e suspende o habeas corpus, além de determinar o julgamento de crimes políticos por tribunais militares, nos quais o réu não tem direito a recorrer da decisão judicial”, afirma a professora Sirlei Teresinha Gedoz, do curso de História da Unisinos.
Efeitos que perduram
Na avaliação da psicóloga e coordenadora do Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, a Ditadura Militar provocou efeitos marcantes que ainda hoje permeiam a sociedade brasileira: o obscurantismo de parte de nossa história, a criação da figura dos “desaparecidos”, a naturalização dos autos de resistência e a banalização da tortura.
No entanto, ainda que nela tenha sido refinada e naturalizada, a violência institucionalizada não foi invenção da ditadura, mas faz parte de um contexto que sempre permeou a história do país. Cecília Coimbra afirma que “carregamos em nossa história mais de 300 anos de escravidão, em que o negro é tratado como mercadoria. Isso gera um contexto em que certas pessoas não são humanas. Certas pessoas precisam ser tratadas de forma diferente, e para elas vale tudo.” Durante a ditadura, esses párias sociais eram os “comunistas” ou “terroristas”, para os quais a tortura era mais do que justificada em nome da “segurança” dos demais. Hoje, como vemos nos inúmeros casos de justiceiros que assolam o país, estes párias são os pobres, os favelizados e os “criminosos”.
Clique aqui e leia o depoimento dado por Cecília Coimbra às comissões nacional e estadual da verdade sobre as torturas que sofreu durante a ditadura militar.
Fontes: CPDOC/ FGV; DH Net; Instituto Humanas Unisinos