As comunidades, a desigualdade social, o crime, a violência e a vontade de mudar são temas constantes dos vídeos e do jornal produzidos pelos jovens que estão em privação de liberdade nos Centros de Socioeducação (Cense) São Francisco, Joana Miguel Richa e Fazenda Rio Grande, no Paraná. Depois de um semestre de atividades do projeto Luz, Câmera…Paz! nas unidades, eles arregaçaram as mangas e produziram materiais para mostrar o que esperam da sociedade. O projeto é desenvolvido pela Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Ciranda).
?Por mais que tenhamos errado, todos devem ter uma nova chance. Também sonho com um mundo onde os presidentes e governantes sejam responsáveis. Que prestem mais atenção. Que percebam que não adianta construir um monte de cadeias e deixar o jovem preso, mas sim investir e acreditar?, afirma César [nome fictício], de 18 anos, um dos garotos do Cense São Francisco.
A casa, que em 2004 foi palco da maior rebelião de adolescentes ocorrida no Paraná, hoje abriga 130 meninos autores de atos infracionais, divididos por quatro alas. Entre cursos como elétrica e panificação, que já despertou em João [nome fictício], de 19 anos, a vontade de abrir uma padaria quando sair da unidade, eles estudam e fazem planos. ?Vou sair daqui a 60 dias e voltar para minha cidade. Depois, quero cursar Administração?, conta o garoto. João aprendeu a ler e escrever sozinho, mas só teve acesso à educação no Educandário, por meio da Educação de Jovens e Adultos. Há oito meses no Centro, ele também pretende escrever um livro sobre sua história. ?Acho que se eu parar pra escrever, consigo terminar tudo em dois dias. Quero contar a minha fase ruim, a época em que tinha dez anos e trabalhava como peão. Mas também mostrar para as pessoas como consegui mudar?, afirma.
O projeto Luz, Câmera…Paz! acontece no setor de segurança do Centro, com 19 jovens, e é uma das iniciativas que ajuda a transformar a realidade por meio da comunicação. De acordo com o coordenador do Luz, Téo Travagin, o objetivo é abrir espaços para que os adolescentes expressem suas opiniões e pontos de vista sobre a realidade que vivenciam. ?Utilizamos a Comunicação Social como ferramenta para que esses jovens digam o que pensam. Eles têm potencial para oferecer muita coisa boa à sociedade?.
A apresentação dos trabalhos do São Francisco, realizada no final de julho, foi acompanhada por cerca de 50 pessoas, incluindo jornalistas, profissionais do Centro e convidados. Além do vídeo e do jornal ?Pare e veja o que eu tenho para lhe dizer?, eles apresentaram um teatro, cantaram raps, jogaram capoeira e dançaram hip hop.
Para a coordenadora da Ala da qual pertencem os jovens integrantes do projeto, Iliete Sansana Gallotti, a iniciativa ajudou a quebrar paradigmas. ?É a primeira vez que temos tantos convidados de fora na unidade. E hoje podemos dizer que a imprensa não está aqui para falar de uma rebelião, mas sim do que os jovens pensam?.
Depois da rebelião
O incidente de 2004, que culminou com a morte de sete garotos do São Francisco, mobilizou especialistas, instituições que atuam na defesa e promoção dos direitos de adolescentes, além do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e do Instituto de Ação Social do Paraná (IASP) – órgão público então responsável pelos educandários (no segundo semestre de 2007, a nova Secretaria de Estado da Criança e Juventude assume essa função).
De outubro a dezembro daquele ano, uma comissão visitou as instituições de internação e avaliou a situação dos educandários e dos meninos que estavam cumprindo medida de privação de liberdade. O relatório final foi entregue ao governador do estado, Roberto Requião, relatando violações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como problemas na estrutura física das unidades, nas oficinas profissionalizantes e no ensino regular. O governo resolveu criar, então, uma unidade para adolescentes de alto-risco, a Fênix, em Piraquara, e implementar o Programa de Internação Masculina no Cense Fazenda Rio Grande, com 20 vagas para adolescentes caracterizados como primários. Com isso, a lotação do São Francisco reduziu de 237 adolescentes, em 2004, para os atuais 130.
Fonte: Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (www.ciranda.org.br), com base em matéria de Mariana Franco Ramos.