A contribuição da leitura na construção e reconstrução do sujeito em situações de crise foi o tema da apresentação da antropóloga francesa Michele Petit, durante o Encontro Internacional Literatura e Ação Cultural, realizado em São Paulo (SP). A pesquisadora falou de experiências envolvendo jovens saídos de guerrilhas e de catástrofes naturais, usuários de drogas, de baixa renda e escolaridade, que participaram de atividades nas quais a leitura ajudou na superação da dor.?A leitura e literatura têm um papel fundamental de reconstrução em tempos difíceis. Elas muitas vezes dão a construção de sentidos, ajudam a nos compreender e a entender melhor o mundo. Com isso, recriamos o chão perdido e superamos as dores?, disse Michele, pesquisadora do Laboratoire LADYSS Université Paris.A antropóloga é responsável por um estudo que analisa 15 programas que apóiam jovens em situações de crise em países europeus e latino-americanos. Ela entrevistou adolescentes e analisou o papel da leitura em tempos difíceis. ?O estudo inclui tanto jovens saídos de guerrilhas e de catástrofes naturais, que sofreram com deslocamento forçado de região, como jovens usuários de drogas, de baixa renda, baixa escolaridade e em situação de risco e miséria?, explicou.A leitura como forma de superaçãoPara Michele, a leitura ajuda a revelar regiões das próprias pessoas que antes eram desconhecidas, além de enriquecer a atividade psíquica e os bens culturais, permitindo um desvio vital, que rompe com cada indivíduo, redirecionando o pensamento e a memória. ?A leitura funciona como um conselheiro da dor, um acolhedor nos momentos difíceis. Por isso, ela tem esse papel tão importante de construção e reconstrução do sujeito?.Segundo a antropóloga, ler é um convite a liberdade, uma chance de cada um construir o seu caminho e enfrentar as dificuldades. ?Cada leitor age de uma forma singular, baseado em suas próprias histórias e vivências, o que torna a leitura um espaço de construção único, próprio e íntimo. Um lugar onde se encontra um refúgio, diversos laços, personagens e histórias?, completou.Michele também explicou que ler faz as pessoas falarem. ?Depois de uma leitura, as histórias afloram. Lembramos de muitos momentos, de nossas vivências. A leitura nos ajuda a viver, a pensar, a achar o seu lugar no mundo, a aceitar a realidade que devemos enfrentar e dar sentido as coisas, a vida?.De acordo com a antropóloga, a leitura tem um importante papel, pois facilita o envolvimento com outras pessoas e estimula as trocas, as discussões, o compartilhamento de história. ?Aceitar e entender a si mesmo e ao outro é fundamental. Olhar as coisas de outra perspectiva e descobrir outros mundos são experiências muito ricas, que nos estimulam a contar o que passamos, seja uma perda, uma falta, uma transfiguração, um trauma?.A pesquisadora também ressaltou a relevância de mitos e contos. ?Mitos e contos recorrem à tradição oral, estimulam a memória, como um exercício terapêutico ou uma atividade psíquica?.Michele deu como exemplo um projeto na Colômbia com refugiados, onde os encontros se basearam nos relatos de Homero. ?Através das passagens de Homero, houve uma identificação. Os refugiados colombianos aprenderam a lidar com suas próprias perdas e com suas dores, pois é a mesma história. História de um povo que sofre com a guerra, com o deslocamento e com a perseguição?.