Temporais, enchentes, deslizamentos de terra, desmoronamentos, perda de vidas, prejuízos materiais. Nada disso é novidade no Brasil, especialmente no verão. Entra ano, sai ano, as manchetes dos veículos de comunicação pouco se alteram. Mudam o lugar, o número de desabrigados e o de pessoas que perderam a vida, mas os eventos são invariavelmente os mesmos: chuvas intensas e cidades despreparadas.
As principais causas também são conhecidas: excesso de lixo que assoreia os rios, moradias construídas à beira de corpos d´água ou em encostas, desmatamento, e gestões públicas incapazes de instituir um planejamento urbano eficiente e contínuo, que melhore as condições de vida das populações em vulnerabilidade, evitando que ocupem áreas de risco; falta de investimentos em contenção de encostas, em sistemas de alarme e em orientação à população; entre outras.
Inundações são o tipo de desastre mais comum no Brasil
As inundações urbanas decorrentes de chuvas intensas são consideradas o tipo mais frequente de desastre no território brasileiro. Elas acarretam perdas humanas, materiais e a região atingida pode levar anos até que consiga se recuperar.
As enchentes também representam riscos, a curto e a longo prazos, à saúde humana: além da possibilidade de morte e lesões, a vulnerabilidade da população durante a fase de recuperação pode torná-la mais suscetível a enfermidades – principalmente quando os sistemas de distribuição de água tratada, coleta de lixo e esgoto são afetados.
Um problema secular
E o problema é muito antigo. Em janeiro de 1915, Lima Barreto já escrevia:
“As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas. Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis”.
Pouco investimento governamental
Um relatório sobre o histórico de tragédias naturais no Brasil entre 2000 e 2010, feito pela Comissão Especial de Medidas Preventivas e Saneadoras de Catástrofes Climáticas da Câmara dos Deputados e lançado em 2012, concluiu que o governo pouco realizou para evitar as tragédias.
Nesse período, cerca de 2 mil pessoas morreram em acidentes climáticos. No ano de 2010, considerando dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil, foram registradas ocorrências em 883 municípios.
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Piauí, Bahia e Rio Grande do Sul são os sete estados que mais sofreram de 2000 a 2010, segundo o relatório da Câmara. As tragédias prejudicaram, direta ou indiretamente, 10,4 milhões de pessoas.
No estado do Rio, as catástrofes foram agravadas pelo “incremento da construção civil e reocupação de áreas de risco”. Os deputados afirmam que, na serra fluminense, 85% das áreas atingidas por deslizamentos em 2011 “foram desmatadas ou alteradas pela ação do homem”.
Gasto em socorro é maior do que em prevenção
A falta de investimentos em prevenção citada no relatório da comissão é ratificada por estudo divulgado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A pesquisa mostra uma disparidade entre as verbas aplicadas no socorro às cidades e as usadas na prevenção. Segundo a CNM, de 2006 a 2011, o governo federal gastou R$ 745 milhões para prevenir acidentes, contra R$ 6,3 bilhões no socorro.
“O governo praticamente não destina nada para a prevenção. Quem é contemplado com ações de socorro enfrenta a burocracia. No primeiro ano, recebe uns 8% da verba anunciada, no ano seguinte, 20%, e depois o que falta cai em restos a pagar e não aparece nunca mais”, reclama o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
Populações vulneráveis são as principais vítimas
Os mais pobres são os mais vulneráveis em casos de eventos climáticos extremos. Levantamento do Center for Research on the Epidemiology of Disasters (Cred), organização sediada na Bélgica, mostra que países pobres lideram o número de mortes por inundações.
Um relatório de 2009 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) afirmava que apesar de apenas 11% das pessoas expostas a catástrofes naturais viverem em países pobres, é nesses países que ocorrem mais de 53% das mortes.
Desabrigados ficam esquecidos
Segundo Gustavo Cunha Mello, especialista em gerenciamento de risco, após as inundações e deslizamentos, as pessoas atingidas em geral são encaminhadas para abrigos temporários, mas o governo não promove as reformas e/ou reconstruções necessárias e, após um tempo, quando o evento já saiu da mídia, as pessoas são obrigadas a deixar o abrigo. Sem ter para onde ir, muitas voltam para suas casas, condenadas por risco de desabamento, ou voltam a construir moradias em áreas vulneráveis.
Quase quatro anos depois, vítimas da tragédia no Morro do Bumba, em Niterói, ainda se arriscam vivendo em encostas, aguardando casas prometidas pelos políticos.
Gustavo Cunha Mello também ressalta que as prefeituras, em geral, não trabalham com gerenciamento de risco. Segundo ele, o órgão federal de Defesa Civil deveria ajudar as prefeituras a fazer esse gerenciamento.
Saiba mais:
Acesse aqui o texto completo e veja as enchentes mais emblemátivas de 1966 até hoje.
Participe do fórum “Temporais: estamos preparados?”, que acontece de 27 a 31 de janeiro. Clique aquipara participar.