O combate à violência praticada contra a mulher tem um símbolo no Brasil: Maria da Penha. Farmacêutica bioquímica, Maria da Penha foi ferida com um tiro disparado pelo ex-marido, que a deixou paraplégica. Foram necessários quase 20 anos para que o ex-marido fosse condenado pelo crime que cometeu. Ele ficou preso dez anos e hoje está livre. O caso ganhou repercussão e, apesar da morosidade da Justiça, resultou na principal ferramenta jurídica de defesa das mulheres vítimas de violência.
Ter seu nome vinculado à lei não a faz esmorecer. Em entrevista ao programa 3 a 1, da TV Brasil, ela admitiu que a lei sozinha, só no papel, não funciona. “Falta criar políticas públicas, [e investimentos em] delegacias da mulher, centros de referências da mulher, casa-abrigo e juizado”, disse Maria da Penha. “Mas não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado [para atender à mulher]”, acrescentou.
Maria da Penha lembrou dos momentos em que foi vítima da violência do ex-marido, que chegou a simular um assalto para esconder da Justiça a agressão que praticara contra ela. “Numa madrugada eu acordei com um forte estampido dentro do quarto, quis me mexer e não consegui. Pensei: o Marco me matou”.
Maria da Penha ficou internada por quatro meses, ainda confusa sobre o que havia ocorrido exatamente, até tomar conhecimento de que o ex-marido havia contado uma versão mentirosa às autoridades, de que o tiro havia sido disparado por um dos assaltantes que entraram na casa. Em outra ocasião, lembrou a farmacêutica, ele tentou eletrocutá-la, danificando o chuveiro elétrico. Na época, as filhas do casal tinham 7, 4 e 2 anos de idade. Em outra ocasião, lembrou a farmacêutica, ele tentou eletrocutá-la, danificando o chuveiro elétrico.
Durante a gravação do programa, ela falou da relação entre as filhas e o pai e contou que, para manter a família, perdoava “grosserias” e “condutas” do marido. Ela contou que o ex-marido agredia as crianças com frequência e, que, diante disso, as meninas encararam bem a separação e o fato de a mãe ter denunciado o pai. “Conversei com ele várias vezes sobre nos separarmos. Mas eu não tinha coragem de enfrentar uma separação sem ele querer, pelo medo que eu tinha dele”.
Penha considera a divulgação de casos iguais ao dela, ocorrido em 1983, muito importante. “[Por isso,] vou escrever um livro e contar minha história”, anunciou durante o programa. “O livro vai mostrar que o Poder Judiciário não faz justiça e que as políticas públicas que devem ser criadas para atender à lei não existem. [E mostrar que] gestor público não se sensibiliza [em casos que envolvem violência contra mulheres]”. Ela espera que, com o livro, as pessoas se conscientizem sobre a importância de fortalecer as políticas públicas que combatam a violência contra a mulher.
A lentidão do Judiciário foi criticada por ela durante a entrevista. “Eu vi a demora do Poder Judiciário, deixando o processo dentro das gavetas e atendendo recursos procrastinadores [impetrados com o objetivo de atrasar o processo]”. Penha lembrou que no primeiro julgamento o marido foi condenado a uma pena de oito anos, mas acabou livre por causa de recursos.
“Naquele momento, eu fiquei muito angustiada. Já era conduta do Judiciário garantir a impunidade dos agressores na época”, disse ela ao lembrar os efeitos que a situação causava em sua família. “Precisamos criar nossos filhos em um ambiente saudável, uma ambiente sem violência”, acrescentou. “E não adianta ter a política pública se quem está trabalhando não for sensível e não for capacitado. Mudar a cultura é difícil. Tem de haver um olhar público para quem tem a responsabilidade de aplicar e dar agilidade aos processos”.