Por iniciativa da sociedade civil internacional, foi realizado, de 14 a 16 de outubro, em Haia (Holanda), o Tribunal da Monsanto. O objetivo foi responsabilizar a empresa por violações de direitos humanos, por crimes contra a humanidade e contra o ambiente. Os organizadores explicam que a iniciativa visa todo o sistema agroindustrial.
Para além da Monsanto, a meta dos organizadores, liderada entre outros pela ativista Vandana Shiva, foi montar um processo exemplar para denunciar todas as multinacionais e empresas com um comportamento empresarial que ignore os danos à saúde e ao ambiente causados pelas decisões que tomam.
Grupos de trabalho estudaram os impactos das atividades da Monsanto com base em seis questões: direito a um ambiente saudável; direito à saúde; direito à alimentação; liberdade de expressão; liberdade de investigação acadêmica; crime de ecocídio.
A empresa
A Monsanto é uma empresa transnacional de agricultura e biotecnologia sediada nos Estados Unidos. É líder mundial na produção de sementes geneticamente modificadas e na produção do glifosato, agrotóxico vendido sob a marca Roundup, que foi classificado, em março de 2015, como “potencialmente” carcinogênico pela Agência Internacional de Pesquisas do Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, tem desenvolvido uma série de produtos tóxicos que danificam permanentemente o ambiente e são a causa de doenças, ou até de mortes, para milhares de pessoas em todo o mundo.
É considerada uma das principais empresas promotoras do modelo agroindustrial que contribui para, ao menos, um terço das emissões mundiais antropogênicas de gases de efeito estufa. É também, em grande parte, responsável pelo esgotamento dos solos e dos recursos hídricos, pela extinção de espécies e declínio da biodiversidade, e pelo deslocamento de milhões de pequenos agricultores em todo o mundo. Os organizadores do tribunal afirmam que a empresa ameaça a soberania alimentar dos povos ao patentear as sementes, privatizando a vida.
Segundo as críticas mais frequentes, a Monsanto é capaz de ignorar os danos humanos e ambientais causados pelos seus produtos, mantendo suas atividades de devastação e recorrendo sistematicamente a estratégias de ocultação: pressionando agências reguladoras e governos, recorrendo à mentira e à corrupção, financiando estudos científicos fraudulentos, pressionando cientistas independentes, manipulando a imprensa, etc. A história da Monsanto constitui-se, assim, como um modelo clássico de impunidade, beneficiando corporações transnacionais e seus executivos.
Atualmente, nenhum instrumento jurídico permite processar penalmente uma empresa como a Monsanto, nem os seus dirigentes, que são responsáveis por crimes contra a saúde humana ou contra a integridade do meio ambiente.
A cada ano, a Monsanto reserva somas vultuosas para fazer face às ações que as vítimas dos seus produtos poderiam intentar. Na avaliação dos organizadores do tribunal, enquanto for mais vantajoso para os acionistas da Monsanto colocar em risco a coletividade – mesmo se de vez em quando tiverem de indenizar vítimas – essas práticas permanecerão.
O Tribunal
O Tribunal Penal Internacional (TPI) é o primeiro tribunal penal internacional permanente. Ele é o resultado de um longo processo histórico em que se buscou punir os responsáveis pelos maiores crimes contra a humanidade. Sua criação foi aprovada através do Estatuto de Roma em 1998, e iniciou seus trabalhos em julho de 2002. Possui competência para julgar crimes contra a humanidade, crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes de agressão cometidos por pessoas, singulares ou coletivas. A existência de um Tribunal Penal Internacional representa uma grande conquista, pois garante que os responsáveis pelos maiores crimes contra a humanidade não ficarão impunes mesmo que no seu país possuam força política.
O Tribunal da Monsanto baseou-se nos “Princípios Orientadores sobre Empresas e os Direitos Humanos”, aprovados na ONU em 2011. Avaliou, ainda, a eventual responsabilidade criminal da empresa, tendo como base o Estatuto de Roma e analisou se esse Estatuto deve ser reformado para incluir o crime de ecocídio, permitindo assim a instauração de processos criminais contra pessoas singulares ou coletivas suspeitas de cometerem este crime.
Durante dois dias, o mundo assistiu aos testemunhos das vítimas, às alegações dos advogados e às primeiras impressões dos juízes. Houve 750 participantes em Haia representando 30 nacionalidades de todo o mundo, e milhares de pessoas acompanharam o julgamento online.
A presidente do Tribunal, a juíza Françoise Tulkens, expressou a importância do evento numa entrevista para o jornal francês, Le Monde: “as questões do acesso à água e à alimentação saudável são antigas. Estas não são questões recentes saídas da mente de ativistas furiosos. Essas questões, assim como o direito a um meio ambiente saudável, tornar-se-ão mais importante com as alterações climáticas. É nosso dever criar ferramentas legais para enfrentar estes problemas. O Tribunal Monsanto é um passo e uma ferramenta dentro desta dinâmica”.
Convidada a participar para atuar em sua própria defesa, a Monsanto não compareceu, limitando-se a emitir uma declaração em cinco línguas dizendo que o tribunal estava privilegiando as questões erradas. Para a multinacional a discussão real é alimentar o mundo, dando a entender que isso só é possível com o uso de venenos e de sementes transgênicas.
Muitos oradores salientaram que a Monsanto e os demais gigantes da agroindústria não estão interessados em alimentar o mundo. Em vez disso, envolvem-se na produção de bens, rações para animais, combustível para carros, e açúcar para a indústria alimentar a um custo muito elevado para a saúde humana e para o meio ambiente. Eles ressaltaram que a produção dessas empresas alimenta o lucro, não as pessoas, e que, na verdade, são os pequenos e médios agricultores que alimentam o mundo.
Os juízes agora estão revendo as provas das peças processuais e os depoimentos de testemunhas para responder às seis questões apresentadas pelo tribunal. A juíza Tulkens disse que a intenção é emitir o parecer jurídico, que será dirigido à Monsanto e as Nações Unidas, antes do dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. A partir deste parecer jurídico, outras jurisdições se envolverão e mais juízes intervirão. “Nós, como juízes [do Tribunal da Monsanto] vimos, ouvimos, observamos e deliberamos. É possível que o direito internacional leve em consideração novas questões como as relacionadas com ecocídio”, afirmou.
Fonte: Tribunal Monsanto