As fiandeiras do Vale do Urucuia ? situado entre Goiás e o noroeste de Minas ?, que sempre trabalharam para vestir a família, agora estão aliando arte, tradições e geração de renda por meio do projeto Veredas. Desenvolvido pela ONG Artesanato Solidário/Central ArteSol, que desde 2002 trabalha para revigorar a tradição do fiar no Vale, a iniciativa inclui artesãs de três núcleos em Uruana de Minas, Sagarana e Riachinho, e faz parte de um projeto maior, o de Desenvolvimento Integrado do Vale do Urucuia, desenvolvido pelo Sebrae.
Depois de mapear na região quem dominava o trabalho e onde estava a matéria-prima, o desafio do projeto Veredas foi transformar linhas, mantas, estolas e tapetes, que foram feitas para uso doméstico, em produtos comerciais. “As fiandeiras tinham as medidas delas, o novelo de linha era medido em ‘rodadas’, a linha podia ser fina, média ou grossa, mas não tinha padronização”, diz Luciana Vale, coordenadora do projeto. Desse jeito ficava difícil colocar preço e calcular custos.
A designer têxtil Bia Cunha ficou responsável pelo trabalho de adequação do produto. “O objetivo foi profissionalizar a linha delas”, conta. De acordo com a designer, a transição da produção de uso próprio para a comercialização envolve padronização. “Elas sabiam fazer uma colcha de um modelo, mas depois não conseguiam repetir. Agora já conseguem ter uma linha de produção uniforme”, diz Bia.
Agora a comercialização é o principal esforço do trabalho para que se alcance o segundo objetivo, gerar uma renda de pelo menos R$ 150 mensais para as fiandeiras. Hoje, com o fiado, elas conseguem cerca de R$ 80 por mês. Para isso, as fiandeiras do Vale do Urucuia terão até uma página na internet. “Vamos informatizar para ficar mais fácil chegar ao consumidor, que está nos centros urbanos”, explica a designer.
Depoimentos
“Quando era criança, reunia umas vinte mulheres para fiar”, recorda dona Altiva Pereira, 63 anos, que aprendeu a fiar com 7 anos e com dez já manejava bem os pentes do tear. A tarefa era feita com gosto, mas os costumes mudaram, as ferramentas envelheceram e ela deixou de lado a atividade. “Eu gosto mesmo de fiar. Acho que é aqui que está a minha verdade”, revela Altiva. A projeto mudou os ares da senhora, mãe de dez filhos e também responsável por uma neta: “Depois que fui pro grupo fiar com as outras, a casa parece que não me cabe mais”, diz.
Dona Altiva relembra que quando era menina o vestido que usava era feito dessa linha de algodão. As calças dos meninos eram da mesma linha e se não quisesse bater queixo de noite e nem passar na beira do fogo, era preciso fiar. ?Hoje, o trabalho é arte, e as mantas de algodão puríssimo são buscadas como produto especial, quase raridade, por lojistas dos grandes centros?, diz a fiandeira.
Havia dez anos que Maria de Lourdes da Cruz, 60 anos, não pegava no algodão para fiar. Agora ela repete os versos da companheira enquanto a roda range no compasso de seus pés. “Fiar me lembra meu tempo de menina”, comenta saudosa Maria de Lourdes. Impaciente, ela ensina a neta Dadiesly, de oito anos, que teima em pegar a roda. “Não vai desperdiçar o algodão”, bronqueia.
“Quando uma mulher tinha muitas crianças pequenas ou quando a mãe precisava preparar um enxoval para a filha, o trabalho era muito. As outras percebiam a dificuldade e organizavam a ‘traição’. Chegavam cedo de surpresa na casa da beneficiada cantando versos com as rodas nas mãos. Iam todas fiar o algodão colhido”, conta a coordenadora. A festa se estendia até a noite, juntando os homens, a sanfona e muita alegria.
Projeto de Desenvolvimento Integrado do Vale do Urucuia
O objetivo do projeto é redesenhar a realidade econômica de dez cidades do Vale, cuja renda familiar é menor que meio salário mínimo. Segundo as metas estabelecidas, o incremento das atividades deverá, até o fim do ano de 2006, possibilitar que cada família ganhe, pelo menos, um salário mínimo por mês. São iniciativas que visam melhorar os setores de apicultura, frutos do cerrado, mandiocultura e turismo conjuntamente, porque as atividades também são realizadas pelas famílias de forma conjunta.
O Vale do Urucuia
O Rio Urucuia vem de Goiás e atravessa o noroeste de Minas até desaguar no São Francisco. A região, retratada com maestria em livros de Guimarães Rosa, é seca, empoeirada, coberta por cerrado e, hoje, pela agricultura intensiva. O Vale fica distante 700 km de Belo Horizonte e 180 km de Brasília