A ideia de incluir a cultura entre as dimensões da sustentabilidade começou a ser delineada em 2001, quando o pesquisador e ativista australiano John Hawkes lançou o estudo “O quarto pilar da sustentabilidade: o papel essencial da cultura no planejamento público”. De lá para cá, a questão ganhou corpo.
Recentemente, o especialista em diversidade cultural e professor da Universidade de West Indies, Keith Nurse, passou a coordenar trabalhos para a Organização das Nações Unidas e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre esse tema.
Ele afirma que “a questão cultural é o centro dos novos debates porque, quando falamos em mudanças climáticas e desafios ambientais, falamos de profundas alterações no estilo de vida das pessoas. É preciso pensar em novas formas de interação e na manutenção e difusão das culturas locais”.
Em junho de 2012, durante a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a ideia veio à tona, mas ficou restrita aos círculos de discussão.
A visão tradicional da sustentabilidade
As principais políticas para a sustentabilidade são construídas sobre três pilares ou dimensões: econômica, social e ambiental. O pilar econômico visa à criação de renda e foi concebido no século 18; o pilar social redistribui a renda e visa introduzir considerações relacionadas com a equidade entre os membros de uma sociedade, o que começou a ser feito no final do século 19; já o terceiro pilar lança um olhar sobre a responsabilidade pelo meio ambiente e foi concebido durante a segunda metade do século 20.
Esses três pilares moldam o paradigma do desenvolvimento sustentável, um “triângulo virtuoso” que é aplicado por todos os níveis de governo e em todas as escalas, seja ela local, nacional, continental ou global. O paradigma se consolidou a partir do relatório Brundtland (1987), e foi amplamente reconhecido na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro em 1992. Porém, esse paradigma da sustentabilidade é obsoleto, e precisa de um quarto pilar, a cultura.
Por que a cultura?
Segundo o professor Jordi Pascual, alguns autores, como Amartya Sen, Arjun Appadurai e Edgar Morin, deram suas principais contribuições para o significado do termo “desenvolvimento” depois de 1992. O conceito de “desenvolvimento” tem se modificado durante as últimas duas décadas. Hoje, desenvolvimento significa liberdade, e o alargamento das escolhas possíveis para cada pessoa que vive na Terra.
Pascual explica que os cientistas destacam muito claramente a necessidade de se colocarem os seres humanos, crianças, homens e mulheres, no centro do futuro, no centro da sustentabilidade. “Qualquer análise crítica sobre os desafios que enfrentamos como seres humanos diz que temos as capacidades, mas nós (muitas vezes) não possuímos alguns dos recursos (ferramentas, habilidades) fundamentais para entender o mundo e transformá-lo para que se torne realmente sustentável. As capacidades são a alfabetização, a criatividade, o conhecimento crítico, o sentido de lugar, a empatia, a confiança, o risco, o respeito, o reconhecimento… Essas capacidades não estão incluídas em nenhum dos atuais três pilares do desenvolvimento. Esses recursos podem ser entendidos como o componente cultural da sustentabilidade”, explica.
De acordo com ele, quando o paradigma atual de sustentabilidade é aplicado por governos no seu planejamento de longo prazo, a dimensão econômica é sempre explícita (visa gerar renda e emprego, aumentar as exportações, etc). A dimensão social se concentra sobre o capital próprio (saúde, educação, a luta contra a pobreza), enquanto a dimensão ambiental tem por objetivo introduzir um equilíbrio no consumo de recursos dentro das ecologias locais. A cultura é ignorada, ou aparece como um instrumento para alcançar outros objetivos.
“A cultura está na dimensão econômica, mas não pode ser reduzida a um instrumento para o crescimento econômico. Está também na dimensão social, mas não pode ser simplificada para fornecer coesão a uma sociedade. E igualmente tem uma dimensão ambiental, mas não podemos usá-la apenas para aumentar a conscientização sobre a responsabilidade ambiental”, esclarece o professor.
Pascual alerta que “a cultura é muito mais do que um instrumento. É a alma do desenvolvimento e preza valores intrínsecos como herança, conhecimento, criatividade, diversidade ou identidade. A cultura permite aos cidadãos ter uma vida plena de consciência e de sentido”.
Segundo ele, em quase todos os cantos da Terra, as sociedades desejam ter uma voz para serem reconhecidas em sua singularidade, sua especificidade, em suas características únicas. Essas vozes clamam por uma globalização na escala humana, que considere a diversidade cultural como recurso de grande utilidade para todos os povos do mundo. O futuro do nosso planeta merece uma consideração explícita da dimensão cultural da sustentabilidade.
O paradigma atual de três pilares, de acordo com Pascual, é baseado em uma visão estreita, ocidental, que esquece o sentido do lugar. O significado profundo do desenvolvimento só pode ser compreendido em um nível local. Modelos globais não podem ser implementados localmente, a menos que haja uma “porta”, uma governança local em que as pessoas e lugares não sejam ameaçados pela globalização, mas, em vez disso, se sintam convidados e com poderes para se tornarem atores da globalização, isto é, para gerar um novo significado, sem perder a identidade. O reconhecimento da pluralidade de sistemas de conhecimento é fundamental para a sustentabilidade.
Leia também a entrevista “A cultura como pilar do desenvolvimento sustentável“, com a secretária da Economia Criativa do Ministério da Cultura, Cláudia Leitão.
Fontes:
Nóbrega, Camila. Cultura como quarto pilar da sustentabilidade. O Globo, 08 jan. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/cultura-como-quarto-pilar-da-sustentabilidade-7221051>.
Pascual, Jordi. Rio +20 e a Dimensão Cultural da Sustentabilidade. Portal da Cultura, 28 fev. 2012. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/riomais20/rio-20-dimensao-cultural-da-sustentabilidade/>.
Concordo com a reflexão dos educadores enquanto o pilar cultural não for inserido aos demais, onde as pessoas possam pensar o global a partir de suas realidades locais, a questões recorrentes ficarão muito na falácia e pouco no compromisso das pessoas de um lugar ou de diferentes lugares.