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Meio Ambiente, Clima e Vulnerabilidade

ONU alerta que crise global de água é decorrente de má gestão


23 de março de 2015

O Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, foi marcado no Brasil pela pior estiagem registrada em 84 anos na região Sudeste, especialmente em São Paulo. Isso sem falar que o país já enfrentava problemas de abastecimento, especialmente no Nordeste. Grande parte desses problemas, segundo especialistas, são decorrentes de má gestão dos recursos hídricos.

Mas os problemas decorrentes da má gestão da água não são exclusividade brasileira. O Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), “Água para um mundo sustentável”, lançado dia 20 de março, na Índia, afirma que a crise global de água é de governança, muito mais do que de disponibilidade do recurso, e um padrão de consumo mundial sustentável ainda está distante.

De acordo com o documento, no mundo, existe água suficiente para suprir as necessidades de crescimento do consumo, “mas não sem uma mudança dramática no uso, gerenciamento e compartilhamento”.

Consumo de água cresce duas vezes mais que população

Dados do relatório mostram que, nas últimas décadas, o consumo de água cresceu duas vezes mais do que a população e a estimativa é que a demanda cresça ainda 55% até 2050. E alerta: se mantido os atuais padrões de consumo sem melhoria drástica na gestão desse recurso, em 2030, o planeta enfrentará um déficit de água de 40%.

O relatório atribui a vários fatores a possível falta de água, entre eles a intensa urbanização, as práticas agrícolas inadequadas e a poluição, que prejudica a oferta de água limpa no mundo. A organização estima que 20% dos aquíferos, que concentram água no subterrâneo e abastecem nascentes e rios, estejam explorados acima de sua capacidade. Os aquíferos são responsáveis atualmente por fornecer água potável à metade da população mundial e é de onde provêm 43% da água usada na irrigação.

América Latina concentra água doce do mundo

Nesse cenário, a América Latina desempenha um papel-chave, porque possui a maior quantidade de água doce do mundo. Segundo a Global Water Partnership (GWP), quase um terço dos recursos hídricos renováveis estão na América do Sul.

Na lista de países que contam com a maior quantidade de água, três da América Latina estão entre os primeiros: Brasil (primeiro), Colômbia (terceiro) e Peru (oitavo).

Mas essa abundância de água não é suficiente para todos. Em cidades como Lima, São Paulo e Cidade do México, onde a demanda por esse recurso é muito elevada, grande parte da água potável é desperdiçada devido ao uso ineficiente e às instalações precárias, agravando assim a crise futura. São os bairros de maior renda que mais desperdiçam água em comparação aos bairros pobres, cujos habitantes sofrem com a escassez diária do recurso.

Desafios futuros

Os desafios futuros serão muitos. O crescimento da população está estimado em 80 milhões de pessoas por ano, com possibilidade de chegar a 9,1 bilhões em 2050, sendo 6,3 bilhões em áreas urbanas. A agricultura deverá produzir 60% a mais no mundo e 100% a mais nos países em desenvolvimento até 2050. A demanda por água na indústria manufatureira deverá quadruplicar no período de 2000 a 2050.

Segundo a oficial de Ciências Naturais da Unesco na Itália, Angela Ortigara, integrante do Programa Mundial de Avaliação da Água (cuja sigla em inglês é WWAP) e que participou da elaboração do relatório, a intenção do documento é alertar os governos para que incentivem o consumo sustentável e evitem uma grave crise de abastecimento no futuro.

Cada país enfrenta uma situação específica. De maneira geral, a Unesco recomenda mundanças na administração pública, no investimento em infraestrutura e em educação. “Grande parte dos problemas que os países enfrentam, além de passar por governança e infraestrutura, passa por padrões de consumo, que só a longo prazo conseguiremos mudar, e a educação é a ferramenta para isso”, diz o coordenador de Ciências Naturais da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão.

Mergulhão diz que o Brasil tem reserva de água importante, mas deve investir em um diagnóstico para saber como está em termos de política de consumo, atenção à população e planejamento. “É um trabalho contínuo. Não quer dizer que o país que tem mais ou menos recursos pode relaxar. Todos têm que se preocupar com a situação”.

Avaliação de especialistas

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam falhas cometidas na gestão dos recursos hídricos que levaram à pior situação de escassez dos últimos 84 anos no Sudeste brasileiro.

A coordenadora da articulação Aliança pelas Águas, Marussia Whately, acredita que a crise pode ser um marco para construção de uma nova cultura de cuidado com a água. “A estiagem não é a razão da crise, mas acaba sendo o estopim dela. A diminuição do nível das represas trouxe à tona uma série de descuidos históricos com os recursos hídricos, que resultaram na baixa resistência das áreas que produzem água para as grandes cidades, como é o caso do Cantareira”, declarou.

Como exemplo dessa ausência de proteção dos mananciais, ela cita a Represa Billings. “[A Billings] Não pode ser usada [como alternativa para abastecimento] porque está extremamente poluída e não houve qualquer prioridade para cuidar dela”, constata Marussia.

Falta diálogo com a sociedade

Além da falta de atenção com as represas, ela aponta a inexistência de diálogo com a sociedade como um dos fatores que explicam o agravamento da crise no ano passado. “As medidas adotadas para a gestão da crise foram decididas internamente pelo governo estadual com quase nenhuma discussão com a sociedade, por exemplo, o uso do volume morto.”

O desmatamento no entorno dos mananciais, que compromete a capacidade desses territórios de terem um ciclo vigoroso de produção de água, também é um fator citado pela coordenadora. Por último, Marussia destaca como marco para o agravamento da crise o período eleitoral em que pouca coisa foi feita para gestão da crise e medidas como a regulamentação de reúso da água e ampliação do uso de cisternas para as chuvas de verão não avançaram. “Isso fez com que medidas impopulares, como multa e racionamento, não fossem adotadas e fez com que não houvesse o compartilhamento de informações em um espectro mais amplo”, avaliou.

O professor de hidrologia e recursos hídricos da Universidade de Campinas (Unicamp) Antônio Carlos Zuffo afirma que a crise não resulta de falta de planejamento. “Todas essas obras que estão sendo anunciadas e foram estudadas no passado, há mais de 30 anos. Foi a falta de colocar em prática aquilo que tinha sido planejado. Os estudos não saem da cartola de uma hora para outra”, declarou.

Ele critica o que chama de “gestão de alto risco” praticada no Cantareira, levando a uma superexploração dos recursos. “O sistema foi dimensionado em um período seco e foi operado em um período de chuvas maiores, ao longo de quatro décadas. Isso criou a falsa ilusão de que o sistema produziria mais vazão do que ele foi projetado. Agora vivemos exatamente o oposto”, analisou.

O pesquisador também avalia que a participação da sociedade na tomada de decisões sobre os recursos hídricos é fundamental para um planejamento adequado do uso da água. “Nós temos uma das políticas de recursos hídricos mais avançadas do mundo. As leis preveem um gerenciamento dos recursos hídricos por bacia hidrográfica”, observou.

Ele avalia, no entanto, que, com a crise, as decisões foram centralizadas. “Isso vai de encontro a tudo que se diz que funciona no mundo em termos de gerenciamento de recursos hídricos.”

Ricos devem pagar mais pela água

Defensor da água como um direito humano, o pesquisador Léo Heller – relator especial das Nações Unidas (ONU) sobre água e esgotamento sanitário – é a favor do subsídio cruzado na cobrança da tarifa de água. “Que os mais ricos paguem mais e os mais pobres paguem menos, uma transferência interna no sistema de cobrança”.

Ele avalia que são temerárias as políticas que aumentem o custo da água para estimular a economia do recurso hídrico, pois isso pode levar a injustiças. A prática de aumentar o preço da água foi utilizada em países como a Dinamarca. “É preciso ter muito cuidado com modelos de cobrança para que isso não implique um ônus desproporcional para as populações mais pobres”, avaliou.

De acordo com Heller, a maioria dos prestadores do serviço de água no Brasil adota um modelo tarifário que parte do pressuposto de que a população mais pobre gasta menos água. O valor do metro cúbico (m3) consumido, portanto, aumenta na medida em que o consumo mensal é maior. “Isso não é necessariamente verdade. Muitas vezes as populações mais pobres têm famílias mais numerosas, têm menos equipamentos domiciliares economizadores de água. Como resultante [desse modelo de cobrança], isso pode levar a consumos muito baixos, desconexões, sacrificando a saúde dessas pessoas”, apontou.

Por um Plano Nacional de Proteção das Nascentes e Mananciais

O WWF-Brasil defende que o modelo de gestão de oferta proposto pelas autoridades precisa ser revisto. Segundo a ONG, somente a construção de novos reservatórios, como vem sendo proposto pelos governos, para aumentar o armazenamento não é suficiente. “É preciso aumentar a oferta por meio da proteção de toda a bacia hidrográfica, especificamente da vegetação que protege os corpos d’água e as nascentes. Se não começarmos a investir na proteção para aumentarmos a oferta, corremos o risco de enfrentarmos os mesmos problemas que estamos enfrentando agora: reservatórios secos e/ou abaixo de suas capacidades de abastecimento e de geração de energia hidrelétrica. Portanto, defendemos uma ação robusta e de larga escala de proteção de sistemas de cabeceiras de rios, nascentes e mananciais”.

A organização alerta ainda que “isso só é possível se houver o engajamento e o comprometimento dos setores público, privado e de toda a sociedade. O setor privado, por exemplo, deve atuar além dos muros da fábrica: avaliando os riscos coletivos de toda a bacia hidrográfica e garantindo seu uso múltiplo, além de se comprometer seriamente na redução desses riscos, com o apoio da comunidade local. É primordial que o setor privado participe das instâncias de gestão (comitês de bacia, por exemplo)”.

De acordo com o WWF-Brasil, “o setor público, após décadas de negligência, precisa definir uma agenda estratégica e prioritária, garantindo que no mínimo 0,5% do PIB nacional seja investido na gestão e na preservação das bacias hidrográficas críticas. Não podemos deixar de mencionar que o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) é um grave retrocesso que inevitavelmente provocará crises mais drásticas no futuro”. O inciso IV do seu artigo 4º excluiu as nascentes intermitentes (que secam em períodos do ano) da obrigatoriedade de proteção de faixa de matas no seu entorno. De acordo com a lei, apenas as nascentes permanentes são incluídas na faixa de proteção permanente, num raio mínimo de 50 metros.

O WWF-Brasil propõe que o Governo Federal se comprometa em reverter essa situação por meio da criação de um Plano Nacional de Proteção de Nascentes e Mananciais com base nas experiências bem sucedidas de pagamentos por serviços ambientais, como, por exemplo, o Programa Produtor de Água[4] da Agência Nacional de Águas (ANA).

Campanha

Com o objetivo de conscientizar a população sobre hábitos de consumo, o Programa Água Brasil lançou, no dia 22 de março, a campanha “Sustentabilidade: mergulhe nesta causa”. A iniciativa pode ser acessada por meio do endereço http://www.diadaaguabb.com.br/.

Por um aplicativo de celular, o usuário seleciona uma foto de rosto e responde a cinco perguntas referentes aos seus hábitos de consumo de água. Ao final, é calculada a porcentagem de água que ele desperdiça e, automaticamente, a foto é modificada para mostrar como a aparência dele ficaria sem essa quantidade de água no organismo.

A proposta do aplicativo é fazer uma alusão ao impacto causado ao planeta pelos maus hábitos de consumo de água e, dessa forma, conscientizar a sociedade a economizar o recurso.

Fontes: Agência Brasil, Envolverde, EcoD, WWF-Brasil

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