Está em discussão na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6583/ 2013, mais conhecido como “Estatuto da Família”, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), o qual determina que as uniões familiares brasileiras devem ser compostas exclusivamente por um homem e uma mulher por meio de casamento ou união estável, proibindo a adoção de crianças por casais homoafetivos. O PL, que havia sido arquivado, foi desenterrado em 2014 pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vem tentando acelerar o processo de aprovação do estatuto.
Mas o PL vai contra à configuração da família brasileira, cada vez mais multifacetada. Nas últimas décadas, houve muitas mudanças nos arranjos familiares e, apesar de ainda predominante, a família nuclear, formada por um casal e filhos, já não é mais a regra. Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, a família nuclear corresponde a cerca de 50% das famílias brasileiras, uma taxa bem inferior à dos anos 1980, quando representava 66%.
Têm surgido cada vez mais “novos” arranjos familiares, muitos deles baseados mais no afeto e nas relações de cuidado do que em laços de parentesco ou consanguinidade. São casais sem filhos, pessoas morando sozinhas, três gerações sob o mesmo teto, mães sozinhas com filhos, pais sozinhos com filhos, amigos morando juntos, netos com avós, irmãos e irmãs, famílias “mosaico” (a do “meu, seu e nossos filhos”), casais homoafetivos.
Assim, essas novas composições familiares podem ter um pai, uma mãe, dois pais, duas mães ou serem multiparentais – quando os responsáveis pela criança são mais de três. Mas sem legislação que as abrace, essas famílias têm recorrido à Justiça para se tornarem pais e mães de direito.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira, afirmou que a atual proposta do Estatuto da Família estaria alterando um antigo projeto, chamado de Estatuto das Famílias (PL 470/2013, elaborado pelo IBDFAM), que propunha exatamente o contrário do texto em tramitação. De acordo com ele, o antigo texto, que teria sido barrado pela chamada bancada religiosa na Câmara dos Deputados, defendia a pluralidade familiar e não a restrição de direitos. “Este projeto é conservador e excludente. Se prosperar, vai nascer inconstitucional, uma vez que promove um atentado contra os direitos humanos”, disse. Para ele, é preciso que se defenda um estado laico, com igualdade de tratamento a todos.
A Constituição Federal proíbe qualquer forma de discriminação, e, segundo o advogado José Eduardo Coelho Dias , “nossa Constituição eleva a dignidade da pessoa humana à categoria de fundamento da República, o que significa dizer que as famílias, responsáveis pela formação e preservação dessa dignidade, devem ser prestigiadas e protegidas, pouco importando se seguem ou não os modelos tradicionais já conhecidos”. Ele esclarece ainda que as relações entre pessoas capazes, ligadas pelo afeto, mesmo que envolvam pessoas do mesmo sexo, devem gozar de proteção do Estado: “fora disso não há juridicidade”.
Portanto, a mesma lei que rege a união estável para os casais heterossexuais também se aplica à união estável entre os casais homossexuais. Mas, embora o reconhecimento da união estável pelo Superior Tribunal Federal (STF) tenha trazido importantes avanços na garantia de direitos dos relacionamentos homoafetivos, ainda não há uma equiparação plena de direitos. Juridicamente, o casamento civil entre homossexuais ainda não pode ser realizado, embora alguns juízes já o tenham reconhecido.
Numa tentativa de barrar aprovação do Estatuto da Família, Movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis (LGBT) e defensores de direitos humanos têm promovido diversas campanhas nas redes sociais e em outros meios.
Vídeo: Adoção e Homossexualidade – novas configurações familiares
O vídeo traz uma entrevista com Anna Paula Uziel, psicóloga, coordenadora do Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora associada ao Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM). Além disso, apresenta o depoimento de Rogério Koscheck, pai de quatro crianças adotadas, e de Siro Darlam, desembargador do tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Durante a entrevista, Uziel fala das novas famílias, dos avanços na sociedade em relação à adoção por casais de pessoas do mesmo sexo e destaca o Estatuto da Família como um grande retrocesso.
“O Estatuto da Família é um retrocesso gigantesco, a gente tem que juntar todas as forças para brigar contra ele (…). A Constituição Federal em 88 é uma grande ruptura no entendimento de família no Brasil. A gente não pode voltar para trás”.
Já Koscheck conta sobre o que o motivou a adotar. E Darlan critica o Estatuto da família como um grande retrocesso.
Fontes: Galileu, Revista Planeta, O Globo, Revista O Globo, Questões de Família
Notícia atualizada em 12/06/2015