A falta de informação é o principal motivo que leva a maioria dos brasileiros a se posicionar contra o aborto, na avaliação de integrantes de movimentos feministas favoráveis à prática. Segundo Dulce Xavier, do movimento Católicas Pelo Direito de Decidir, as pessoas desconsideram a dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos e a violência sexual contra as mulheres, o que causa, muitas vezes, uma gravidez indesejada.
“Isso faz com que as pessoas se manifestem radicalmente contra, sem analisar toda a questão que envolve a interrupção da gravidez de forma clandestina no Brasil”, afirma, lembrando que esses fatores fazem com que o índice de mortalidade materna continue alto no país.
Na avaliação de Dulce, é preciso discutir a questão do ponto de vista da saúde, e não apenas como uma questão moral. “Contra o aborto todas as pessoas são. Ninguém defende o aborto como método anticoncepcional. O que o movimento de mulheres está reivindicando é que ele deixe de ser crime para justamente diminuir a sua prática”, disse. Para Dulce Xavier, a função dos católicos não é julgar as mulheres que recorrem ao aborto. “Nenhum ser humano cristão deve julgar a atitude dos outros, ao contrário, deve acolher e demonstrar a sua solidariedade com essas pessoas que estão num momento difícil da vida”, afirma.
Para Sílvia Marques Dantas, integrante da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e representante do movimento de mulheres no Conselho Nacional de Saúde, as poucas informações existentes na sociedade são distorcidas. “É necessário mais informação, mais educação para que as pessoas se posicionem melhor sobre isso”, alega.
Ela lembra os avanços obtidos pelo governo federal em relação ao assunto, como na elaboração de normas técnicas para os abortos já previstos em lei, com o objetivo de oferecer uma melhor assistência às mulheres. Ela não concorda com a realização de um plebiscito sobre o tema, pois essa seria uma questão privada.
A conselheira de saúde admite que a distribuição de contraceptivos pelo governo federal ainda é feita de forma irregular, e que as mulheres ainda têm dificuldade para se prevenir. No entanto, ela acredita que, mesmo se tivessem mais acesso aos métodos preventivos, as mulheres brasileiras continuariam praticando abortos, embora em menor escala.
Analisando a realidade de outros países, Silvia Dantas prevê que, se aprovada a legalização do aborto no Brasil haveria um aumento da realização desse procedimento no início, mas logo após a incidência deveria diminuir. “Isso porque a descriminalização do aborto vem acompanhada de uma série de medidas que garantem às mulheres fazer o acesso à contracepção. Nos países em que o aborto é legalizado, existe uma legislação que presta uma melhor assistência às mulheres e que por isso, reduz a incidência de casos de gravidez não desejada”, explica.
“Congresso não está preparado para discutir o tema”
Para a deputada federal Luciana Genro (PSol-RS), o Congresso Nacional ainda não está preparado para debater a ampla legalização do aborto. Ela apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que permite o aborto em casos de fetos que não desenvolveram o cérebro. Segundo a parlamentar, essa foi uma forma de abordar a questão de forma mais amena. “Eu acredito que esse é um caso em que mesmo as pessoas que são frontalmente contrárias ao aborto podem compreender e aceitar”, explica a deputada.
No Senado, existem apenas três matérias tramitando sobre o assunto, e todas abordam a permissão do aborto no caso de o feto se desenvolver sem cérebro ou com doença grave que o leve à morte ainda no útero. Na Câmara, 19 propostas tratam diretamente do assunto, das quais sete são contra o aborto e pedem a revogação dos direitos já garantidos (como nos casos de estupro ou risco de morte para a mãe) ou a tipificação do aborto como crime hediondo. Nove projetos são favoráveis ao aborto em casos específicos e apenas uma propostas de lei pede a descriminalização total do aborto. O Projeto de Lei 1.135/91 está na Comissão de Seguridade Social e Família desde 1992.
Para Luciana Genro, essa realidade se impõe porque existe uma bancada extremamente conservadora dentro do Parlamento brasileiro. Segundo ela, embora o Congresso Nacional seja a caixa de ressonância da sociedade brasileira, ele também tem algumas distorções. “Isso é resultado do poder econômico, do dinheiro que compra muitos mandatos”, avalia a parlamentar. “Então, efetivamente, aqui no Congresso Nacional não há chance de um projeto que defenda a legalização ampla do aborto prosperar. Não há nenhuma possibilidade”, conclui.
A discriminação social é uma das principais razões apontadas por Luciana Genro para defender a legalização do aborto. Segundo ela, não é justo que as mulheres ricas recorram a clínicas especializadas enquanto as pobres tenham que realizar abortos em condições precárias, arriscando sua saúde e sua vida. “Os números mostram que o aborto é uma realidade na sociedade brasileira”, afirma a parlamentar, que defende a realização de um debate sem a interferência de crenças religiosas.
Segundo ela, o estado brasileiro, por ser laico, deve priorizar o bem-estar do conjunto da população e as políticas públicas adequadas para garantir a saúde pública.
Fonte: Agência Brasil (www.agenciabrasil.gov.br/)