Um estudo publicado no fim de abril, no site da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, aborda os casos de oito grandes companhias que implementaram o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e tomaram iniciativas voluntárias para reduzir suas emissões de carbono, utilizar melhor suas matrizes energéticas e reduzir os desperdícios em seus processos produtivos.
A pesquisa, conduzida por Jacques Marcovitch, da FEA/USP, é uma atualização dos casos empresariais apresentados no livro ?Para mudar o futuro: mudanças climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais? de sua autoria, publicado em 2006.
A atualização do trabalho é composta por questionários enviados para representantes das empresas, contendo perguntas que mostram a evolução das iniciativas MDL nos últimos dois anos, após a publicação do livro. As questões abordam as metas de redução de emissão de CO2 de cada uma, se as iniciativas envolvem também os fornecedores e se elas obtêm vantagens competitivas graças a este trabalho. São ainda levantadas as lições apreendidas por cada programa, os ganhos sociais e os aspectos tecnológicos de cada iniciativa.
Marcovitch conta que as empresas escolhidas não são um recorte de todas as iniciativas do mercado, mas sim uma escolha que atendeu a algumas necessidades da pesquisa. ? Era preciso ter um recorte das ações de diferentes setores, ter empresas significativas em termos de tamanho, distribuídas regionalmente e reconhecidas internacionalmente? explica.
Cases
O primeiro caso apresentado é o da Sadia, gigante nacional da indústria de alimentos, cuja principal ação foi a instalação de biodigestores para captura e queima de metano e CO2 nas fazendas de seus fornecedores, gerando energia elétrica no local e trazendo uma melhoria no sistema de gerenciamento de resíduos e na qualidade de vida dos fornecedores. Já a ArcelorMittal Tubarão, do setor siderúrgico, implantou um modelo energético baseado no reaproveitamento dos gases de seu processo produtivo e desenvolveu novas aplicações para co-produtores, minimizando as emissões atmosféricas.
Já a Votorantim Celulose e Papel, ao dedicar uma grande área para seu projeto de reflorestamento, entrou no principal mercado de créditos de carbono, a Chicago Climate Exchange. A empresa também reduziu as emissões de gases do efeito estufa na cadeia do seu processo produtivo. O quarto caso é o da Santelisa Vale S.A., usina de grande expressão no segmento sucroalcooleiro, que se dedica à co-geração de energia com bagaço de cana, tendo obtido excelentes resultados nesta empreitada que se insere entre as mais inovadoras da chamada tecnologia verde.
Tanto o livro de 2006 quanto o estudo que o atualiza têm um ar otimista. Segundo Marcovitch, isto se dá pelo fato de ele partir do conhecimento para a ação. ?O conhecimento leva ao pessimismo. A ação leva a um sentido de otimismo. Este estudo, feito em empresas do primeiro escalão do setor produtivo brasileiro, torna evidente a eclosão de um novo tempo da economia, no qual o lucro deixou de ser um fim em si mesmo para desempenhar funções sociais jamais imaginadas?, afirma, lembrando que muitas destas iniciativas geraram grande impacto social local, como por exemplo, os biodigestores da Sadia.
O estudo também trata da Petrobras, mostrando os empreendimentos da estatal nos mercados de energias eólica, solar, biodiesel e biogás, entre outras. Na resposta ao questionário, Viviane Roberto da Silva Romeiro e Marco Antonio Conejero, funcionários da empresa petrolífera, estimam que 10% da energia elétrica consumida em todo o seu parque produtivo serão obtidos, já em 2010, a partir de fontes renováveis.
O sexto caso apresentado na pesquisa é o da Veolia Serviços Ambientais, multinacional voltada para soluções relativas ao meio ambiente, especialmente aterros sanitários, que vem recuperando como fonte energética o biogás, nos aterros que opera no país.
Também no setor de reflorestamento e trabalhando simultaneamente com três projetos, a Plantar S.A. Reflorestamentos empenha-se na redução no acúmulo de gases do efeito estufa, com metas de 28 anos, a partir de 2001. O último exemplo de sustentabilidade apresentado no estudo vem da Nova Gerar Ecoenergia, que desenvolve o primeiro projeto do mundo a obter o registro do MDL. A companhia cinqüentenária, atuante em diversos segmentos da construção pesada, prevê o aproveitamento energético de gases de matéria orgânica existente em lixões.
Questionadas sobre o que cada uma acredita que deve ser feito após 2012, quando termina a vigência do tratado de Quioto, as empresas, em geral, defendem que países em desenvolvimento, como o Brasil, tenham metas de redução nas emissões de gases do efeito estufa, mas de uma maneira mais flexível do que Estados desenvolvidos. Outro ponto em comum é a demanda por financiamento para iniciativas de MDL e redução dos gases.Confluência de grupos
Marcovitch acredita que a questão das mudanças climáticas exige uma confluência de três grupos distintos: cientistas, empresários e governos. ?Há três tempos que o trabalho destaca: o tempo da ciência, o das políticas públicas e o das empresas. O tempo da ciência é o mais longo, e por isso, ele pode induzir a uma paralisia. O tempo das políticas públicas é influenciado pelas correntes partidário-ideológicas. Já o ator empresarial não tem muito tempo, pois a sobrevivência da empresa depende de ações sucessivas?, explica.
Seu livro publicado em 2006 aborda esses três atores. Na primeira parte, existe uma discussão científica sobre o aquecimento global, seguido de uma mesa redonda que discute políticas públicas. Por fim, são apresentados os casos empresariais e suas iniciativas voluntárias de sustentabilidade. O pesquisador da USP cita o Protocolo de Montreal, que conseguiu reunir esses três grupos e decretou o fim do uso do gás CFC, ofensivo à camada de ozônio. Enquanto um novo encontro desses três atores não acontece, Marcovitch ressalta a importância das iniciativas das empresas. ?O fato é que estamos caminhando de 450 partes por milhão de CO2 na atmosfera para 750ppm. Há evidência de que esta concentração é danosa. Enquanto o debate científico continua, as ações políticas e das empresas devem acontecer?, conclui.