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Produção segmentada favorece trabalho escravo no setor têxtil


28 de janeiro de 2015

A pulverização da cadeia produtiva do setor têxtil em São Paulo leva à disseminação de condições de trabalho análoga a de escravo neste ramo. A análise é do auditor fiscal do trabalho Roberto Bignami, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE-SP). “É um sistema que fraciona a produção e joga para o domicílio toda a célula produtiva”, declarou. De acordo com ele, as fiscalizações mostram que, nesses ambientes, o pagamento é feito com base na produção, o que leva a jornadas excessivas, sem que sejam oferecidas condições de segurança e saúde.

O coordenador aponta que a submissão a esse tipo de trabalho, conhecido como “sistema de suor” (termo oriundo do inglês sweating system), ocorre com mais frequência entre trabalhadores estrangeiros. “É um tipo de trabalho que, basicamente, o trabalhador nacional já não aceita. Ele acaba atraindo o estrangeiro e, principalmente, o mais humilde. É o imigrante econômico, que busca melhores condições do que de seu país. A gente tem um nicho muito grande de trabalhadores andinos, basicamente bolivianos, paraguaios, peruanos”, avaliou.

O grande número de trabalhadores sujeitos a esta condição no setor têxtil levou à instauração, em março de 2014, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo. O relatório final, de outubro, estima que existam entre 12 mil e 14 mil sweatshops no estado paulista. O termo em inglês refere-se a locais de trabalho que se confundem com residências e envolve condições extremas de opressão e salários miseráveis. O documento aponta ainda que um empregador que utiliza mão de obra escrava lucra cerca de R$ 2,3 mil por mês sobre cada trabalhador na comparação com aqueles que respeitam a legislação.

A organização não governamental Repórter Brasil, que acompanha os casos de trabalho escravo no setor têxtil desde 2009, registra pelos menos 20 episódios em São Paulo neste período. Marcas famosas, como Zara e M.Officer, foram obrigadas a prestar esclarecimento sobre as condições de trabalho a que as pessoas que fabricam as peças, vendidas em suas lojas, eram submetidas. Um dos últimos casos, verificado em novembro do ano passado, foi registrado na Renner. Foram resgatados 37 trabalhadores bolivianos em uma oficina localizada na zona norte da capital paulista.

“[Atacar esse sistema de produção] implica, necessariamente, a responsabilização jurídica, solidária de toda a cadeia produtiva pelas condições de trabalho nela realizada. Este é o ponto principal”, avaliou Bignami.

Em relação ao flagrante da Renner, o Ministério Público do Trabalho (MPT) firmou, em dezembro passado, um termo de ajustamento de conduta (TAC) com as confecções Kabriolli Indústria e Comércio de Roupas e a Indústria Têxtil Betilha, empresas da linha de produção da loja. O valor de R$ 1 milhão foi estabelecido para o pagamento de verbas rescisórias, salariais e de danos morais individuais aos trabalhadores.

A decisão do MPT apontou que, embora o TAC tenha sido firmado com as duas confecções, isso não isenta a responsabilidade da Renner. A fiscalização constatou que trabalhadores estavam em condições degradantes de alojamento, jornada de trabalho exaustiva de 16 horas, retenção e descontos indevidos de salários, servidão por dívida, uso de violência psicológica, verbal e física e manipulação de documentos contábeis trabalhistas sob fraude. A rede varejista informou, à época do fato, que repudia o uso de mão de obra irregular e que os contratos com os seus fornecedores prevê o cumprimento das leis trabalhistas.

M.Officer pode ser banida do mercado

A marca M.Officer pode ser banida do mercado brasileiro a pedido do Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT/SP) em razão do uso de trabalho análogo à escravidão na cadeia produtiva da empresa M5 Indústria e Comércio, detentora da grife.

Uma ação civil pública, ajuizada no último dia 15, exige o pagamento de indenização de R$ 10 milhões e a aplicação da Lei Paulista de Combate à Escravidão. A lei, aprovada no ano passado, prevê a cassação do registro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e impede que proprietários exerçam atividades no mesmo ramo ou abram nova empresa no estado paulista por dez anos.

Seis fiscalizações feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em conjunto com o MPT, a Defensoria Pública da União (DPU) e a Receita Federal deram origem à ação. Dutante as diligências, foram encontradas condições degradantes, como fiação exposta de máquinas, botijões de gás, banheiros coletivos com forte odor de urina, poeira excessiva, falta de iluminação, ausência de equipamento de proteção individual e de extintores de incêndio. Além disso, os trabalhadores, na maioria imigrantes, moravam no próprio local e recebiam de R$ 3 a R$ 6 reais por peça produzida e cumpriam jornadas médias de 14 horas.

“Eles trabalhavam exaustivamente para conseguir o máximo de valor. As diligências mostraram a mesma realidade em todas as oficinas. Identificamos que a situação verificada em novembro não era episódica [e se repetiu em maio]. Ela fazia parte da cadeia produtiva da marca”, explicou a procuradora Tatiana Simonetti.

Segundo o Ministério Público, a M5 utilizava empresas intermediárias para subcontratar o serviço de costura, feito em oficinas clandestinas, sem qualquer direito trabalhista. “A marca vem se aproveitando desse sistema, contratando empresas que não têm capacidade de produção e que repassam a confecção para essas oficinas”, apontou.

A procuradora destacou que a M5, que tem filiais em todo o país sob a marca M.Officer, só tem no quadro de funcionários 20 costureiras. “Os pedidos que ela faz são de 2.080 peças. Ela fecha os olhos, de forma deliberada, para a capacidade produtiva da intermediária para garantir a produção da marca com baixo custo e coloca os trabalhadores em situação degradante”, declarou.

Tatiana explicou que a ação pede a responsabilização integral da M5, tendo em vista que a terceirização em si já é irregular. “A confecção de vestuário é atividade fim. Ela é indústria e comércio. Na medida que faz, a empresa é responsável, sim, por todo trabalhador”, avaliou.

Na ação, o MP também demonstra que havia designação de tarefas da grife para as oficinas de costura. “Identificamos nas notas fiscais, na emissão de recibos, que a marca dava ordens diretas, incluindo prazos de entrega, os detalhes das roupas produzidas, as peças pilotos. Havia ingerência e era robusta”, relatou. Uma das notas analisadas mostra que a marca iria pagar R$ 52 à intermediária por unidade de uma calça, dos quais R$ 13 caberiam ao dono da oficina. Ao costureiro seria repassado apenas um terço do valor, ainda que ele produzisse a peça por completo.

De acordo com a procuradora destaca, a ação civil pública inova pelo pedido de indenização de R$ 3 milhões por dumping social, que ocorre quando uma empresa se beneficia dos custos baixos resultantes da precarização do trabalho para praticar a concorrência desleal. “É uma tentativa de mudar esse cenário, porque, infelizmente, essa não é uma realidade só da M.Officer. Está presente na indústria têxtil”, declarou.

A Justiça vai decidir como esse dinheiro deve ser investido: se será aplicado no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou em uma obra pública que traga benefícios sociais aos trabalhadores identificados, como a criação de um centro de imigrantes.

 

Fonte: Camila Maciel, Agência Brasil

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