Carlos Gondim, coordenador geral daONG Novos Curupiras e professor da Universidade Federal Rural do Amazonas, nos fala sobre o projeto ?Povos dos Manguezais de Soure: a vida entre a Terra e o Mar(ajó)?, realizado pelaONG no Pará. A iniciativa, desenvolvida em parceria com as comunidades locais, alia atividades de disseminação de boas práticas de gestão dos manguezais e de capacitação das populações extrativistas à geração de renda de forma compatível às condições sociais, econômicas e ambientais.
Mobilizadores COEP ? Quais as atividades econômicas do município de Soure?
R -Na verdade são três as atividades econômicas: pesca, pecuária e turismo. Das três, o turismo está em franco desenvolvimento, enquanto a pesca e a pecuária extensiva estão em declínio, o que vem levando os pecuaristas tradicionais a transformarem suas atividades de criadores de gado e búfalos, especialmente, em fonte para o turismo rural ? as fazendas de gado tradicionais de todo o arquipélago do Marajó são de criações extensivas, com pouco ou nenhum manejo, o que fez espalhar a “história” de que existe “búfalo selvagem” no local.
Mobilizadores COEP ? E quais os principais problemas enfrentados pela comunidade e em relação ao meio ambiente?
R -Os problemas comunitários são muitos. Desde a falta de oportunidades de emprego até a ausência do poder público local no suprimento das necessidades vitais básicas, como saúde e educação. Mais de 50% das pessoas ocupadas no município, segundo o IBGE, são funcionários públicos (federais, estaduais ou municipais). Isto é terrível! Quando a Prefeitura paga,o dinheiro circula no comércio local, mas como o pagamento não costuma ser pontual, começa a prática do fiado. É muito comum as lojas locais terem caderneta ou papel para pagar depois… Com isso, os comerciantes acabam não podendo pagar os fornecedores, e estes não repõem o estoque. O fiado acaba levando à bancarrota os comerciantes que são mais mão aberta. Quando chegamos na comunidade de Tucumanduba ? que fica a 3 quilômetros do centro e onde atuamos fortemente desde 1997 ?, tivemos a impressão de que, repentinamente, tínhamos entrado em uma máquina dotempo, tão estúpidos e cruéis eram os cenários observados. Não tinha energia elétrica, que só chegou em 2002-2003. Água, só de poço, fato que perdura até hoje, embora as tubulações da rede pública tenham sido enterradas por entre ruas da comunidade desde 2002. Rede telefônica só na beira da estrada Soure ? Pesqueiro. Gente cortando o resto de mato, porque não tinha dinheiro para comprar um botijão de gás para cozinhar. A grande maioria dos moradores era extrativista dos mangues e dos campos cerrados locais e apresentava uma auto-estima lá embaixo. Ao conversarmos com eles, poucos dirigiam o olhar para nossos olhos. Quase sempre desviavam o rosto ou olhavam para o chão, em um gesto de completo abalo de sua auto-estima. Hoje, é diferente, já nos olham fitando. Olho no olho, como dizemos. Isto traz uma mensagem: Eu existo! Eu sou gente!
Mobilizadores COEP – O que é o projeto ?Povos dos Manguezais de Soure: A Vida Entre a Terra e o Mar(ajó)??
R ? O ?Povos? é um conjunto de ações que visa à afirmação e à valorização das atividades extrativistas dos ricos manguezais locais associada à conservação dos seus recursos naturais e de seus ecossistemas. Valoriza também suas expressões socioculturais e o saber popular das comunidades tradicionais dos mangues locais. Foi criado em 2003-2004 quando foi publicada a primeira chamada pública do Programa Ambiental da Petrobras. O projeto beneficia as comunidades extrativistas dos manguezais de Soure (Bairro Novo, Tucumanduba, Pedral, Cajuúna, Pesqueiro, Macaxeira, dentre outras). Atuamos nas áreas costeira e ribeirinha da Reserva Extrativista Marinha de Soure (Resex ? Soure), área com aproximadamente 27 mil hectares protegida por lei e cujo uso deve seguir um plano de manejo. Realizamos cursos, oficinas, eventos socioambientais, incursões, inventário socioambiental, cultural e ecológico dos recursos dos manguezais, começando com o caranguejo, o recurso mais procurado. Temos uma forte parceria com a Associação dos Caranguejeiros de Soure, Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA )e com a Prefeitura Municipal de Soure, dentre outras, e uma de nossas metas é implantar e fazer funcionar uma unidade de processamento dos produtos do mangue.
Mobilizadores COEP – Quais as principais iniciativas do projeto? O que motivou a escolha dessas ações específicas?
R ? Realização de cursos de capacitação em diversos temas. Desde direito ambiental até processamento de produtos, passando por noções de associativismo, ecologia e artesanato natural. Incursões quinzenais às áreas da Resex ? Soure, para realizar o inventário do caranguejo e, ao mesmo tempo, documentar as ações dos ?invasores? (extrativistas moradores de outros municípios, a maioria deles da parte continental do estado do Pará). A escolha para estas ações está baseada no princípio de que o conhecimento liberta o homem. Na medida em que eles são capacitados, terão maiores chances de lutar pelos seus direitos e buscar alternativas para uma vida digna, para eles próprios e para as suas famílias.
Mobilizadores COEP – Como a ONG Novos Curupiras alia geração de renda à conservação do ecossistema manguezal no projeto “Povos dos Manguezais de Soure”?
R ? O equilíbrio! Equilíbrio entre o uso, a utilização e o estoque que a natureza, no caso os manguezais, apresenta. Isto tudo aliado aos conhecimentos sobre os estoques dos recursos naturais existentes, formas de manejos sustentáveis e com tecnologias moderadas e de domínio geral pelas comunidades extrativistas locais. Organização da categoria de extrativistas em associações e outras formas de juntar as pessoas, fortalecendo-as, como pessoas e como cidadãos.
Mobilizadores COEP – Como são feitas as campanhas de mobilização social para a conservação e preservação dos manguezais?
R – De diversas formas. Desde a realização de cursos e oficinas em que os próprios participantes indicam horários, locais mais adequados, até reuniões comunitárias, eventos, feiras, etc. Fazemos visitas domiciliares, e os moradores também visitam rotineiramente a Base de Tucumanduba, onde trocam idéias e conversam com a gente. As mais novas iniciativas, que têm apresentado êxito, são as futuras fundações de uma rádio comunitária na comunidade de Tucumanduba (projeto “Tucumanduba no Ar”, resultante de uma iniciativa do programa Novos Brasis, do Instituto Telemar) e o projeto “Acalanto” (criação de uma incubadora de organizações sociais em Soure, que com conta com apoio financeiro da Fundação Brazil Foundation). Enfim, eu digo sempre que nossas ações são como a construção invertida de uma casa, de um prédio. Só que esta casa a gente não vê, como vemos a construção de uma estrada, ou de um trapiche, ou ainda de um posto de saúde ou escola… Nossa casa é a da educação, do conhecimento, da cidadania. Ela está ali, e a gente não vê. Não tem placa publicitária anunciando a sua inauguração! Os mais recentes progressos estão centrados na organização e no fortalecimento comunitário. As mulheres dos extrativistas, por exemplo, organizaram-se em Associação e fundaram o Grupo União das Famílias de Tucumanduba (Grufat). Começa a despertar nos dirigentes locais e regionais a importância do trabalho extrativista dos manguezais para o desenvolvimento do município de Soure. Os extrativistas de fato e de direito passam a ser encarados como cidadãos. A auto-estima está subindo entre eles. Seus produtos são valorizados, e os seus trabalhos também. Faltam ainda muitas coisas, mas o rumo e a direção estão dados.
Acredito que se em todo o ecosistema onde atua o homem não houver alguem ou algum organismo que, a exemplo dessa ONG com os exploradores dos manguesais de tucumanduba, muito em breve a vida se tornará mais difícil quiçá impossível no planeta
Entendo que não só os manguezais, mais também toda biodiversidade pode ser explorada de forma racional pelo ser humano. O que falta para essas pessoas é um acompanhamento por instituições governamentais ou não como o caso da ONG Novos Curupiras para que se possa mostrar e demonstrar que é realmente possível retirar dali seu sustento e de suas famílias sem que haja a necessidade de se degradar aquele meio ambiente. Lembro que o CARANGUEJO ja é uma das espécies que estão ameaçadas de extinção dentro de pouco tempo, assim como a lagosta.
Em 2004 na ExporBrasil que aconteceu em Olimda, ouvi depoimentos de catadores de carangueijos, que marcou, onde les falavam da inclusão social que estava acontecendo com eles, pois eles se organizaram e formaram um associação e atravez de ações mostravam que eles não eram inferiores por ter a referidade atividade comercial.
Hoje lendo que em outros lugares a cidadania dos trabalhadores catadores de carangueijo, já não os deixa inibidos, mostra que podemos crer que ha real certza de que o ser humano esta evoluindo como pessoa, pois não importa a categoria ao qual pertence o que importa é que´todos trabalhamos para o desenvolvimento de um país com qualidade de vida.
Acredito que é uma atitude totalmente certa o que vocês estão fazendo, pois, precisamos salvar nosso ecossistema.Parabéns ao professor Carlos e a toda a sua equipe.