Em municípios pobres de estados como Pará, Maranhão, Piauí, Bahia e Tocantins, pessoas desempregadas são freqüentemente vítimas dos “gatos” ? aliciadores que, a mando de fazendeiros, abordam trabalhadores em busca de mão-de-obra escrava. A situação é ainda mais grave no Pará, que concentrou entre 1995 e 2005 o maior número de denúncias de escravidão (49,58% do total brasileiro) e de trabalhadores libertados (37,5%), de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O combate a essa prática envolver muito mais do que fiscalizações do Ministério Público do Trabalho. Uma estratégia que está sendo reforçada é a exibição de peças de teatro nas regiões onde o problema é mais crítico ? com apresentações em escolas e praças públicas, por exemplo, feitas pelos próprios moradores. Cinco atividades cênicas de quatro estados ? Pará, Piauí, Maranhão e Tocantins ? receberam R$ 1 mil do projeto “Escravo, nem pensar”, desenvolvido pela organização não-governamental Repórter Brasil e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da presidência da República, com o apoio do PNUD. O teatro serve como “um instrumento de formação política para a juventude” e é “um potencial meio de sensibilização da população para o combate ao trabalho escravo, bem como para todas as mazelas sociais relacionadas ao problema”, avalia José Wilson Alves de Lima, um dos coordenadores da Cáritas Brasileira no Pará, instituição ligada à Igreja Católica que organiza peças em Paragominas. O município, que fica no nordeste do estado do Pará e tem 86.984 habitantes, é governado por um prefeito que chegou a ser autuado em 2003 pelo Ministério Público do Trabalho, sob a acusação de usar 40 trabalhadores escravos em sua fazenda. Tem o oitavo maior PIB (Produto Interno Bruto) do Pará ? R$ 373 milhões ?, mas possui IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, uma adaptação do IDH aos indicadores regionais) de 0,690, o que o coloca em 47º lugar no ranking brasileiro. Lima tenta envolver os jovens do município em todo o processo de realização da peça, desde a redação do roteiro até a encenação. “Não temos [em Paragominas] movimentos sociais organizados. Por isso, formar e capacitar a juventude para garantir novas lideranças é mais que urgente”, diz. Segundo dados da OIT, os jovens entre 18 e 24 anos representaram, entre 1995 e 2005, 22,5% dos trabalhadores libertados no Pará. A maioria dos ex-escravos tinha entre 25 e 35 anos. A atividade ainda está em fase inicial, e usará a metodologia do teatro do oprimido ? uma técnica que ajuda os participantes a refletirem e se expressarem sobre as desigualdades sociais. “Estamos mapeando os possíveis jovens participantes, procurando em escolas, grupos de capoeira e pastorais. Vamos focar aqueles que estejam em pontos de aliciamento, ou seja, em regiões periféricas próximas a serrarias e carvoarias. Nesses locais, eles não têm muitas oportunidades de trabalho e acabam cedendo ao aliciamento”, afirma Cleciana Silva, também coordenadora do trabalho. A realização de atividades contrárias ao trabalho escravo já foi motivo de ameaças provenientes de fazendeiros da região, segundo Cleciana Silva. “Aonde a gente vai, tem que apertar a mão desses caras ?aliciadores e fazendeiros que usam trabalhadores escravos. Antes de a gente mapeá-los, eles já mapearam a gente”, comenta. “Eles se aproximam de gente que tem contato com a instituição e pedem para que a gente fique afastado. É complicado, mas a gente continua.”, completa. Outra peça financiada pelo “Escravos, nem pensar” será feita em Araguaína (TO), e também terá como protagonistas jovens do município. “Ela foi feita pelos próprios alunos do 9º ano ? antiga 8ª série do ensino fundamental?, com base em vídeos da Pastoral da Terra”, conta a professora de História Stelha Maris de Lima, coordenadora do projeto na Escola Estadual João Gulherme Leite Kunze. A peça, escrita e encenada em 2006, será novamente apresentada neste ano para estudantes, pais e comunidade. Fonte: PrimaPagina (www.primapagina.com.br), com base em matéria de Talita Bedinelli