A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou sua defesa em relação à liberação do aborto em países com surto do vírus Zika em casos de gestantes infectadas, uma vez que o quadro pode estar relacionado ao aumento de bebês diagnosticados com microcefalia. O comunicado, dado no dia 5 de fevereiro, reacendeu o debate sobre a legalização do aborto no Brasil.
“O informe da ONU reforça a importância de que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres sejam garantidos em meio a esta epidemia. Para a garantia destes direitos é preciso garantir o acesso à informação e métodos contraceptivos, pré-natal adequado e aborto seguro”, diz Ana Carolina de Souza Pieretti, mestra em Saúde da Família e professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Para Ana Carolina, ainda que não esteja confirmada a relação do surto de Zika vírus com a microcefalia, “existem evidências importantes que apontam neste sentido, como a constatação de presença do vírus no líquido amniótico e tecidos de bebês acometidos pela má-formação.”
Ela também lembra que no caso da epidemia de Zika, as mulheres mais pobres são as mais atingidas por estarem em situações mais vulneráveis, sem acesso à água encanada e saneamento, o que propicia a proliferação do mosquito transmissor da doença. Além disso, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina, elas são as que mais morrem em consequência de abortos realizados clandestinamente.
“É injusto que, em uma epidemia oriunda da ausência do Estado, as mulheres tenham que pagar com sofrimento ou mesmo com a vida quando recorrem ao aborto ilegal”, afirma a professora.
Direito ao aborto não se reduz à Zika
Na mesma direção, a pesquisadora de gênero, Maíra Kubik, também acredita em uma “omissão do Estado” em relação ao surto da Zika, e acredita que o direito de escolha em levar a gravidez adiante ou não, deve ser da mulher, mas não apenas neste caso.
“O direito ao aborto deve ser um direito da mulher em qualquer circunstância. Até o terceiro mês de gestação as mulheres deveriam ter o direito de decidir pela interrupção da gestação, seja por Zika, por questões psicológicas ou financeiras, por não desejarem ser mães ou por muitos fatores que não importam ao público, não importam ao Estado. O aborto tem que ser uma decisão individual“, acredita.
Maíra lamenta também a posição do governo brasileiro que pediu às mulheres adiarem a gravidez nesse período. “Quando o governo se pronuncia dessa forma mostra o quanto ele se vê no direito de intervir no corpo da mulher. Fica claro que o corpo da mulher não pertence a ela mesma, é um corpo que é público e que outros têm o direito de decidir por ele.”
Nalu Farias, militante da Marcha Mundial das Mulheres, também acredita que a discussão sobre a legalização do aborto não deve ser reduzida à epidemia de Zika.
“Temos elementos para exigir que a descriminalização do aborto aconteça imediatamente. O debate não deve ser condicionado apenas pelos casos de Zika, que é a questão da vida do feto. As mulheres correm risco de vida cotidianamente por recorrerem ao aborto inseguro”, alerta a militante.
A especialista em Saúde da Família, Ana Carolina, diz não saber o impacto que a questão da microcefalia pode ter no cenário atual da legislação brasileira sobre o aborto, “já que o próprio status de ilegalidade dificulta gerar dados que possam direcionar as políticas públicas”. Entretanto, acredita que este seja “mais um passo na discussão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, e que é o momento de “discutir com a sociedade a situação das nossas mulheres”.
Fonte: Saúde Popular