Brasília é conhecida por ser palco de grandes debates sobre as questões nacionais, dada a sua condição de capital do país. Muitas vezes, a profusão de eventos e discussões sobre temas nacionais ofusca a situação das áreas nos limites do Distrito Federal ? os bolsões de pobreza concentrados nas chamadas ?cidades-satélite? ? marcadas pela desigualdade em relação às ricas e desenvolvidas áreas nobres do Plano Piloto.
Mas, entre os dias 17 e 20 de setembro, profissionais estudantes e entidades envolvidas com a área da comunicação se reuniram para discutir os rumos da mídia comunitária no DF. O evento foi promovido pela TV Cidade Livre, o canal comunitário de Brasília, e marcou o 11º aniversário do veículo.
Na avaliação de entidades atuantes na área, atualmente o principal desafio do setor na cidade é retomar as emissoras autorizadas para uma função efetivamente comunitária. Segundo José Sotter, coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a maioria das estações outorgadas são controladas por grupos religiosos ou por pequenos empresários, restando poucas com perfil efetivamente comunitário. Segundo José Sotter, coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a maioria das estações outorgadas são controladas por grupos religiosos ou por pequenos empresários, restando poucas com perfil efetivamente comunitário.
De acordo com o Sistema de Controle de Radiodifusão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), há hoje 24 rádios comunitárias outorgadas no DF, sendo 19 em funcionamento. O coordenador da Abraço calcula que, deste total, não passam de cinco as que cumprem, de fato, os objetivos e finalidades de prover informação e cultura à comunidade de maneira plural e participativa.
?No DF, passamos por uma situação diferenciada em relação ao resto do país. Não sei se é porque estamos no ‘quintal do Minicom’, mas temos tido um processo mais difícil em relação às outorgas. Isso nos levou a ter aqui mais rádios de baixa potência do que realmente comunitárias?, analisa. O resultado é a existência de emissoras funcionando em templos evangélicos, concedidas a produtoras de shows da cidade para divulgação de festivais e até mesmo sendo usadas explicitamente como meios comerciais.
Lei 9612/98
A Lei 9.612/98, que instituiu o serviço de rádio comunitária, prevê o direito de todos os cidadãos de se manifestarem na emissora e garante o direito de participação das entidades localizadas na área atendida em um conselho comunitário com a função de fiscalizar e opinar sobre a programação do veículo.
No entanto, como não há histórico de fechamento de rádios comunitárias por parte da Anatel em razão do desvirtuamento de sua função, o principal desafio na avaliação da Abraço é ocupar as associações mantenedoras das rádios e transformar ‘por dentro’ o perfil de cada uma delas. ?Por conta da falta de fiscalização e punição, é mais fácil conscientizar a comunidade a ocupar as emissoras através da lei do que trabalhar para poder cassar uma autorização?, diz Sotter.
Para isso, o caminho buscado tem sido articular movimentos sociais e organizações populares do Distrito Federal, que têm dedicado pouco apoio a este tipo de experiência de mídia. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) do DF, que já esteve envolvida com uma associação candidata a uma autorização, agora retoma suas atividades de rádio com uma emissora, disponível ainda somente pela Internet.
TV sem recursos
Já o canal comunitário de Brasília, a TV Cidade Livre, é reconhecido pelo perfil comunitário, próximo às associações, sindicatos e organizações do DF e voltado à cobertura e produção de programas sobre as questões da cidade. O problema não é legitimidade, mas a falta de recursos para manter suas atividades.
Distribuído pelo sinal da operadora de cabo Net Brasília, a TV depende das doações mensais de seus associados, uma vez que a legislação proíbe a veiculação de publicidade. Mas apesar de o canal ter no seu quadro de sócios 30 organizações, menos de 30% mantêm as contribuições em dia. ?Há uma restrição dos governos de não colocarem dinheiro na mídia comunitária. Mesmo na sociedade civil ainda carecemos de apoio?, diz o coordenador da TV Cidade Livre, Paulo Miranda.
Uma das saídas seria o financiamento público, mas para isso é preciso enfrentar limitações de âmbito nacional e local. Em nível Federal, ainda não há uma política estabelecida de fomento à comunicação comunitária. No plano local, a Lei Orgânica do Distrito Federal estabelece em seu Artigo 260 ser ?responsabilidade do Poder Público a promoção da cultura regional e o estímulo à produção independente que objetive sua divulgação?. Porém, como a diretriz nunca foi regulamentada em lei, até hoje o estímulo à produção regional e independente, onde se encaixam as emissoras comunitárias, continua como letra morta.
Segundo Paulo Miranda, além da sustentabilidade, outro grande desafio do canal comunitário é conseguir espaço no sinal aberto. Relegados à televisão paga, estas emissoras vêm lutando para que o Canal da Cidadania, previsto no decreto que definiu as diretrizes para a TV Digital Terrestre (5.820/06), seja dado ou abra espaço aos atuais canais comunitários de cabo. ?No entanto, tanto os novos recursos quanto a transmissão em sinal aberto colocam-se como possibilidades distantes pela resistência existente no Estado a este tipo de comunicação?, conclui.