De um lado, comunidades que plantam e colhem frutas nativas, produzem alimentos típicos, artesanato e cosméticos por meio de técnicas de extração sustentável no Cerrado brasileiro. Do outro, uma demanda desses produtos nos grandes centros do país e até no exterior. A necessidade de unir esses dois lados tornou possível, em 2005, a criação da Central do Cerrado, uma rede que negocia a comercialização para as metrópoles de uma série de produtos de extrativismo agrícola feitos por 21 pequenos empreendimentos.As comunidades responsáveis pelas pequenas iniciativas de agronegócio estão em cinco estados ? Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Tocantins ? e integram o PPP-Ecos (Programa de Pequenos Projetos Ecossociais). Trata-se de um programa financiado pelo GEF (Fundo Global Para o Meio-Ambiente), que concede doações, de US$ 25 mil, em média, para promover comunidades e meios de vida sustentáveis. Com atuação em 130 países no mundo, o programa chegou ao Brasil em 1994 e já contemplou 262 comunidades em 14 estados. Hoje, cerca de cem delas são atendidas.O avanço do PPP-Ecos no Brasil possibilitou transformar atividades locais em meios de subsistência. Em alguns casos, a produção dessas atividades apresentou potencial de crescimento, mas acabou esbarrando em dificuldades logísticas para alcançar mercados mais distantes. Da discussão sobre maneiras de levar esse excedente aos grandes centros chegou-se a Central do Cerrado, um modelo de gestão que, baseado em Brasília, procura mercados onde há demanda pelos produtos e estabelece o elo entre comerciantes e as comunidades produtivas ? em alguns casos, sem acesso universal a meios de comunicação básicos, como telefone privado.A iniciativa promove ações como comercialização de frutos típicos do Cerrado (como o pequi e o baru), gêneros alimentícios (como a farinha de jatobá), artesanato produzido a partir da flora nativa (como o capim dourado) e cosméticos (como os sabonetes feitos com óleo de babaçu).”A Central do Cerrado é conseqüência da discussão de vários grupos que vinham buscando uma inserção no mercado de forma substantiva, gerando impactos maiores para as comunidades em termos de retorno econômico, de qualificação, e principalmente de fortalecimento de um modelo diferenciado de desenvolvimento que privilegia as questões sociais e ambientais”, explica Luís Roberto Carrazza, coordenador do projeto.”Em 2005, nós deixamos a discussão e passamos para o funcionamento de uma central informal, em caráter experimental”, acrescenta o pesquisador, que é também assessor do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), organização não-governamental responsável pela coordenação técnica e administrativa do PPP-Ecos no Brasil, cujo financiamento é feito pelo PNUD.Nem todas as comunidades que participam do PPP-Ecos estão na rede formada pela Central do Cerrado. Os participantes, com apoio da ISPN, estabelecem alguns requisitos, que envolvem exigências do mercado e a qualidade do produto, para incluir comunidades no projeto. “Nós fazemos uma análise para determinar se o que eles estão produzindo consegue ir além da comunidade. É importante que o que exista ali possa ser comercializado na região. O excedente tentamos comercializar para um mercado que jamais poderiam chegar”, conta Paulo Henrique de Moraes, um dos articuladores da Central do Cerrado. “Fazemos funcionar esse acesso entre o produtor e os compradores dos grandes centros, por um lado, e passamos as impressões do mercado para os produtores, por outro.”Requisitos para participar da redePara uma comunidade ser incluída na rede, o ISPN avalia a qualidade do produto, seu potencial de venda e se há uma escala mínima de produção para atender outros mercados. “Avaliamos se existe espaço próprio de produção, uma agroindústria comunitária com requisitos mínimos de fluxo de produção, se os grupos que estão comercializando alimentos passaram por um processo de capacitação em boas práticas de fabricação, e se adotam procedimentos de controle de qualidade para questão de higiene e de segurança para os consumidores”, enumera Carrazzo.Hoje, a Central do Cerrado vive um momento de amadurecimento e estuda a formalização do modelo de gestão compartilhada entre os grupos ? que promove todo mecanismo de funcionamento da rede. “A idéia é que a central funcione como uma cooperativa, ou outra forma de organização formalmente constituída, para atuar de forma profissional, com uma central de logística e estratégias de marketing. Estamos discutindo, ainda, a criação de centrais regionais para abrigar a distribuição dos produtos”, completa Cazzarro.Mercado externoA Central do Cerrado tem chamado a atenção também de revendedores estrangeiros, interessados pelo lado exótico e pela origem sustentável de alguns produtos desse bioma brasileiro. Em 2007, uma empresa no Canadá importou 2 toneladas de pequi em conserva da Cooperativa de Produtores Rurais e Catadores de Pequi (COPERJAP), em Japonvá, Minas Gerais. Outra, na Itália, comprou 50 quilos de castanha de baru do Centro de Estudos e Exploração do Cerrado (CENESC), de Pirinópolis, Goiás.”Nós apresentamos esses produtos para mercados estrangeiros principalmente nas feiras que realizamos em capitais como São Paulo, por exemplo”, conta Paulo Henrique de Moraes, articulador da Central do Cerrado. “Eles se interessam por se tratar de produtos exóticos que vêm de uma iniciativa ambientalmente correta, mas são muito exigentes sobre a qualidade”, acrescenta.Um mercado em que a COPERJAP espera ingressar em 2008 é o da Índia, que mostrou interesse na compra do óleo de pequi. A cooperativa, que envolve o trabalho de cerca de 160 famílias e está em fase avançada de organização, já vende o produto para uma empresa de cosméticos brasileira.