A discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil volta e meia é retomada no debate nacional. Muitas vezes, os cidadãos defendem a redução da maioridade penal inflamados pela repercussão de um caso que ganhou destaque na mídia e causou forte comoção, como o que aconteceu, recentemente, após um rapaz de 17 anos confessar um assassinato em São Paulo um dia antes de completar 18 anos.
Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em 17 de abril, dias depois do crime, mostrou que 93% dos moradores da capital paulista concordam com a diminuição da idade legal a partir da qual uma pessoa possa responder por seus crimes para 16 anos. Outros 6% são contra, e 1% não soube responder. Dos que são favoráveis à redução, 35% concordam que a idade seja rebaixada a uma faixa de 13 a 15 anos, e 9%, até 12 anos.
Dentre os principais argumentos dos defensores da maioridade penal está a questão da maioridade civil, trabalhista e eleitoral. Eles dizem que, se uma pessoa menor de 18 anos pode trabalhar, casar, votar etc., por que não pode responder criminalmente? Há também os que se pautem na “consciência da impunidade”, ou seja, argumentam que o jovem em conflito com a lei já sabe que não receberá as mesmas penas de um adulto, por isso, não se inibe a cometer atos infracionais.
Redução: transgressão de direitos
No entanto, de acordo com organizações que atuam em defesa dos direitos de crianças e adolescentes em todo o Brasil, até os dezoito anos o adolescente é um cidadão em desenvolvimento e, portanto, não possu discernimento necessário para compreender a ilicitude de seus atos.
Sendo assim, a proposta de redução da maioridade penal vai contra uma série de estudos psicológicos que apontam que os indivíduos na adolescência passam por diversas transformações psicossomáticas, repercutindo não somente em sua estrutura biológica, mas em sua conduta social. O adolescente contesta valores e regras aos quais foi submetido por toda a infância, sendo que somente por volta de seus 19 anos passa a compreender inteiramente o seu comportamento e seus atos, ingressando na vida adulta.
Muitas vezes, entretanto, tais justificativas são interpretadas de maneira equivocada, gerando entendimento de que o tratamento dado a adolescentes em conflito com a lei tenta isentá-los de suas responsabilidades. A própria legislação estabelece que pessoas com menos de 18 anos são totalmente inimputáveis, porém, a sociedade ainda confunde a imputabilidade – capacidade de responder penalmente por crimes e ser submetido às sansões previstas pelo conjunto de leis que vigoram no país – com impunidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante que os jovens em conflito com a lei sejam responsabilizados, sim, mas levando em consideração o caráter de ressocialização do atendimento socioeducativo. As medidas socioeducativas (MSE) destinadas a estes adolescentes são consideradas um avanço em relação às antigas leis punitivas.
Contudo, a prática tem mostrado que a sua aplicabilidade ainda é um problema a ser resolvido, pois não são cumpridas de forma eficiente no país, levando à internação em espaços que não possibilitam a integração e ressocialização plena dos jovens em conflito com a lei.
Desvio de foco
Para as organizações que trabalham com direitos humanos, a discussão em torno da redução da maioridade penal só tira o foco das verdadeiras causas da violência. Estudos e pesquisas comprovam que os adolescentes não são os principais fomentadores da criminalidade e, sim, as grandes vítimas da violência. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), de cada mil jovens de 12 anos, dois serão assassinados antes dos 19.
Além disso, a redução abre uma brecha para que o poder público se isente de sua responsabilidade de implementar políticas públicas que realmente combatam a criminalidade por meio da prevenção da violência, de projetos voltados à população infanto-juvenil, combate às desigualdades sociais, ofertando com qualidade os serviços públicos básicos.
O que pensa a Justiça
Segundo o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcos Vinícius Furtado, “toda a teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em termos de segurança para a população”.
A opinião é compartilhada pelo ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Segundo ele, eventuais tentativas de mudanças na lei em resposta a crimes violentos não têm efeito prático. O ministro ressalta que a redução também é inviável do ponto de vista constitucional. “Tenho absoluta convicção de que essa questão, ao estar na Constituição Federal [artigo 228], é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada mesmo com emenda constitucional. Portanto, qualquer proposta nesse sentido não poderá ser aceita”.
Cardozo acrescenta, ainda, que o sistema penitenciário do país não está preparado para este tipo de mudança. “As unidades prisionais brasileiras lamentavelmente são verdadeiras escolas da criminalidade”. Na opinião dele, colocar o adolescente no presídio cria condições para que o infrator se integre ao crime organizado. “A violência que vivemos hoje tem a ver com o crime organizado comandado de dentro dos presídios. Por isso não vejo nenhum resultado em uma proposta dessa natureza”, argumenta.
Mitos e verdades
A Rede Andi publicou, em 2011, alguns mitos e verdade sobre a redução da maioridade penal. Confira:
Mito: O ECA não permite punição para adolescentes em conflito com a lei
Verdade: O ECA prevê seis tipos de medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, que implica real privação de liberdade, podendo durar até 3 anos.
Mito: Os adolescentes são responsáveis por grande parte da violência praticada no país.
Verdade: Os atos infracionais realizados por adolescentes não atingem 10% do total de crimes praticados no Brasil. O que de fato acontece é que qualquer ato infracional praticado por adolescentes é amplamente divulgado, dando a impressão de que esta é uma prática comum. Se assim fosse, esses atos já fariam parte dos noticiários policiais e não ocupariam as manchetes dos jornais.
Mito: Os adolescentes estão ficando cada vez mais perigosos, cometendo crimes mais graves.
Verdade: De todos os atos infracionais praticados pelos adolescentes, somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria dos atos infracionais – cerca de 75% – são contra o patrimônio, sendo que 50% são furtos.
Mito: Somente com a diminuição da idade penal e imposição de penas a adolescentes, em patamar elevado, haveria uma diminuição da violência nessa faixa etária.
Verdade: Está mais do que provado que a punição pura e simples, bem como a quantidade de pena prevista ou imposta, mesmo para adultos, não é um fator de diminuição da violência. Exemplo claro é aquele dado pela chamada Lei dos Crimes Hediondos, que através de um tratamento mais rigoroso com os criminosos pretendia diminuir sua incidência. Ocorre que nunca foram praticados tantos crimes hediondos como hoje, estando nossas cadeias abarrotadas a ponto de estudar-se a revogação da lei e sua substituição por uma menos severa.
Mito: Há tanta reincidência porque o Estatuto [ECA] é liberal com os adolescentes em conflito com a lei, e as medidas são muito leves.
Verdade: A reincidência entre adolescentes não é culpa do ECA, mas sim do descaso da União, estados e municípios, que não investem em programas que realmente possibilitem a inclusão social do jovem. A inadequação dos programas em meio aberto e dos centros de internação expõem ainda mais o jovem à criminalidade e ao desrespeito de seus direitos.
Com informações G1, Recanto das Letras e Instituto Recriando, da Rede ANDI Brasil.