O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, no dia 31 de agosto, que é inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário não autorizado pela classificação indicativa.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 2404 que questionava a norma foi proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ainda em 2011. Inicialmente, a legenda interpelava sobre o pagamento da multa, prevista no artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para aquelas emissoras que transmitirem “espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação”. A classificação indicativa está prevista na Constituição.
A ação contou com o apoio da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). O julgamento começou em 2011, mas foi interrompido algumas vezes por pedidos de vista dos ministros. A Advocacia Geral da União (AGU) e o então procurador-geral da República Roberto Gurgel defenderam a legislação em vigor e lembraram que a Constituição lista entre os deveres do Estado a proteção à criança e ao adolescente. Por isso, o poder público tem obrigação de regular o acesso da audiência a programas inadequados para determinadas faixas etárias.
Porém, para o ministro Dias Toffoli, relator do processo, a possibilidade de multar o veículo de comunicação por desrespeito à regulamentação vigente é uma forma de censura. Toffoli sustentou que a classificação indicativa deve ser apenas uma referência para a família sobre a faixa etária para a qual o programa é direcionado, servindo como ferramenta para a decisão dos pais de permitir ou não o acesso à programação.
O ministro Celso de Mello votou com o relator, mas frisou sobre a importância do mecanismo da classificação indicativa. “O mecanismo é completamente legítimo sendo que é previsto na Constituição, mas a livre expressão, manifestação de ideias jamais pode ser impedida pelo poder público e nem ser submetidas a ilícitas interferências do Estado”, destacou.
Edson Fachin, Rosa Weber e o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, votaram pela manutenção da multa às emissoras e ressaltaram o importante papel do Estado no apoio às famílias com relação à criação e educação das crianças. Afinal, os pais não têm como manter controle total sobre o que as crianças estão assistindo na TV.
“A grande massa não tem condições de controlar o que entra pelas suas casas. É preciso confiar minimamente no Estado. Classificação indicativa não se confunde com censura”, enfatizou Lewandowski em seu voto.
Campanha “Programa Adulto em Horário Adulto”
Diante dos grandes riscos desde a apresentação da ADI e com intuito de tentar garantir os direitos na infância, em março, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda) e organizações da sociedade civil, realizou em Brasília o painel “Classificação Indicativa: a ação no STF e os riscos para a proteção de crianças e adolescentes”. Durante o evento, foi lançada a campanha “Programa Adulto em Horário Adulto”, em defesa do dispositivo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para Helena Martins, jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes, a decisão do STF é altamente negativa, em relação a outras decisões consideradas mais progressistas que vinham sendo adotadas pelo pleno. “O Supremo regrediu com uma visão que dá poder as empresas de comunicação e que reitera a liberdade de imprensa apenas sobre o ponto de vista das empresas midiáticas”.
Ela ainda destaca o voto do ministro Marco Aurélio de Mello em que define a ação do estado como ilegítima. “Isso é muito ruim e reforça o entendimento de liberdade de imprensa desconsiderando a responsabilidade social dos meios de comunicação e a participação da sociedade no debate sobre a mídia”, desabafa.
Outro aspecto apresentado por Martins e que vem sendo evidenciada em uma manifestação do Conselho Nacional de Deitos Humanos (CNDH) juntamente com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) é do impacto em relação às crianças e os adolescente. “Esses impactos não são mensuráveis e dificilmente são amenizados. A percepção da comunicação é imediata e mesmo com Direito de Resposta e outros mecanismos nada garante que teremos outras leituras colocadas sobre determinados fatos e conteúdos. Então é muito ruim a gente perder esse mecanismo de proteção”, afirma.
Renato Godoy, pesquisador do Instituto Alana, defende que o mecanismo era um instrumento de defesa da sociedade principalmente dos mais vulneráveis. “A decisão do STF não levou em consideração a prioridade absoluta dos direitos da criança. O julgamento enfraquece o direito à inviolabilidade da criança, sobretudo, na radiodifusão“, critica.
O ministro Edson Fachin lembrou em seu voto, ainda na votação anterior em novembro de 2015, que a Classificação Indicativa está de acordo com o direito internacional e se baseia na experiência de diversos países, como França, Alemanha, Canadá, Chile, Argentina, Colômbia, Costa Rica e Estados Unidos, refletindo uma preocupação da sociedade com a proteção da criança e do adolescente no que diz respeito à comprovada influência dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação sobre seu processo de socialização.
Votaram pelo fim da punição às emissoras — atendendo ao interesse das empresas e reduzindo ainda mais a já frágil regulamentação sobre o setor da comunicação existente no Brasil — os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Teori Zavascki, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, este já aposentado.
O que é classificação indicativa?
É a avaliação sobre a faixa etária recomendada para assistir a determinada/o obra/produto audiovisual. São classificados produtos para a televisão, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos, aplicativos e jogos de interpretação (RPG). Na prática, a classificação indicativa é um instrumento que protege crianças e adolescentes de conteúdos impróprios na TV aberta.
Antes da decisão do STF, em caso de desobediência, o canal de televisão, por exemplo, ficava sujeito a punição. Agora, não existe mais a sanção. As emissoras continuam obrigadas a estampar o selo de recomendação etária do programa no início da transmissão, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas não há mais a determinação de horários pré-determinados para exibição de programação imprópria para crianças e adolescentes na TV aberta.
O mecanismo vinha tendo cada vez mais a participação da sociedade na sua elaboração e contava com um processo de auto-regulação das próprias empresas. Uma política aberta, participativa e complexa que acabou sendo fragilizada com a decisão.
“Estamos vivendo um processo de crescente presença de conteúdo de violência nos meios de comunicação e isso já nos preocupa e por isso nós fazemos uma crítica forte aos programas policialescos que expõe e deturpam o debate sobre a violência, inclusive produzem mais medo na sociedade sem apresentar saídas de políticas públicas para esse cenário da segurança pública e o que a gente pode ter agora são os conteúdos de entretenimento com esse mesmo teor a qualquer hora do dia”, lamenta Helena Martins.
Entenda melhor
Antes da decisão do STF, a faixa “não recomendado para menores de 12 anos” só podia ser exibida a partir das 20 horas, podendo a emissora sofrer sanções em caso de descumprimento da norma. Agora, novelas e programas em geral podem ser exibidos em qualquer horário na TV aberta, mesmo que seu conteúdo possua cenas de violência, de apelo sexual ou de uso de drogas, e a emissora não será multada nem terá problemas jurídicos.
A medida entrará em vigor após a publicação do acórdão no Diário Oficial da União, o que deve acontecer nos próximos dias. À ação não cabe recurso, tendo a mesma caráter definitivo — já que o STF é a mais alta corte na organização da Justiça Brasileira. A Abert, principal interessada na decisão do órgão, ainda não se pronunciou sobre o assunto, nem qualquer canal aberto de TV.
Fonte: STF/ Intervozes