Em 8 de abril é celebrado o Dia Nacional de Luta pelo Direito à Cidade e à Moradia Digna. A data dá visibilidade aos conflitos fundiários que se multiplicam pelo Brasil e à crescente segregação socioeconômica e cultural em nossas cidades.
Direito à cidade é um conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Henri Lefebvre em seu livro “Le droit à la ville”, de 1968 . Na publicação, ele se refere à “tragédia dosbanlieusards”, pessoas forçadas a viver em guetos residenciais longe do centro da cidade, e define o direito à cidade como uma recuperação coletiva do espaço urbano por grupos marginalizados que vivem nos distritos periféricos da cidade.
Em entrevista à Rede Mobilizadores, em dezembro de 2013, Ermínia Maricato, professora nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e da Unicamp, explica que a ocupação do espaço urbano é alvo de uma eterna luta de classes dentro das cidades. “Historicamente, as populações menos favorecidas ocupam as periferias das cidades, onde o direito à cidade é mais negligenciado, pois falta, na maior parte das vezes, infraestrutura e urbanização”, esclarece.
Segundo ela, a população trabalhadora brasileira não consegue entrar na cidade formal. “Ela está na periferia, é caracterizada por pessoas excluídas que, ao mesmo tempo, produzem pelas próprias mãos a sua cidade, muitas vezes ilegal, sem transporte público, sem os equipamentos e serviços sociais essenciais, como escolas, museus, universidades, saneamento, iluminação pública”, enfatiza. Ela defende que o direito à cidade depende de uma política urbana de estruturação, que democratize, principalmente, o uso e a ocupação do solo.
Já David Harvey, professor da City University de Nova Iorque (Estados Unidos), afirma que “o direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital”. Ele afirma que “a liberdade de criar e recriar nossas cidades e a nós mesmos é um dos mais preciosos e dos mais negligenciado dos nossos direitos humanos”.
Da mesma forma, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik lembra que existe um fenômeno global de apropriação de terras ganhando espaço, com terras sendo tomadas para servirem de suporte para mercados financeiros e o acúmulo de capital. “Isso é um processo global. Está acontecendo em todo lugar”, enfatiza “Nós estamos falando de um processo de ocupação do espaço e de construção do espaço que não tem nada a ver com a necessidade das pessoas. Que não tem nada a ver com o que as pessoas precisam para viver individualmente e coletivamente, com as necessidades de moradia, com as necessidades de uso dos espaços públicos, com as necessidades das atividades econômicas. Tem a ver única e exclusivamente com as oportunidades de capturar mais lugares onde o capital financeiro pode encontrar maneiras de investir para poder gerar mais rentabilidade para si mesmo”, pontua.
No Brasil, o Estatuto da Cidade, instituído pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, estabelece princípios básicos de planejamento participativo e a função social da propriedade. Além de definir uma nova regulamentação para o parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a aumentar a oferta de lotes, e a proteção e a recuperação do meio ambiente urbano, o estatuto prevê a cobrança de IPTU progressivo de até 15% para terrenos ociosos. No entanto, a lei tem ficado restrita ao papel.
As cidades brasileiras que sediaram jogos da Copa do Mundo e, especialmente, o Rio de Janeiro, que vai sediar também as Olimpíadas de 2016, enfrentaram diversos problemas decorrentes de remoções e da falta de participação pública nas decisões relativas às transformações impostas aos cidadãos. Os moradores de favelas e periferiais foram os mais afetados por ameaças e efetivas remoções. Segundo dados divulgados pela revista Carta Maior, pelo menos mil famílias de 24 comunidades cariocas foram removidas nos últimos anos para dar lugar às obras de preparação da cidade do Rio para receber grandes eventos. Além disso, não houve discussão com a população sobre a necessidade das obras, se elas eram prioritárias ou não, se estavam no Plano Diretor ou não.
Os movimentos que lutam pelo direito à cidade e pela moradia digna defendem os governos municipais, estaduais e federal estejam comprometidos com uma política urbana articulada com estratégias de inclusão social e de justiça ambiental e ressaltam que a moradia adequada é um direito humano fundamental à constituição de uma vida digna.
Entre os dia 4 e 8 de abril, o Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) realizou uma série de atividades pela Semana Nacional do Direito à Moradia. O objetivo, segundo a defensora pública Luíza Lins Veloso, coordenadora do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo, foi “fomentar e discutir moradia, uma luta difícil. Talvez, dos direitos constitucionais, o mais esquecido e com maior resistência nos tribunais. A ideia é conscientizar moradores de seus direitos e aprimorar profissionais, para que eles conheçam os institutos que atuam no tema, para evoluirmos nesse sentido”, explicou.
Segundo ela, os profissionais da defensoria devem orientar os moradores das ocupações. “Procuramos abordar temas relacionados ao direito à moradia em áreas públicas e privadas, o usucapião, concessão de uso, enfim, os instrumentos para assegurar a moradia.”
Fontes: Rio on Watch; Carta Maior; FNRU; Rede Brasil Atual.
Notícias
PARTICIPAÇÃO, DIREITOS E CIDADANIA
Um dia para refletir sobre o direito à cidade e à moradia digna