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Educação neutra? Participação, Direitos e Cidadania 0 Comentário Deixe seu comentário

sala de aula29/06/2016 I Tramitam na Câmara dos Deputados e em diversas casas legislativas de estados e municípios projetos de lei que defendem “uma educação neutra” e visam proibir que professores emitam opiniões ideológicas dentro das salas de aula.

Dependendo da turma, um professor estaria em uma situação de impasse ao tratar das origens da humanidade, pois não poderia discutir o evolucionismo diante de um aluno cuja crença familiar preconizasse o criacionismo. Da mesma forma, um adepto do liberalismo poderia ter sua moral familiar questionada em uma aula de história que discutisse as relações entre classes sociais e industrialização no século XIX, ou uma família socialista poderia acusar o professor do seu filho de ferir seus valores morais em uma aula sobre a ideologia liberal e a crença no livre mercado.

É possível uma educação sem liberdade de ensino, de aprendizagem, de pesquisa e de divulgação do pensamento, como definido pela Constituição Federal? De que trata verdadeiramente a pretensa neutralidade nas escolas?

A seguir apresentamos o pensamento de dois especialistas: o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, e a Relatora de Direitos Humanos e Estado Laico da Plataforma de Direitos Humanos, Ivanilda Figueiredo.

 

 

Daniel Cara

Daniel Cara é doutorando em educação (USP) e mestre em Ciência Política (USP). É coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde junho de 2006.

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Ivanilda FigueiredoIvanilda Figueiredo é doutora em Direito pela PUC-Rio e Relatora de Direitos Humanos e Estado Laico da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil.

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O programa ‘Escola sem Partido’ quer uma escola sem educação

Os projetos de lei do programa “Escola sem Partido”, que tramitam na Câmara dos Deputados e em diversas casas legislativas de estados e municípios, têm gerado angústia nos movimentos educacionais, nas universidades e nas comunidades escolares brasileiras.
Se por um lado muitos professores estão receosos, tendo em vista a limitação pedagógica e a negação da liberdade de ensinar e aprender que esse projeto traz consigo, por outro, alguns familiares o apoiam.

Muitos desses pais, porém, desconhecem a proposta em profundidade, deixando de refletir sobre a escola que decorrerá dela: uma escola que trará riscos ao processo formativo dos estudantes, por ser medíocre, cerceadora e incapaz de preparar os alunos para a vida.

No Distrito Federal o projeto já foi aprovado em comissão específica da Câmara Legislativa. Em Alagoas, o PL foi aprovado pela Assembleia Legislativa local, mas vetado pelo governador Renan Calheiros Filho. Contudo, em poucos dias, o veto foi derrubado pelos deputados estaduais. Diante do impasse, membros da Secretaria de Estado da Educação local pretendem questionar a constitucionalidade da proposta. Entre os argumentos, os gestores afirmam que o programa afronta princípios fundamentais, como a livre manifestação e a liberdade pedagógica, além de prejudicar a qualidade da educação.

Os projetos de lei do programa Escola sem Partido se baseiam na acusação de que há uma doutrinação moral e ideológica de esquerda nas escolas brasileiras. Diante disso, os professores devem ser vigiados e controlados no exercício de sua profissão, por meio da imposição de limites à liberdade de cátedra – um dos pilares fundamentais do magistério.

Após perceber que a defesa de uma educação neutra seria, no mínimo, uma demonstração de enorme ignorância, o movimento “Escola sem Partido” passou a advogar em defesa de uma prática pedagógica supostamente plural. Porém, sob o véu da pluralidade declarada o que se observa é a promoção de um perigoso dogmatismo conservador.

O “Escola sem Partido” é inspirado em iniciativas internacionais e declara ter três objetivos: a “descontaminação e ‘desmonopolização’ política e ideológica das escolas”; o “respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes”; e o “respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos uma educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

Qualquer exercício de julgamento sobre a observância desses três objetivos criará verdadeiros tribunais ideológicos e morais nas escolas, transformando o espaço escolar em um ambiente arbitrário, acusatório, completamente contraproducente ao aprendizado.

Nessa escola, nenhum professor terá segurança para ensinar, pois não saberá como sua aula será julgada – e isso se estende a qualquer área do conhecimento. Ministrar uma aula de História Geral sobre as diferentes revoluções, a luta das mulheres pelo direito ao voto ou as duas grandes guerras passará a ser arriscado. Também não será simples, nas aulas de Biologia, apresentar aos estudantes a teoria da evolução de Darwin, diante da emergência do fundamentalismo cristão no Brasil e sua perspectiva criacionista.

A leitura dos sites do movimento “Escola sem Partido” e de postagens em redes sociais mostra que os defensores dos projetos de lei desejam uma educação moral ultrapassada, completamente descontextualizada do mundo e incapaz de refletir a diversidade existente na sociedade brasileira.

Debater em sala de aula os problemas estruturais do Brasil, como o enfrentamento às discriminações sociais, religiosas, raciais, étnicas, de gênero e de orientação sexual será, portanto, um exercício, no mínimo, tortuoso.

Chamado, com razão, de “lei da mordaça” entre os educadores, o “Escola sem Partido” tem graves equívocos, especialmente no âmbito da pedagogia como ciência.

No conjunto de sua obra, dedicada à crítica ao tradicionalismo pedagógico, Vitor Henrique Paro, em uma síntese de grandes educadores, afirma que a educação é a apropriação de cultura. Cultura é tudo aquilo que a humanidade produziu e produz: valores, direito, línguas, matemática, física, química, biologia, história, geografia, artes, esportes, política, economia, tecnologia...

O direito à educação é, portanto, o direito de todos se apropriarem da cultura, tornando-se sujeitos autônomos, capazes de ler, compreender e participar verdadeiramente do mundo, devendo aprender sobre tudo aquilo que é possível e necessário para a realização da vida. A escola, portanto, não ensina apenas conhecimentos, mas também valores, formas de agir, ser e estar no mundo.

Diante dessa concepção, o trabalho do educador é o de conduzir o educando no exercício de apropriação da cultura, por meio do processo de ensino-aprendizagem. Para isso ocorrer, a relação entre professor e aluno precisa estar pautada pelo respeito mútuo, diálogo e liberdade. Portanto, pela confiança entre sujeitos e grupos que convivem com vontades, aspirações e interesses que nem sempre convergem.

Uma boa escola não desconsidera as divergências entre professores, alunos e famílias, inclusive sobre o que e como é ensinado. No entanto, os conflitos devem ser discutidos e resolvidos de forma franca, respeitosa e democrática, o que, aliás, é educativo para todos. E isso é parte importante do processo educativo.

No entanto, o “Escola sem Partido”, ao visar a imposição de um julgamento moral e dogmático à docência, prejudicará o aprendizado dos alunos. Imersos em um clima persecutório, os professores não terão condições mínimas para o exercício do magistério. Com medo, não apresentarão aos estudantes uma série de conhecimentos, valores, informações, temas e questões, o que trará efeitos extremamente danosos: em primeiro lugar, ao desenvolvimento dos alunos e, depois, ao desenvolvimento do país.

Se os projetos de lei vingarem, o Brasil estabelecerá um paradoxo: sob a vigência do “Escola sem Partido” emergirá uma escola sem voz, sem liberdade, sem divergências, sem cidadania, sem questionamento, sem reflexão, sem política, sem economia, sem artes, sem apropriação de cultura, ou seja, uma escola sem educação!

Resta saber se os familiares querem uma educação abaixo da mediocridade para seus filhos. Uma educação que exclua saberes, valores e conhecimentos, limitando o desenvolvimento pleno das crianças, adolescentes e jovens, impondo a eles uma versão extremamente limitada do mundo.

Se as escolas atuais já não cumprem com as finalidades da educação, rebaixá-las por meio da vigência do “Escola sem Partido” deixará o Brasil ainda mais distante de seu compromisso constitucional de consagrar o direito à educação de qualidade. Definitivamente, não é pelo caminho da mediocridade e do obscurantismo que as escolas melhorarão.

Fonte: Jornal Nexo

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Escola sem Partido e a falsa ideia de neutralidade

Brasileiras e brasileiros querem um país melhor, onde possam viver em segurança, terem uma vida produtiva, divertida, saudável, exercer suas crenças e viver de acordo com suas convicções. Esses sentimentos em si unem grande parte da nação. No entanto, o debate sobre como conquistar tais objetivos divide a sociedade. Para uns, é preciso maiores garantias de direitos. Para outros, maior rigor penal. Para uns, é preciso se falar sobre cidadania, gênero, raça, orientação sexual, identidade de gênero e discriminação em sala de aula. Para outros, tais assuntos devem ser debatidos apenas no seio familiar sem qualquer interferência do Estado. Para uns, retomar o respeito a valores religiosos em todas as esferas da vida seria a solução para a pacificação social. Para outros, o respeito à Constituição é o único modo de viver numa sociedade plural, com inúmeras crenças e convicções diferentes, todas elas igualmente válidas.

Tais embates têm por característica estarem sendo travados em um período no qual as informações estão disponíveis de modo viral na internet e nos aplicativos de celular. As informações voam a velocidades impressionantes e se reproduzem de modo dinâmico. Muitas vezes, pelo formato no qual são divulgadas, é difícil até para pessoas com maior experiência na identificação de boatos notarem a falsidade. As notícias falsas, no entanto, são lançadas com um propósito: o de acirrar ainda mais os ânimos entre os dois polos. Há quem hoje finalize qualquer conversa ao ouvir palavras ou expressões como “direitos humanos”, “respeito à diversidade”, “ideologia de gênero”, “valores cristãos”. As duas primeiras expressões representam o grupo dos defensores de direitos humanos e as duas últimas as pessoas vinculadas à defesa de valores familiares e religiosos mais conservadores. A cada dia parece que se torna mais difícil os partidários de uma das correntes não se sentir ameaçado pelos filiados da outra.

Dia desses um aluno me disse que era contra o kit anti-homofobia (para ele, kit gay) porque não concordava que cenas de sexo explícito fossem expostas para crianças de tenra idade. Expliquei-lhe que isso nunca existiu, nenhum material didático seria produzido ou fornecido pelo Ministério da Educação e por órgãos das Nações Unidas com este tipo de conteúdo, garanti-lhe que havia tido todo o material em mãos e lá o que existia eram apenas histórias apropriadas para a idade nas quais se abordava o respeito às pessoas independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Não foi fácil convencê-lo, pois ele repetia a todo tempo ter visto o material na internet. Impressiona que um conteúdo produzido há mais de quatro anos e que nunca chegou sequer a ser distribuído ainda povoe o imaginário de pessoas como ele, hoje no auge dos seus 18 anos.

Trata-se, no entanto, de expressão dessa batalha de comunicação que vem sendo travada nos últimos anos. Nessa guerra o campo progressista defensor de direitos humanos tem se visto acuado pela ascensão de forças conservadoras que têm jogado com a linguagem de forma primorosa e tornado tudo que é defesa de direitos “ideologia” e tudo que é negação a estes direitos “neutralidade”.

Uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil e mais de 13 são mortas por dia. O país é campeão de mortes violentas de travestis e convive com grave violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Lidar com essa realidade é tentar eliminar as mais graves violações de direitos que devem ser inaceitáveis em qualquer estado democrático. No entanto, tais temas recebem hoje a alcunha de serem propagações de uma “ideologia de gênero” e por isso foram retirados do Plano Nacional de Educação e de vários dos seus congêneres estaduais e municipais. Mas, mais que isso, há inúmeros projetos de lei nos três âmbitos federativos proibindo qualquer discussão sobre esses temas em sala de aula.

A mais nova expressão dessa realidade são os projetos impulsionados por um movimento chamado “Escola sem Partido”. Para eles, o conteúdo das disciplinas em sala de aula deve ser neutro e não apresentar qualquer conteúdo político, religioso ou ideológico. De acordo com os autores do projeto, o intuito é proteger as crianças de professores que estariam propagando em salas de aulas suas próprias visões de mundo. Defende-se que os pais e mães têm direito a assegurar a seus filhos uma educação condizente com suas convicções. Dito desta forma, o movimento consegue persuadir muitas pessoas com seus argumentos, pois a neutralidade e os respeito aos valores familiares parece, para muitos, desejável. No entanto, olhando de forma mais detida para a proposta – na Câmara dos Deputados, PL 867/2015 – é possível se questionar com muita seriedade algumas de suas premissas:

I – quem definirá quais conteúdos são ideológicos e quais não são? Quem serão os censores do Século XXI responsáveis por ler os livros didáticos, fiscalizar os cadernos de anotações dos alunos? Escutar sorrateiramente as aulas dos professores?

II – quais conteúdos podem ser considerados ideológicos? Tratar de racismo, machismo, homofobia, democracia e respeito aos direitos é ideológico? E se calar diante as injustiças, perpetuar uma cultura de desigualdade e violência não é?

III – será construído um país melhor quando crianças, adolescentes e adultos forem obrigados a se submeter a um pensamento único e qualquer divergência seja punida? As salas de aulas precisarão ser completamente homogêneas para que os professores nunca expressem nenhuma opinião ou passem qualquer informação incompatível com as crenças e convicções dos pais e mães dos alunos?

IV – Ora, ninguém jamais contestou o direito de pais e mães conversarem com seus filhos e ensinarem e perpetuarem seus valores morais e religiosos, mas como obrigar que em qualquer nível de ensino os professores sejam tolhidos no seu direito a liberdade de cátedra para se garantir que não exista incompatibilidade entre o ensinado em sala de aula e o ensinado no lar?

Tais perguntas merecem uma reflexão social profunda: quem, quando e como estabeleceu que perpetuar injustiças, se calar diante de violências e opressões é ser neutro? E falar sobre elas é ser ideológico? Neutralidade não existe. Há visões de mundo diversas num país plural e para uma melhor convivência social não é melhor que todos sejam capazes de respeitar a pluralidade e a diversidade mesmo que em seu íntimo vivam de acordo com valores morais e religiosos diversos de seus vizinhos ou colegas de classe?

Mais que isso, é preciso ter em conta de que apesar de projetos como esse alegarem defender um Estado Laico, eles não tocam nos debates sobre ensino religioso confessional em sala de aula, por exemplo. Esse sim um debate essencial para quem pretende eliminar conteúdos sem rigor científico das salas de aula. A Constituição prevê a possibilidade do ensino religioso em escolas públicas, mas, para ele ser compatível com a laicidade do estado, seria necessário que se trata de explicar a respeito das diversas religiões e seus pressupostos, favorecendo assim o respeito constitucional a liberdade de crença. Precisariam, ainda, ser tratados apenas em uma disciplina específica e ser assegurado naquele período outro tipo de atividade aos alunos que não se interessassem pela disciplina. Nada disso ocorre nas salas de aula hoje. Inúmeros estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo, tratam o ensino religioso como confessional e em grande parte do país a disciplina é tratada como de presença obrigatória.

Se há um princípio que merece a atenção de pais, mães e responsáveis hoje nos bancos das salas de aula é o do respeito à laicidade. Não se trata se impingir-lhe a alcunha de neutro, mas tão somente reconhecer que o Estado não pode tomar partido quando o assunto é religião. Para o Estado brasileiro qualquer crença é igualmente válida, incluindo o direito de não se filiar a nenhuma religião específica. Todos os brasileiros e brasileiras são iguais em direitos e obrigações e merecem a mesma consideração pelo Estado. Não há outro modo de se assegurar isso que não sejam promovendo em salas de aulas, nas ruas, nas praças, nos noticiários e na internet uma cultura de respeito à pluralidade e à diversidade que é incompatível com qualquer tipo de censura.

É hora, portanto, da sociedade perceber que nenhum desses dois polos de pensamento é neutro. É necessário mais do que nunca que o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil se unam em torno do respeito à Constituição e na defesa, por uso dos meios jurídicos possíveis em cada caso, do respeito à pluralidade de pensamento, a liberdade de cátedra e a construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos e a cidadania. É preciso ressaltar para todas as pessoas: não se está erguendo um país mais justo nem melhor quando uma política de inclusão educacional é desmontada.

Fonte: Brasil de Fato

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