07/10/16 I Tem crescido em todo o país o número de pessoas que tem buscado o Judiciário como última alternativa para assegurar leitos em Centro de Tratamento intensivo (CTI), exames, cirurgias, próteses ou medicamentos de alto custo, que não estão disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e também de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O processo judicial, individual e coletivo, contra os Poderes Públicos e os planos privados de saúde, teve início na década de 90, com as reivindicações das pessoas vivendo com HIV/Aids para medicamentos e procedimentos médicos. As reivindicações fundamentam-se no direito constitucional à saúde, que inclui o dever estatal de prestar assistência à saúde individual, de forma integral, universal e gratuita, no Sistema Único de Saúde (SUS), sob a responsabilidade conjunta da União Federal, estados e municípios.
Para alguns, a via judicial tende a beneficiar os mais ricos, levando as autoridades da área de saúde a desviar para este grupo recursos de programas de saúde destinados ao atendimento da maioria da população. Outros, no entanto, sustentam que o sistema judiciário pode servir como um mecanismo institucional importante para que os pobres expressem suas demandas, tornando o sistema de saúde mais justo caso esta parcela da população consiga ter acesso ao sistema judiciário.
Ações que tratam do fornecimento de remédios de alto custo a pessoas com doenças graves chegaram ao STF, que vai julgar se os estados devem ou não fornecer esses medicamentos. Marcado para o dia 28 de setembro, o julgamento foi adiado e ainda não tem data definida.
Trata-se de um tema que afeta um direito básico do cidadão, que é o acesso à saúde. E, por isso, é fundamental conhecer mais sobre o assunto e todas suas implicações. Para iniciar esse processo, disponibilizamos duas matérias jornalísticas recentes. Uma divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo e outra da Rede Brasil Atual.
Entenda a judicialização da saúde e debate do STF sobre acesso a remédios
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a discutir se os Estados devem ou não fornecer medicamentos de alto custo, fora da lista do SUS ou até sem registro no Brasil a pacientes que recorrem à Justiça para obtê-los.
A chamada judicialização da saúde tem crescido em ritmo acelerado no últimos anos e gerado debates sobre os deveres dos governos –tanto federal, quanto estaduais e municipais– quanto ao direito universal à saúde, previsto pela Constituição a todos os brasileiros.
Abaixo, entenda o que é a judicialização, o que está em jogo na sessão do STF e quais são os argumentos das partes envolvidas na discussão.
1. O que é judicialização da saúde?
É a tentativa de obter medicamentos, exames, cirurgias ou tratamentos, aos quais os pacientes não conseguem ter acesso pelo SUS ou pelos planos privados, por meio de ações judiciais. Os pedidos normalmente são feitos com base no direito fundamental de todo brasileiro à saúde.
2. Por que esse tema está sendo tão debatido ultimamente?
Nos últimos anos, o número de processos e o gasto dos governos com ações judiciais têm crescido tanto em nível federal quanto em estados e municípios. O total de condenações do estado de SP, por exemplo, quase dobrou nos últimos cinco anos (foi de 9.385 em 2010 para 18.045 em 2015).
3. Quando essa prática começou?
A partir da década de 1980, com a progressiva constitucionalização dos direitos sociais e as dificuldades do Estado em prover esses serviços efetivamente. O envelhecimento da população, a crise econômica e os cortes no orçamento da saúde contribuíram para o atual aumento dos casos.
4. O que o STF terá que debater no julgamento ?
Os ministros vão discutir sobre a obrigação do Estado em fornecer medicamentos considerados de alto custo, que estão fora da lista do SUS ou que ainda não são registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) –e, que, por isso, não podem ser vendidos no Brasil.
5. O que motivou esse debate?
Dois processos que chegaram ao STF. O primeiro, de 2007, trata de um recurso impetrado pelo governo do Rio Grande do Norte após o Estado ser obrigado a fornecer um medicamento de alto custo a uma paciente que não tem condições financeiras de comprá-lo.
O segundo, de 2009, ocorre depois que uma paciente de Minas Gerais, com doença renal crônica, pediu à Justiça que o Estado custeasse o acesso a um remédio sem registro na Anvisa na época, mas aprovado em outros países. Com o pedido negado, ela recorreu.
6. Por que a decisão do STF é importante?
Como o supremo já decidiu que os dois casos são de repercussão geral, a decisão deve influenciar outras ações judiciais pelo país. A avaliação é esperada por governos, membros do Judiciário, entidades de saúde e representantes de pacientes, entre outros.
7. O que dizem os governos?
O volume de ações judiciais é crescente e tem causado desequilíbrio nas contas. São gastos valores altos para beneficiar poucos pacientes.
Despesas "inesperadas" podem ameaçar políticas de saúde, já que orçamentos só preveem remédios incluídos na lista do SUS.
Há distorções em algumas solicitações - em SP, por exemplo, já houve pedidos de itens como lenços umedecidos, colchão de solteiro e até remédio para cachorro.
8. O que dizem representantes dos pacientes?
Os pacientes acionam a Justiça por causa da demora na incorporação e oferta de tratamentos pelo SUS ou na análise de novos medicamentos pela Anvisa. O conceito de "alto custo" deve ser olhado do ponto de vista do paciente. Trata-se de remédios que já foram aprovados por agências de outros países, como a americana FDA. Decisão contrária pode inviabilizar o acesso à saúde a pacientes pobres ou com doenças raras, por exemplo, cujo tratamento só está disponível no exterior.
9. Quem já votou?
Na primeira sessão do julgamento, em setembro, o ministro relator do caso, Marco Aurélio Mello, entendeu que o Estado não pode deixar de fornecer remédios de alto custo e fora da lista do SUS a pacientes sem condições de pagar pelo tratamento, desde que tais produtos tenham registro na Anvisa.
Outros dez ministros ainda devem votar. O julgamento foi suspenso porque o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista (medida que permite que se estude melhor o caso antes de tomar uma decisão).
10. O tribunal já demonstrou alguma tendência na decisão?
O tema é considerado delicado pelos ministros. Pelos menos três deles ouvidos pela Folha defendem a possibilidade de o tribunal encontrar uma solução intermediária, diminuindo o impacto das ações para os estados, mas sem inviabilizar o acesso de pacientes de baixa renda a remédios de alto custo.
Fonte: Folha de S. Paulo
STF entra no debate da judicialização da saúde
O Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu entrar para valer no debate sobre a judicialização da saúde, que consiste na tramitação, nos tribunais brasileiros, de processos pelos quais os cidadãos pedem acesso a leitos em hospitais, remédios fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e até para ter direito à marcação de consultas e cirurgias de urgência. Segundo os últimos dados disponíveis no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), chegou-se a 392.921 processos em 2014.
Em setembro, o Supremo transformou dois processos que abordam a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos de alto custo e pagar remédios sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em casos de repercussão geral. Por esse instrumento, a decisão a ser tomada pelos ministros da mais alta Corte do país passará a valer para todas as outras sobre o tema que tramitem nos vários tribunais.
A ideia de dar a essas ações o instrumento de repercussão geral se deu porque este ano, de janeiro a julho, o Ministério da Saúde respondeu a 16.301 ações que reclamam apenas o fornecimento desses casos específicos – remédios e tratamentos médicos não validados pela Anvisa. E o número da ações sobre essas circunstâncias, neste primeiro semestre, chegou a ser maior que o observado durante todo o ano passado (14.940)
A parte referente aos remédios é apenas um item deste problema que afeta não apenas os pacientes e parentes de pessoas com doenças crônicas e casos tidos como muito sérios, mas também médicos e magistrados.
“É muito complicado e grave. À primeira vista todo mundo tem direito à saúde, a leitos em hospitais e acesso a medicamentos. Mas quando o juiz recebe o pedido para a compra de um remédio de R$ 16 mil, por exemplo, para um paciente com câncer em estado terminal, vai ter que avaliar o número de caixas que terá de liberar e muitas vezes percebe que o valor a ser gasto com esta pessoa, no total, pelo poder público, será semelhante ao orçamento para todo o setor de saúde pública de um dos municípios mais pobres do país”, observou o pesquisador em saúde pública Adriano Rodrigues, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“Ele tem de pensar, fica nas mãos dele decidir se ajuda a melhorar o final da vida desta pessoa ou nega o pedido para que os recursos possam ajudar a vacinar crianças e ser usados em outras iniciativas que vão salvar muito mais vidas. Isso é cruel para um julgador”, afirmou, acrescentando que o quadro leva muitos magistrados a se encontrarem no limite entre decidir sobre a vida ou morte de uma pessoa.
Desconforto nos julgamentos
Muitas vezes, apesar de várias parcerias já terem sido feitas, existe uma carência de peritos na área para subsidiar os juízes sobre a situação real de um paciente para quem está sendo pleiteado determinado medicamento de alto custo. E se a situação parece ser difícil apenas nos estados, no STF, os ministros demonstraram o mesmo desconforto na última quarta-feira.
O ministro Marco Aurélio de Mello, relator das ações que estavam na pauta, disse que embora seja favorável à obrigação do poder público de fornecer estes remédios, seu parecer é contrário à distribuição dos que não tenham sido registrados pela Anvisa, na maior parte das vezes, mas destacou que “o fornecimento depende da comprovação de necessidade do remédio e da incapacidade do paciente de pagar pelo fármaco”.
O ministro Luiz Roberto Barroso, por sua vez, apresentou entendimento diferente e, diante da dúvida suscitada por vários integrantes do colegiado, ele pediu vista do processo para analisá-lo melhor.
Informações repassadas na sessão pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, são de que de 2010 a 2015 o Estado passou a ter um aumento de 727% nos gastos referentes à judicialização. “Esses tipos de liberação terminam impactando nas políticas públicas de saúde”, argumentou.
“Em outras palavras: o poder público não tem competência para oferecer um bom sistema de saúde pública para a população; a população recorre à Justiça; e a Justiça fica perdida, porque nem sempre consegue ser subsidiada por um médico sobre a melhor decisão. E um juiz sabe que, nessas circunstâncias, salvar uma vida, por mais importante que seja, também pode significar evitar que várias outras consigam viver”, disse o pesquisador.
O assunto foi uma das prioridades abordadas pela presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, na reunião que ela teve recentemente com os governadores, a quem pediu que listassem os principais objetos reclamados nas ações contra os governos estaduais neste setor.
Independentemente disso, o CNJ, que também passa a ser comandado pela ministra, deu início, no dia 15 de setembro, a uma parceria com o Conselho Nacional de Saúde (CNS) no sentido de tentar contribuir com o envio de peritos para os tribunais de Justiça, de forma que eles os ajudem no estudo dos laudos médicos observados nestas ações.
A parceria, que tem, ainda, o apoio do Ministério da Saúde, permitirá buscar formas de racionalização desses processos e a realização de reuniões nos estados que levem a medidas menos burocráticas para facilitar procedimentos. “Inauguramos hoje uma relação de diálogo e nos colocamos à disposição para auxiliar no que for possível”, afirmou o presidente do CNS, Ronaldo Santos.
Já o supervisor do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde, o conselheiro do CNJ Arnaldo Hossepian, disse que o órgão quer estruturar o sistema para corrigir distorções, inclusive com a criação, no início do mês, de comitês estaduais de Saúde junto ao Judiciário nos estados. Segundo ele, também estão sendo estudadas formas de especialização de comarcas junto ao tema.
Problema social
Outra iniciativa apontada pelo conselheiro é a criação de um banco de dados com informações técnicas para auxiliar magistrados nas decisões. “O CNJ não interfere no exercício da jurisdição, nem na forma como o juiz vai decidir sobre cada caso. O que queremos conferir aos julgadores é a possibilidade de, em tempo rápido, receberem pareceres técnicos sobre essas ações para que possam deliberar com mais celeridade e adequadamente”, afirmou Hossepian.
Para a juíza federal Rosângela Borges, de Goiás, o problema não é de hoje e precisa de atuação eficaz, por parte do Judiciário, de uma vez por todas, com imposições ao poder público para que cumpra seu papel. “São processos que não dizem respeito apenas aos jurisdicionados. Também representam um problema social, tanto para os juízes, como para os jurisdicionados e os elaboradores de políticas públicas”, disse.
A polêmica principal se dá porque, segundo a magistrada, até há bem pouco tempo as decisões eram tomadas quase que “no escuro”. “A tendência de todos os juízes do país é dar a decisão favorável ao cidadão, porque é difícil detectar um caso de fraude se não tivermos informações disponíveis e tendo uma vida em jogo. E muitas vezes, quando os próprios demandantes judiciais incorrem em um erro de avaliação sobre a necessidade de um procedimento, o fazem até mesmo de forma inconsciente em prol da sua saúde ou dos seus familiares, querendo mais bem-estar para estes”, disse Rosângela.
De acordo com os dados do CNJ (que ainda não tem o balanço referente ao ano de 2015), no ano de 2014 os estados campeões em número de ações de cidadãos reivindicando serviços públicos de saúde na Justiça foram Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina, Pará e Rio Grande do Sul. A ministra Cármen Lúcia ficou de chamar os governadores para uma segunda conversa sobre o tema, assim que tiver um diagnóstico mais preciso sobre os gargalos observados nas ações em cada estado voltadas para este setor.
Fonte: Hylda Cavalcanti, da Rede Brasil Atual
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