11/12/2015 I Depois de muita discussão, foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal o Projeto de Lei que tipifica o crime de terrorismo. O projeto, que prevê punição em regime fechado e multa, sem prejuízo das penas relativas a outras infrações decorrentes desse crime, foi aprovado na Câmara dos Deputados, com a ressalva que explicitamente excluía da tipificação de terrorismo as manifestações políticas e os movimentos sociais, sindicais e religiosos que tenham o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais. Mas, ao ser encaminhado posteriormente ao Senado, foi modificado pelo o senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB-SP, relator na Casa, que tornou a definição de terrorismo mais ampla e genérica, e retirou do texto o parágrafo que excluía as manifestações de cidadania da tipificação de terrorismo. Aprovado no Senado brasileiro, em 28 de outubro de 2015, o PL voltou à Câmara dos Deputados para sua última votação.
Uma das principais motivações para proposta de lei seria a pressão de um organismo internacional do qual o Brasil é membro, o GAFI (sigla em francês para Grupo de Ação Financeira), criado em 1989 para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento de terrorismo. O não cumprimento das diretrizes do GAFI poderia levar à inclusão do Brasil em uma espécie de lista negra que indicaria “alto risco” nas transações financeiras do país. No entanto, argumenta-se também não há qualquer recomendação do GAFI quanto à criação de uma lei específica antiterrorismo. O que existiria é a exigência de que o país tenha leis de combate ao financiamento do terrorismo, o que já está garantido na atual legislação do país.
O diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil, Silvio Caccia Bava, em editorial publicado na edição 101 do Le Monde, de dezembro de 2015, alerta que, com a atual redação do PL 2.016/15, um militante de direitos civis pode pegar até 30 anos de cadeia por participar de uma manifestação que, por exemplo, queime ônibus em protesto contra a deficiência do transporte público.
Terrorismo de Estado
Desde o 11 de Setembro de 2001, como retaliação ao ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, os Estados Unidos têm conduzido operações secretas e ataques utilizando drones, com a execução de civis suspeitos, em setenta países.1
Com a cooperação da França e da Inglaterra, os Estados Unidos invadiram e destruíram as estruturas sociais e religiosas do Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia. São eles, com suas políticas unilaterais e militaristas, em articulação com os interesses de sua indústria bélica, que estimularam os conflitos religiosos e tribais que deram origem ao Estado Islâmico. Há uma forte correlação entre os atos de terrorismo e as intervenções militares realizadas.
Os dados mais recentes sobre o terrorismo mundial são de 2014, apresentados no Global Terrorism Index, e demonstram que 97,3% das mortes por atos terroristas aconteceram no Oriente Médio, no Magreb, na África subsaariana e na Ásia. As mortes no Ocidente ocorridas por atentados terroristas, desde 2000, representam 0,5% do total se excluirmos o atentado às Torres Gêmeas; se o incluirmos, elas somam 2,6% do total.2
Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os atos terroristas não têm origem religiosa; eles são gerados pelo alto desemprego entre os jovens, pela descrença nas instituições democráticas, pela crise econômica, pelo extremismo de direita e pelos nacionalismos.
O terrorismo ganhou escala a partir de 2014, impulsionado especialmente pelo Estado Islâmico e pelo Boko Haram, e passou a atacar civis (47%), militares/polícia (27%), governo (6%) e negócios (6%). As vítimas de atentados com fundo religioso não ultrapassam 3%.
Outro dado importante é que cerca de 20% dos estrangeiros que se incorporaram ao Estado Islâmico e outros grupos terroristas que atuam no Iraque e na Síria vêm da Europa. Rússia, França, Alemanha e Inglaterra, nesta ordem, são os principais fornecedores. É a Europa que exporta terroristas.
A insensatez de responder com atos de força aos atentados de Paris só leva a maior violência e retaliações, sem chances de resolver os conflitos.
Brasil
Por força de pressões internacionais, especialmente do Financial Action Task Force (FATF)3 – organização internacional criada em 1989 por ministros de seus países integrantes (Brasil e Argentina são os únicos da América do Sul) que recomenda iniciativas a governos nacionais contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo –, o Brasil se viu compelido a criar uma lei antiterrorista sob pena de maiores pressões, por exemplo, partindo das agências internacionais de classificação de risco.4
Assinado pelo ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, e pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy (?!), o Executivo encaminhou em regime de urgência ao Congresso o PL n. 2.016/15.
O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, com a ressalva que explicitamente excluía da tipificação de terrorismo as manifestações políticas e os movimentos sociais, sindicais e religiosos que tenham o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais.
Encaminhado posteriormente ao Senado, seu relator nessa Casa, o senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB-SP, modificou a definição de terrorismo, tornando-a mais ampla e genérica, e retirou do texto elaborado pela Câmara dos Deputados o parágrafo que excluía as manifestações de cidadania da tipificação de terrorismo.
Aprovada no Senado brasileiro em 28 de outubro passado, a lei contra o terrorismo parece ter o mesmo propósito identificado no US Code, que define de maneira vaga o que é terrorismo: “ato violento e perigoso para a vida humana que viola leis estaduais e federais”.
Com essas mudanças, um militante de direitos civis pode pegar até trinta anos de cadeia por participar de uma manifestação que, por exemplo, queime ônibus em protesto contra a deficiência do transporte público.
Lá nos Estados Unidos, há analistas do FBI que dizem que essa lei serve, em países estrangeiros, para intimidar ou coagir a sociedade civil, entre outras coisas.
Agora, o PL n. 2016/15 voltou à Câmara dos Deputados para sua última votação. A Câmara ainda pode modificá-lo, mas neste cenário conservador é preciso ter presente que os poderes de fato sempre lançaram mão do medo coletivo como instrumento de estabilização, fortalecimento ou consolidação de sua dominância política e econômica, especialmente em momentos de crise social e política.5
No caso da América Latina e especialmente do Brasil, os números de vítimas de atos terroristas são inexpressivos, mas a violência urbana aponta para a existência de um terrorismo de Estado, traduzido na violência de órgãos policiais contra a população civil, sobretudo jovens, negros e pobres, vítimas de um genocídio silencioso que requer medidas urgentes para sua erradicação.6
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1 Roberto Amaral, “Paris e as lágrimas de crocodilo”, Carta Capital, 23 nov. 2015.
2 Marcelo Zero, “O lado invisível do terrorismo”, Bra- sil Debate, 25 nov. 2015.
3 Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi). Ver artigo de Fernanda Calgaro, de 28 out. 2015, no G1, Brasília.
4 <www.fatf-gafi.org/countries/#FATF>.
5 Vitor Martins, site JusBrasil.
6 Marcelo Zero, op. cit.
Projeto de “lei antiterrorismo”: para quem?
Em meio às perplexidades ao redor do projeto de lei antiterrorismo (PL 2016/2015), chama a atenção o fato de que o texto de propositura tenha a assinatura dos ministros José Eduardo Cardoso e Joaquim Levy. Que o Ministério da Justiça se ocupe da matéria, nada de novo. Mas desde quando a “guerra ao terror” virou tema da Fazenda?
A surpresa se desfaz com a leitura da justificativa, na qual se aponta o dever de combater o financiamento ao terrorismo para cumprir “acordos internacionais firmados pelo Brasil, sobretudo em relação a organismos como o do Grupo de Ação Financeira (GAFI)”. Há muitos compromissos desse tipo que não se tornaram direito interno. Por que tamanha atenção com os acordos do grupo?
O grupo faz parte da rede de proteção que busca intervir em padrões institucionais com efeitos negativos sobre a “integridade” do sistema financeiro. O objetivo é reagir às possíveis ameaças advindas da lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo. Para tanto, o GAFI desenvolve recomendações e, em seguida, monitora a aplicação das medidas em seus países membros. Ao final, emite relatórios de avaliação que classificam os países como “conformes”, “parcialmente conformes” e “não conformes”.
A recompensa pelo cumprimento é a declaração daquele ambiente como seguro para os negócios. Já o certificado de “território não-cooperativo” representa um sinal vermelho para o sistema financeiro, desestimulando-o a realizar transações naquele país. O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda tem manifestado inquietação quanto ao risco do Brasil entrar na “lista negra” do GAFI por conta da falta de legislação que criminalize o financiamento do terrorismo.
Por tudo isso, fica clara a relevância do PL 2016/2015 para a Fazenda e sua articulação em regime de urgência. Outros problemas, porém, ainda devem ser esclarecidos.
O principal deles refere-se ao efeito detonador das recomendações do grupo GAFI para gerar legislações que ameaçam a liberdade de associação e manifestação. O Transnational Institute e o Statewatch realizaram uma pesquisa sobre o teor das reformas legais deflagradas pela Recomendação Especial VIII do grupo.
A pesquisa demonstra que esse organismo “aprovou algumas das regulações de organizações sem fins lucrativos mais restritivas do mundo e encorajou governos que possuem caráter repressivo a introduzir regras capazes de reduzir ainda mais o espaço político de ONGs e atores da sociedade civil”.
Os cinco países que receberam o selo “conforme a recomendação” (Bélgica, Egito, Itália, Tunísia e EUA) criaram aparatos de segurança que coibiram movimentos sociais. No caso do Egito e da Tunísia, ficou evidente que a adoção da recomendação foi uma das reações à Primavera Árabe. A pesquisa incluiu estudos de dez países que obtiveram, em alguma medida, legislação endossada pelo GAFI. Todos restringiram a livre manifestação.
O levantamento mostra ainda que o impacto da RE VIII foi negativo mesmo nos países em que ativistas dispõem de maior liberdade. No contexto brasileiro, marcado pela repressão a protestos, não é possível esperar efeito melhor.
Reflexo nas cidades
Desde as olimpíadas de Barcelona, essa “boa governança” tem ressaltado a importância de megaeventos esportivos para incluir as cidades nos novos fluxos financeiros globais. A fórmula é notória: criação de marco institucional capaz de gerar um suposto ambiente estável para atrair investimentos e, com isso, reformar os centros urbanos.
Essa fórmula não se esgota em si mesma, mas, conforme David Harvey, é um dos meios que viabiliza a acumulação financeira. Como, para se expandir, tal acumulação necessita comoditizar espaços não comoditizados, os megaeventos esportivos exigem um projeto urbano de reestruturação das cidades-sedes que confere valor de mercado a áreas descapitalizadas. Dentre outros, a especulação imobiliária é beneficiada.
Basta observar o que acontece no Rio de Janeiro para perceber que isso implica expulsão da população pobre, apropriação de áreas públicas, eliminação do comércio local etc. A liderança dos movimentos sociais nos protestos contra os gastos públicos com a Copa e nas lutas contra as remoções – como a da Vila Autódromo – mostram que eles são a base de resistência à marcha de comoditização da cidade promovida pelos jogos olímpicos.
Foi visto que o fim social do GAFI é proteger a integridade do sistema financeiro. Quando tal integridade está associada à promoção de megaevento esportivo, seu foco de oposição – os movimentos sociais – torna-se fonte de riscos para os negócios.
Não é necessário fazer elucubrações jurídicas sobre o caráter aberto dos tipos penais (“praticar ou infundir terror e pânico”) ou dos bens protegidos (“paz pública”) pelo PL 2016/2015 para perceber quem serão os “terroristas” que ameaçam as relações financeiras, em um país que, como admitido pelos ministros Cardoso e Levy, nunca sofreu atentado em seu território. Mas mesmo assim, por causa das Olimpíadas, precisa ser apreciado em regime de urgência.
A preocupação dos ativistas, de serem incriminados por tal lei, é, assim, bastante provável. A probabilidade se acentua frente ao contexto reacionário da política nacional. No Senado, por exemplo, foi aprovado substitutivo do Senador Aloysio Nunes para o projeto de lei: o senador do PSDB paulista quer retirar o parágrafo que exclui a aplicação para condutas de pessoas em mobilizações sociais e ainda acrescentar a expressão “extremismo político” na definição de “terrorista”. Dado que nem a ONU conseguiu tipificar terrorismo, fica evidente a gravidade da proposta brasileira.
O trâmite no Senado aponta para um problema adicional presente na recepção dos padrões do sistema financeiro. Eles são reapropriados pelas elites locais para atender aos seus interesses. A nova lei antiterrorismo mostra-se instrumento adequado para inibir protestos contra a atual onda conservadora. Como lembrou o vereador do Psol do Rio de Janeiro Brizola Neto em ato de repúdio ao projeto, se, em uma eventual manifestação alguém danificar os vidros da Bolsa de Valores, poderá ser condenados a penas de reclusão de 16 a 24 anos.
Algo evidentemente desproporcional, sobretudo quando se considera o impacto do orçamento da vidraçaria nas contas do sistema financeiro. Nesta toada, atos como os contrários ao leilão da Vale seriam evitados. A mesma lógica de criminalização poderia ser usada na repressão aos protestos contra a pauta retrógrada em vigor no Congresso.
Não se pode ter a ilusão de que há uma relação antagônica entre as ações das elites locais e os organismos financeiros globais. Para tanto, basta pensar na alta frequência de legislações nacionais repressoras da liberdade de associação estimuladas pelas recomendações do GAFI.
No capitalismo, o atraso sempre foi funcional e constitutivo do moderno. E ambos sempre se opuseram às resistências dos movimentos sociais vindas das ruas. Aliás, nesse sentido é curiosa uma das declarações do Senador Aloysio Nunes que justifica seu substitutivo. Ele citou uma frase de Guimarães Rosa: “o diabo está solto no meio da rua”. Será que é mesmo na rua, senador?
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