Meninas e meninos vêem a violência moral de formas diferentes: elas esperam que eles sejam mais agressivos do que realmente são, por conta de um modelo social machista e reproduzido na vivência escolar. E, embora descrentes quanto ao poder do diálogo para resolver conflitos, esses jovens podem se sensibilizar para escolher soluções pacíficas frente a problemas interpessoais. Estas são algumas conclusões da pesquisa de mestrado da psicopedagoga Kátia Pupo,apresentada naFaculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Como violência moral, a pesquisadora entende as pressões psicológicas nas relações entre os estudantes, que incluem humilhações, xingamentos, ameaças, exclusão e perseguições sistemáticas, além de conceitos de incivilidade e bullying – termo usado para descrever atitudes agressivas, intencionais e repetidas, sem motivação evidente, e que promovem humilhação e angústia por parte da vítima.
Kátia aplicou um questionário a 96 adolescentes da 7ª série e do 2º ano do ensino médio, estudantes de escolas públicas e privadas, sendo 48 meninas e 48 meninos. Depois de apresentar uma cena hipotética de violência moral branda (em que um(a) aluno(a) é desrespeitado na fila da cantina, sendo impedido(a) de comprar o lanche), pediu que os jovens falassem sob três óticas distintas: no lugar da vítima; as alternativas para solucionar o problema e o que esperavam da reação da vítima caso fosse do outro gênero.
?Encontrei diferenças significativas nas representações femininas e masculinas, especialmente no que diz respeito à ação esperada do sexo oposto?, comenta a pesquisadora. Isso a levou a questionar a forma como alunos e alunas são orientados frente a situações de conflito e ?rever arraigadas condutas sexistas, que reforçam os estereótipos de gênero construídos social e historicamente, em nossa prática educativa no interior da escola?.
Para sua surpresa, ela constatou que as meninas esperam dos meninos uma conduta mais violenta do que eles têm. ?O que levantei foi que meninos e meninas se enxergam de maneira distorcida e, ao mesmo tempo, cristalizada?. Ao assumir tal postura, elas correm o risco de se tornarem condescendentes com as agressões que sofram ou presenciem nos relacionamentos afetivos futuros.
Kátia avaliou que 79% das adolescentes esperam dos meninos um comportamento violento, mas apenas 13% dos garotos desejariam reagir violentamente à situação. Outro dado encontrado foi que os jovens culpam a vítima por ela ser vítima, ou seja, para esses sujeitos, diante das circunstâncias apresentadas, não restava à personagem nenhuma alternativa a não ser submeter-se à situação. Pior: a cena hipotética é leve, se comparada ao que acontece diariamente nas escolas. ?Eles acham que impedir alguém de comprar lanche não é violência. A violência moral é até mais grave que a física por repercutir com mais intensidade na formação da pessoa?.
Violência real
Em 2003, quando Kátia era orientadora educacional de uma escola particular de São Paulo, alguns alunos ameaçaram um menino novato com canivete. Conversando com eles, ficou incomodada ao perceber que aquela atitude, na percepção dos alunos, era normal. Para eles, excluir e humilhar seriam experiências inevitáveis dentro da escola. Quando pesquisou a fundo a situação, viu que o envolvimento de meninos e meninas era diferente. Elas, sutis, provocam mais exclusão do que humilhação sistemática. Eles, por outro lado, tendem a uma ação mais bruta.
?A escola precisa urgentemente colocar em discussão na sala de aula os papéis sexuais?, sugere Kátia. Segundo ela, não existe mais um modelo de comportamento para a mulher. ?O universo feminino foi ampliado e o masculino continuou preso a modelos tradicionais. Há uma pressão muito grande sobre eles em relação à honra, ao machismo, e por isso são estimulados a ter um comportamento violento?. Um exemplo disso é o fato de que, hoje, aceita-se que meninas joguem futebol, mas não que os meninos façam balé.
?Temos que tirar da invisibilidade a violência que acontece na escola entre os alunos, desnaturalizá-la e torná-la motivo de indignação e reflexão?, afirma a pedagoga. Ela defende que o profissional precisa reconhecer em sua prática que existem diferenças e que elas estão presentes em qualquer situação educativa. Não se pode, portanto, tratar de maneira igual alunos de sexo oposto, já que são diferentes, pensam diferente e têm atitudes e expectativas diferentes. Se o professor mantiver a neutralidade, estará legitimando um modelo de conduta machista.
Mais informações sobre a pesquisa podem ser obtidas pelo telefone: (11) 3779-1806 ou pelo email kpupo@uol.com.br.
Fonte: Agência USP de Notícias (www.usp.br/agen), com base em matéria de Laura Lopes.